12 Dezembro 2023
A sinodalidade como resposta à crise da Igreja corre o risco de ter como maior obstáculo... a indiferença de uma parte do clero!
O comentário é do jornalista francês René Poujol, ex-chefe de redação da revista Pèlerin, em artigo publicado por seu sítio pessoal, 04-12-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
E eis que a Igreja Católica está no meio do caminho de um Sínodo sobre a Sinodalidade. Sabemos que ele encarna o cerne do “programa” do pontificado do Papa Francisco, ainda nem sempre seja compreendido pelos próprios católicos, que aguardam decisões concretas – ou a manutenção da existente – sobre as questões que estão no centro dos debates, enquanto a intenção do papa é de levar as pessoas a refletir de uma maneira nova e descentralizada, de “tomar decisões juntos” pelo bem de cada Igreja particular, na fidelidade ao Evangelho.
Nesta fase do caminho sinodal, permanecem duas incógnitas que exigem vigilância e compromisso de todos. Onde, como e por quem, até outubro de 2024, serão aprofundados os temas teológicos, canônicos e pastorais identificados na primeira sessão como condições preliminares para qualquer reforma? Como cada bispo in loco desenvolverá a “cultura sinodal”, sem a qual esse trabalho permanecerá sem efeito?
Porque devemos nos dar conta de que “a sinodalidade começará na paróquia ou não existirá”, segundo a expressão do cardeal Hollerich, arcebispo de Luxemburgo e relator-geral do Sínodo.
Muito foi escrito sobre este Sínodo. Mas, de fato, a conferência proferida no dia 15 de novembro na Bélgica pelo cardeal Jean-Claude Hollerich é particularmente iluminadora. Diante das impaciências que se manifestam em vários lugares na Igreja, ele usa esta fórmula: “Certas pessoas esperam que este Sínodo mude as coisas. Não é esse o propósito do Sínodo. O objetivo é a sinodalidade. Estou certo de que a Igreja, nos próximos 10 ou 20 anos, terá de tomar muitas decisões. O que estamos tentando fazer agora é uma forma de tomar essas decisões, juntos, para que todos participem”.
E é verdade que este Sínodo deve ser lido por meio de uma nova lente, que escapa a muitos, porque é diferente das práticas do passado recente:
1) A consulta prévia foi aberta a todos os “membros do povo de Deus”, sem distinção (cleros e leigos), que também se encontravam representados – embora de forma não paritária – nas assembleias sinodais que anteriormente eram reservadas apenas aos bispos;
2) A síntese da consulta – em seus diferentes níveis: paróquias, dioceses, Igrejas particulares (isto é, dos vários países), continental e depois universal – não foi feita apenas com base nos pontos de convergência a serem repassados ao nível superior, o que acabaria levando a um mínimo denominador comum geralmente decepcionante, mas, pelo contrário, levando em conta todas as opiniões expressadas, especificando sempre aquelas que encontram consenso e aquelas que são objeto de debate e devem ser aprofundadas;
3) O discernimento final, que é a missão própria do Sínodo, visa menos – como acontecia no passado – a tornar inteligíveis no mundo contemporâneo verdades descidas desde sempre do Céu e muitas vezes apresentadas de forma não hierarquizada, mas, segundo aquilo que Francisco chama de “teologia indutiva”, assumir todas as expectativas dos batizados caracterizadas por um “sacerdócio comum” e verificar, “como Igreja” sob o olhar do Espírito Santo, sua compatibilidade com a fé cristã e com a mensagem do Evangelho.
Portanto, é esse discernimento que está na pauta da segunda sessão sinodal de outubro de 2024. Mas, como especifica o documento de síntese da primeira sessão, isso pressupõe que, no intervalo, certos temas teológicos, canônicos ou pastorais a serem discutidos possam ser aprofundados.
E é aqui que encontramos uma primeira incógnita. Nesta fase, não sabemos por meio de processo esse trabalho será feito. Sabemos que os 26 teólogos de todo o mundo convocados a Roma como “observadores” e “peritos” em outubro passado expressaram, muito cedo, uma forma de decepção que o jornal La Croix relatou nestes termos: “Para o papa, todos devem poder fazer parte da Igreja. Muitos de nós consideram que poderíamos ter contribuído mais durante o Sínodo. Os teólogos não podem ser postos à margem e permanecer em silêncio, mas devem ser convidados a dar uma contribuição maior durante a intersessão e durante a próxima assembleia”.
Em um livro publicado em 2000, Timothy Radcliffe, então mestre da Ordem Dominicana, e cujas meditações durante o retiro que antecedeu a abertura do Sínodo marcaram fortemente os ânimos, escrevia o seguinte: “O cardeal Newman dizia que há três autoridades na Igreja: a autoridade da experiência que ele situava respectivamente na hierarquia, na universidade e no povo dos fiéis. Ele acrescentava que, se uma das três se tornasse excessivamente dominante, o bom exercício da autoridade na Igreja corria o risco de ficar comprometido” (1).
O processo sinodal, portanto, se enriqueceria muito se deixasse todo seu espaço aos teólogos ao lado dos bispos e da base do “povo de Deus”...
A essa incerteza, acrescenta-se uma segunda. Qual será a “recepção” das decisões deste Sínodo por parte de bispos, padres, diáconos, religiosos e fiéis, uma vez concluído o processo? Tradicionalmente, o papa publica, dentro de poucos meses, uma exortação apostólica conclusiva, na qual oficializa, a partir de sua autoridade, o que considera que deveria apresentar entre as recomendações da Assembleia Sinodal que, segundo o direito, é apenas consultiva. É esse documento, e apenas esse, que, na Igreja, assume então valor magisterial.
É claro que é preciso que ele seja “recebido”, isto é, compreendido e aceito. Sabemos, 50 anos após sua conclusão, o que aconteceu com o Concílio Vaticano II, que continua causando discussões (2). Na referida conferência do cardeal Hollerich, ele mesmo recorda que foram necessários dois séculos para que a missa tridentina, “hoje apresentada por alguns como a missa de sempre”, fosse definitivamente adotada pelo povo cristão... Isso significa que nada pode ser dado como certo. E que essa mesma incerteza já alimenta muitos temores de divisões na Igreja.
Uma incerteza que é alimentada em parte por uma dupla constatação. Em muitas paróquias, os padres tiveram reservas sobre o processo sinodal, desde a fase de consulta. Alguns se manifestaram abertamente sobre os “limites” das sínteses diocesanas ou nacionais que pareciam não levar em conta as sensibilidades “mais tradicionais” dos jovens católicos... Embora, às vezes, eram eles mesmos que os dissuadiam de participar da consulta.
Agora, os rumores que chegam hoje de algumas paróquias são de que nenhum “retorno” foi dado aos fiéis pelos trabalhos do Sínodo. Ainda que, em certas dioceses, a sinodalidade seja apresentada às equipes de animação paroquial/pastoral como uma “ardente obrigação”, baseada no sacerdócio comum dos batizados.
No dia 27 de novembro passado, o jesuíta francês Christoph Théobald foi convidado pela comunidade de Saint-Merry Hors-les-Murs para falar sobre a primeira sessão do Sínodo, da qual ele participou como teólogo. No relato publicado no site da comunidade, podemos ler:
“O documento final de 43 páginas provavelmente nunca será lido nas paróquias: Christoph Theobald recomenda fazer um resumo pedagógico de cinco páginas para divulgá-lo e promovê-lo. Propõe também a leitura da primeira parte do documento de síntese para refletir sobre ele agora nas comunidades paroquiais, segundo o método da conversação no Espírito, pois a sinodalidade é o modo de ser Igreja; o que pressupõe uma conversão das mentalidades, o que levará tempo, mas é ‘O’ critério” (3).
Estando eu mesmo envolvido desde setembro em uma série de conferências (Pau, Chartres, Sainte-Geneviève-des-Bois) que continuarão no primeiro semestre de 2024 (Estrasburgo, Tulle, Lyon), tive a oportunidade de encontrar muitos católicos perplexos com a adesão de sua Igreja diocesana à dinâmica implementada pelo Papa Francisco. Mesmo que, pontualmente, tenham a sorte de residir em uma ou outra paróquia cujo pároco é excepcionalmente receptivo, a sensação deles é de que a Igreja local, diante de um processo de longo prazo, atribuiu-se, em outros lugares, prioridades pastorais ligadas às “urgências locais imediatas”, à sensibilidade de seu bispo, de seu presbitério ou dos fiéis pouco interessados na mudança. E de que a sinodalidade não faz parte dessas prioridades.
Precisamente por isso, os fiéis convencidos de que a sinodalidade é, nas palavras do Papa Francisco, “a própria forma da Igreja Católica”, capaz de fazê-la sair de uma crise sem fim, têm a tarefa de se tornarem seus divulgadores e, se necessário, de “converter” o próprio pároco à sinodalidade. Para que o ano que nos separa da segunda sessão seja aproveitado para preparar o terreno eclesial para colhermos os frutos amanhã, na lealdade, fidelidade e “liberdade dos filhos de Deus”.
1. Timothy Radcliffe. Je vous appelle amis : Entretiens avec Guillaume Goubert. La Croix-Le Cerf, 2000.
2. Debate entre aqueles que aceitam esse Concílio como expressão legítima do Magistério e aqueles que o veem como a causa do colapso da Igreja; debate entre aqueles que desejar se ater à letra do Concílio, por meio de seus textos, apresentados como o Concílio real em oposição ao Concílio midiático que considera necessário perpetuar o aggiornamento... precisamente por meio do conceito de sinodalidade!
3. Christophe Théobald acaba de publicar “Un nouveau concile qui ne dit pas son nom?" [Um Concílio que não diz seu nome?] (Ed. Salvator 2023). Uma leitura apaixonante do Sínodo em continuidade com os dois últimos concílios.
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