Transição Energética e o Colapso Global. Limites e possibilidades

Foto: Pixabay

Por: Patricia Fachin | 01 Julho 2023

“Uma verdadeira abordagem ecológica sempre se torna uma abordagem social, que deve integrar a justiça nos debates sobre o meio ambiente, para ouvir tanto o clamor da terra como o clamor dos pobres.” Esta referência à Carta Encíclica Laudato Si', do Papa Francisco, citada na carta aberta "Uma só Terra: podem tirar tudo, menos a esperança!", publicada pela Preferência Apostólica Amazônica – PAAM da Província dos Jesuítas do Brasil no Dia Mundial do Meio Ambiente, 05-06-2023, é uma das preocupações dos debates em torno da transição energética em curso.

A transição de uma sociedade baseada em energias fósseis para uma baseada em energias renováveis tem sido tematizada e defendida por pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento de modo interdisciplinar, como o jesuíta, economista e diretor do Programa para a Justiça Ambiental da Universidade de Georgetown, em Washington, DC, conhecido como "teórico da transição ecológica", Gaël Giraud. "Em primeiro lugar a transição ecológica é o processo em que uma economia se move em direção a um modelo totalmente descarbonizado. Mundialmente, 80% do consumo energético é de origem fóssil – carvão, petróleo e gás – e é preciso mudar tudo de modo que em 2050 o uso seja próximo de zero. Isso é muito difícil porque teríamos que fazer em 35 anos, ou seja, muito rapidamente, uma mudança radical do estilo de vida das pessoas no mundo. O que temos que fazer agora torna a Revolução Industrial apenas um pequeno capítulo da história da humanidade. Esse é um grande desafio para todas as gerações, mas principalmente para as mais jovens", disse em entrevista ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU em 2016

 

 

Para Miguel Pajares, pesquisador integrante do Grupo de Pesquisa sobre Exclusão e Controle Social, associado ao Departamento de Antropologia Social da Universidade de Barcelona, autor do livro Bla-bla-bla: el mito del capitalismo ecológico, o tema é complexo e a transição em curso está implementando "um modelo de desenvolvimento pouco respeitoso a outros aspetos que também são importantes para o meio ambiente", como a "redução das terras agrícolas". Outro problema, assinala, "é que grandes projetos solares e eólicos estão nas mãos das grandes empresas de energia, sendo que o ideal seria que estivessem nas mãos de comunidades que desenvolvam sua própria energia para atender às suas necessidades locais. Deveríamos potencializar o modelo de comunidades energéticas que algumas localidades vêm implementando".

Outra preocupação em relação à transição energética é o chamado paradoxo verde, isto é, o desenvolvimento de fontes renováveis implica a extração de mais minerais para a produção de baterias e insumos renováveis e pode acentuar não só às intervenções humanas no meio ambiente como também potencializar conflitos socioambientais e o aumento da pobreza e das desigualdades em regiões onde predominam recursos minerais.

Essa situação evidencia que "falar em transição energética sem questionar a intensidade do consumo energético global, particularmente dos países ricos, é uma falsa solução", pontua Bruno Milanez, doutor em Política Ambiental e professor da Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF. "Estudos indicam que, considerando o horizonte de 2050, se simplesmente mantivermos o mesmo padrão de consumo energético e apenas substituirmos as fontes de energia, não existirão reservas suficientes de cobalto, lítio ou níquel para dar conta da demanda. Não podemos nos esquecer que esses minerais são recursos finitos e não renováveis, assim como o petróleo e o carvão mineral", adverte em entrevista concedida ao IHU.

 

 

Segundo ele, a distribuição dos minerais ao redor do mundo localiza-se em países de renda média e baixa. "É nessas regiões que se encontram 93% das reservas de terras raras, 83% do manganês, 69% do cobalto e 66% da bauxita. E será nesses países que se concentrarão os impactos e os conflitos", informa. Além disso, menciona, "é impossível para as empresas mineradoras realizarem suas atividades sem degradar o meio ambiente. Essa degradação envolve as alterações da paisagem, o uso da água, muito comumente, a contaminação dos corpos hídricos etc. Onde houver essa degradação, necessariamente haverá conflitos socioambientais com as comunidades locais. Isso sem falar nos conflitos com os próprios trabalhadores".

Joan Martínez Alier, pesquisador do Institute of Environmental Science and Technology (ICTA-UAB) espanhol, cuja abordagem da transição energética parte de uma perspectiva da ecologia política, destaca que "cerca de 400 milhões de indígenas estão vivendo nas fronteiras do extrativismo" e "mais 2 bilhões de pessoas vivem no campo ou que são sem-terra" e podem ser impactados pela transição energética. De acordo com ele, essas populações não são contrárias à transição ecológica, mas "protestam contra a maneira como isso afeta suas vidas. (...) Os protestos se espalharam pelo mundo. Podem ser pessoas que não vão à escola e não estudaram as mudanças climáticas, mas que sabem mais sobre a terra e a agricultura do que qualquer um de nós. Elas sabem disso, mas não sabem que sabem. E parte da transição energética envolve minas de cobalto, bauxita e lítio; na própria Extremadura. No Equador, há protestos contra os chineses porque estão extraindo o cobre e outros metais, além de uma árvore muito leve, a balsa, cuja madeira é usada para moinhos de vento", exemplifica.

 

 

Na mesma perspectiva, Astrid Becker, diretora do projeto de sustentabilidade regional da Fundação Friedrich Ebert, na Cidade do México, enfatiza a preocupação e o risco de que a reforma do setor energético contribua para a ampliação das desigualdades sociais e não para sua superação, como é afirmado pelo discurso da transição energética com justiça social. "São justamente os grupos populacionais que menos contribuem para a crise climática que mais podem sofrer as consequências da mudança econômica”, pontua em artigo publicado pela revista latino-americana de ciências sociais Nueva Sociedad e reproduzido no sítio do IHU.

No Brasil, por exemplo, até o momento, "os atingidos por grandes projetos de mineração, de barragens e de hidrelétricas não são apenas afetados, mas pisados, violentados e massacrados", observa Gilvander Moreira, frei e padre da Ordem dos Carmelitas.

A Transição Energética e o Colapso Global. Limites e possibilidades é o tema do ciclo de estudos promovido pelo IHU neste semestre. "Analisar transdisciplinarmente os desafios e oportunidades que (in)viabilizam a transição energética no mundo, seus impactos ambientais, sociais, econômicos e demográficos, e as possibilidades e limites do Brasil neste contexto" é um dos objetivos do evento.

A próxima videoconferência, intitulada Transição energética no Brasil e o contexto global, será ministrada nesta quinta-feira, 29-06-2023, às 19h30, por Stefania Gomes Relva, doutora em Engenharia de Energia e Automação Elétricas pela Universidade de São Paulo – USP, editora do livro Energy Transition in Brazil (Springer, 2023) e consultora do Instituto E+ Transição Energética. O evento será transmitido na página eletrônica do IHU, nas redes sociais e no canal do IHU no YouTube.

Na próxima semana, 04-07-2023, Simon Pirani, historiador e professor da Durham University, no Reino Unido, ministrará a videoconferência A transição dos combustíveis fósseis, a crise energética na Europa e a guerra na Ucrânia, às 10h.

 

As demais conferências do ciclo estão disponíveis aqui

Leia mais