05 Abril 2024
"Que fim levou o 'mundo baseado nas regras', que justifica a guerra por procuração contra a Rússia com o sangue dos ucranianos, quando Israel se rebela contra as regras fundadoras da comunidade internacional?", escreve Domenico Gallo, juiz italiano e conselheiro da Suprema Corte de Cassação da Itália, em artigo publicado por Il Fatto Quotidiano, 03-04-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Em 25 de março, depois de 170 dias durante os quais Israel pôs a ferro e fogo a Faixa de Gaza, causando sofrimentos inenarráveis à população, o Conselho de Segurança da ONU adotou finalmente a Resolução n. 2728 que pede um imediato cessar-fogo "durante o mês do Ramadã, que leve a um cessar-fogo duradouro e sustentável", bem como à libertação imediata e incondicional dos reféns e a um maior acesso das ajudas humanitárias.
“Não há um momento a perder – escreveu a secretária-geral da Anistia Internacional, Agnés Callamard – as autoridades israelenses devem parar imediatamente a sua brutal campanha de bombardeios em Gaza e facilitar a entrada das ajudas humanitárias. Israel, o Hamas e os outros grupos armados devem atuar para que o cessar-fogo dure. Os reféns civis devem ser libertados imediatamente. Todos os palestinos detidos arbitrariamente em Israel, incluindo os civis presos em Gaza, devem ser libertados”. As resoluções do Conselho de Segurança são imediatamente executivas e vinculantes para todos os Estados, exceto – evidentemente – Israel, que não aceita nenhum vínculo baseado nas regras do direito. De fato, Netanyahu não pestanejou e celebrou as primeiras 24 horas de “cessar-fogo” com bombardeios que causaram 76 mortes. E continuou o ataque aos hospitais: em 28 de março, o exército comunicou que tinha matado 200 pessoas numa semana de operações dentro e nas imediações do hospital al Shifa. Obviamente todos “terroristas”: médicos, pacientes, profissionais de saúde e jornalistas. Apesar dos avisos dos próprios aliados, Israel continua os preparativos para o ataque final a Rafah, a última cidade na fronteira com o Egito, onde estão concentrados um milhão e meio de palestinos deslocados do centro e norte de Gaza. E assim sucessivamente até ao massacre dos sete operadores humanitários.
A rejeição da ordem de cessar-fogo do Conselho de Segurança e a recusa – de fato – de atender as medidas ditadas pelo Tribunal Internacional de Justiça em 26 de janeiro colocam Israel numa condição realmente singular no ordenamento internacional: o Estado que realiza (e reivindica) a máxima rebelião possível contra as regras que regem a comunidade internacional.
No entanto, todos os estados ocidentais mobilizaram-se para “punir” a Rússia com as sanções e o fornecimento de armas e recursos de inteligência à Ucrânia, em cumprimento a um imperativo indiscutível: o que Stoltenberg “Strangelove” definiu de “um mundo baseado nas regras”.
Que fim levou o “mundo baseado nas regras”, que justifica a guerra por procuração contra a Rússia com o sangue dos ucranianos, quando Israel se rebela contra as regras fundadoras da comunidade internacional? Se Israel não se sente vinculado ao direito internacional, tendo experimentado pelo menos 56 anos de violação das suas regras sem consequências, os outros estados devem agir com medidas apropriadas, nos termos do Capítulo VII da Carta das Nações Unidas, para convencer/obrigar Netanyahu a respeitar as resoluções do Conselho de Segurança e a disposição da Corte Internacional que ordenou a Israel que parasse de matar as pessoas protegidas e de fazer o grupo palestino sofrer de fome com riscos de genocídio.
A União Europeia adotou uma série de sanções contra a Rússia por violar as regras. Num documento do Parlamento Europeu, Moscou é acusada de ter causado a morte de 520 menores ucranianos: o fato de Israel, em apenas cinco meses de guerra, ter causado a morte de 13 mil menores em Gaza não causou qualquer perturbação nas inabaláveis caras dos líderes políticos italianos e europeus, enquanto um silêncio sepulcral caiu diante da rebelião aberta de Israel contra a ordem de cessar-fogo. Agora é o momento de agir: a União Europeia e todos os seus Estados-Membros devem deliberar medidas urgentes para fazer cumprir a obrigação de parar os massacres. O silêncio nos torna cúmplices.
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O cessar-fogo é um dever: a UE deve tratar Israel como Moscou. Artigo de Domenico Gallo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU