O Papa Francisco marcou a festa de Pentecostes oferecendo aos crentes uma lição sobre a espiritualidade jesuíta básica sobre o discernimento, explicando como o Espírito Santo funciona e as diferentes maneiras de distinguir o espírito de Deus do “espírito do mal”.
A reportagem é de Elise Ann Allen, publicada por Crux, 05-06-2022.
Referindo-se à leitura do Evangelho do dia, na qual o Espírito Santo desce sobre os apóstolos, o papa disse que sem o Espírito Santo, os seguidores de Jesus “estavam sozinhos, sozinhos, amontoados”.
“Com o Espírito, eles estavam abertos a todos”, disse ele no domingo, 5 de junho. “Em todas as épocas, o Espírito derruba nossas noções preconcebidas e nos abre para sua novidade.”
O Espírito Santo, disse ele, ensina a igreja “a ser uma casa aberta sem paredes de divisão”.
O Papa Francisco falou durante a Missa na solenidade de Pentecostes, que comemora a descida do Espírito Santo sobre os apóstolos e encerra oficialmente o tempo litúrgico da Páscoa.
Ele entrou na basílica em uma cadeira de rodas, que vem usando regularmente nas últimas semanas devido a fortes dores no joelho; sua mobilidade é limitada. Como tem feito muitas vezes nos últimos meses, o papa não celebrou a missa, mas sim “auxiliou” na cerimônia, que foi presidida pelo cardeal italiano Giovanni Battista Re, de 88 anos, decano do Colégio dos Cardeais.
Em sua homilia, o papa disse que o papel do Espírito Santo é dar uma “nova e plena compreensão” das palavras e ações de Jesus.
“Deus não quer nos fazer enciclopédias ou polímatas”, disse ele, dizendo que o entendimento que o Espírito Santo dá não é uma questão de conhecimento, mas sim “qualidade e perspectiva. O Espírito nos faz ver tudo de uma maneira nova, com os olhos de Jesus”.
Em termos de por onde começar, Francisco disse que a vida espiritual começa com o amor e a insistência de Jesus de que: “Se você me ama, guardará meus mandamentos.”
“Tendemos a pensar exatamente o contrário: se guardarmos os mandamentos, amaremos a Jesus. Tendemos a pensar que o amor vem de nossa guarda, nossa fidelidade e nossa devoção”, disse o papa. “No entanto, o Espírito nos lembra que sem amor como nossa base, todo o resto é em vão.”
Não importa que problemas, preocupações ou mágoas do passado existam, disse ele, estes são os momentos em que o Espírito Santo “pede que você o deixe entrar. Porque ele, o Consolador, é o Espírito de cura, de ressurreição, que pode transformar o dói queimando dentro de você.”
Com base em suas raízes jesuítas, o Papa Francisco enfatizou a importância de poder distinguir a voz do Espírito Santo do “espírito do mal”, dizendo que há várias pistas para ajudar a fazer a distinção.
O Espírito Santo, disse ele, “nunca lhe dirá que em sua jornada tudo está indo bem”, mas sim “corrige você; ele faz você chorar por seus pecados; ele te empurra para mudar, para lutar contra suas mentiras e enganos, mesmo quando isso exige trabalho duro, luta interior e sacrifício.”
Por outro lado, o espírito maligno, disse ele, “o impele a fazer sempre o que você pensa e acha agradável. Ele faz você pensar que tem o direito de usar sua liberdade da maneira que quiser. Então, uma vez que você se sente vazio por dentro, ele te culpa e te joga para baixo.”
Quando surgem sentimentos de amargura, pessimismo e negatividade, “é bom lembrar que essas coisas nunca vêm do Espírito Santo”, mas sim do diabo, disse ele, dizendo que a estratégia do mal é atiçar “impaciência e egoísmo, pena, reclamações e críticas, a tendência de culpar os outros por todos os nossos problemas”.
“Isso nos deixa nervosos, desconfiados, queixosos”, enquanto o Espírito Santo “nos exorta a nunca desanimar e sempre recomeçar”, escolhendo espalhar esperança e alegria e “nunca invejando os outros, mas regozijando-se em seu sucesso”.
Insistindo que o Espírito Santo não é “um idealista”, o papa disse que o espírito exorta os crentes a se concentrarem “no aqui e agora”, enquanto o espírito do mal “nos afasta do aqui e agora e nos coloca em outro lugar”.
“Muitas vezes, ele nos ancora no passado: nos nossos arrependimentos, nossas saudades, nossas decepções. Ou então ele nos aponta para o futuro, alimentando nossos medos, ilusões e falsas esperanças”, mas o Espírito Santo, disse ele, “nos leva a amar, aqui e agora, não um mundo ideal ou uma igreja ideal, mas o verdadeiro aqueles, como são, vistos em plena luz do dia, com transparência e simplicidade”.
“Quão diferente do maligno, que fomenta fofocas e conversa fiada”, disse ele, alertando contra a tentação do “espírito mundano” de se concentrar em seus próprios problemas e interesses, a necessidade de ser relevante ou “nossa árdua defesa da nação ou grupo ao qual pertencemos”.
A igreja não pode ser “programada”, disse ele, “e todo esforço de 'modernização' não é suficiente”.
“O Espírito nos liberta da obsessão pelas emergências. Ele nos convida a percorrer seus caminhos, sempre antigos e sempre novos, os caminhos do testemunho, da pobreza e da missão”, disse o papa.
Na frase final do Evangelho que ouvimos, Jesus faz uma afirmação que nos dá esperança e, ao mesmo tempo, faz refletir. Diz Ele aos discípulos: «O Espírito Santo que o Pai enviará em meu nome, Esse é que vos ensinará tudo, e há de recordar-vos tudo o que Eu vos disse» (Jo 14, 26). Ficamos impressionados com este «tudo», perguntando-nos: Em que sentido dá o Espírito esta compreensão nova e plena a quem O recebe? Não é questão de quantidade, nem questão acadêmica: Deus não quer fazer de nós enciclopédias, nem eruditos. Não. É questão de qualidade, de perspectiva, de intuito. O Espírito faz-nos ver tudo de modo novo, segundo o olhar de Jesus. Poderíamos expressá-lo assim: no grande caminho da vida, Ele ensina-nos donde começar, que caminhos seguir e como caminhar. Temos o Espírito que nos diz donde começar, que caminhos seguir e como caminhar, o estilo «como caminhar».
Primeiro: onde começar. De fato, o Espírito indica-nos o ponto de partida da vida espiritual. E qual é? Disso nos falava Jesus pouco antes, quando diz: «Se me tendes amor, observareis os meus mandamentos» (14, 15). Se me amardes, observareis: esta é a lógica do Espírito. Muitas vezes pensamos ao contrário: se observarmos, amamos. Estamos habituados a pensar que o amor deriva, essencialmente, da nossa observância, da nossa perícia, da nossa religiosidade; ao passo que o Espírito nos lembra que, sem o amor na base, tudo o mais é vão e que este amor não nasce das nossas capacidades, este amor é dom d’Ele. Ele ensina-nos a amar, e devemos pedir este dom. É o Espírito de amor que põe em nós o amor, é Ele que nos faz sentir amados e nos ensina a amar. Ele é – por assim dizer – o «motor» da nossa vida espiritual. É Ele que move tudo a partir de dentro de nós. Mas, se não começamos do Espírito ou com o Espírito ou por meio do Espírito, não se consegue caminhar.
No-lo recorda Ele mesmo, porque é a memória de Deus, é Aquele que nos recorda todas as palavras de Jesus (cf. Jo 14, 26). E o Espírito Santo é uma memória ativa, que acende e reacende no coração a amizade a Deus. Experimentamos a sua presença no perdão dos pecados, quando ficamos repletos da sua paz, da sua liberdade, da sua consolação. É essencial alimentar esta memória espiritual. Sempre nos lembramos das coisas que correm mal: muitas vezes faz-se ouvir em nós a voz que nos recorda os fracassos e as inaptidões, dizendo-nos: «Vês? Outra queda, outra decepção! Nunca conseguirás, não és capaz!» Trata-se duma lengalenga antipática e ruim. O Espírito Santo, por outro lado, lembra outra bem diferente: «Caíste? Mas és filho, és filha de Deus; és uma criatura única, eleita, preciosa, Caíste? Mas continuas a ser amado, amada. Ainda que tenhas perdido a confiança em ti próprio, Deus confia em ti!» Esta é a memória do Espírito, aquilo que o Espírito nos lembra continuamente: Deus lembra-Se de ti. Perderás a memória de Deus, mas Deus não a perde de ti: recorda-Se continuamente de ti.
Entretanto poder-te-ia vir a vontade de objetar: «Palavras belas! Mas eu tenho tantos problemas, feridas e preocupações, que não se resolvem com fáceis consolações». Ora, é justamente neste ponto que o Espírito pede a possibilidade de entrar, porque Ele, o Consolador, é Espírito de cura, é Espírito de ressurreição, e pode transformar as feridas cuja ardência sentes dentro. Ensina-nos a não extirpar as recordações de pessoas e situações que nos fizeram mal, mas deixá-las habitar pela sua presença. Assim fez com os Apóstolos e os seus fracassos. Abandonaram Jesus antes da Paixão, Pedro negara-O, Paulo perseguira os cristãos: quantos erros, quantos sentimentos de culpa! E nós próprios? Quantos erros, quantos sentimentos de culpa! Sozinhos, não encontravam saída. Sozinhos, não; mas com o Consolador, sim! Porque o Espírito cura as recordações. É verdade! Cura as recordações. Como? Colocando no cimo da lista aquilo que conta: a recordação do amor de Deus, o seu olhar pousado sobre nós. Deste modo põe ordem na vida: ensina a acolher-nos, ensina-nos a perdoar, perdoar a nós próprios. Não é fácil perdoar-se a si mesmo: o Espírito ensina-nos esta estrada, ensina a reconciliar-nos com o passado. A recomeçar.
Além de nos recordar o ponto de partida, o Espírito ensina-nos que caminhos seguir. Primeiro lembrava-nos o ponto de partida, agora ensina-nos qual estrada seguir. Deduzimo-lo da segunda Leitura, onde São Paulo explica que «todos os que se deixam guiar pelo Espírito de Deus» «caminham, não segundo a carne, mas segundo o Espírito» (Rm 8, 14.4). Por outras palavras, nas encruzilhadas da vida, o Espírito sugere-nos o melhor caminho a seguir. Por isso, é importante saber discernir entre a voz d’Ele e a do espírito do mal. É que ambos nos falam. É preciso aprender a discernir e compreender onde está a voz do Espírito, para a identificar e seguir a estrada d’Ele, seguir as coisas que Ele está a dizer-nos.
Demos alguns exemplos: o Espírito Santo nunca te dirá que está tudo bem no teu caminho. Nunca o dirá, porque não é verdade. Ele corrige-te, leva-te também a chorar os próprios pecados; instiga-te a mudar, a lutar contra as tuas intrujices e duplicidades, embora tudo isso exija esforço, luta interior e sacrifício. O espírito mau, ao contrário, impele-te a fazer sempre o que te apetece e vem à cabeça; leva-te a crer que tens direito de usar da tua liberdade como te apetece. Depois, porém, quando ficas vazio por dentro… (faz-nos mal esta experiência de sentir o vazio dentro: muitos de nós a sentimos!) e tu quando ficas vazio por dentro, acusa-te: o espírito mau acusa-te, torna-se o acusador, e lança-te por terra, destrói-te. O Espírito Santo, que te corrige ao longo do caminho, nunca te deixa por terra, mas toma-te pela mão, consola-te e sempre te encoraja.
Depois, quando vires que giram dentro de ti amargura, pessimismo e pensamentos tristes (quantas vezes nos deixamos cair nisto!), quando acontecem estas coisas, é bom saber que isso nunca vem do Espírito Santo. Nunca! A amargura, o pessimismo, os pensamentos tristes não vêm do Espírito Santo. Vêm do maligno, que se sente à vontade na negatividade e recorre muitas vezes a esta estratégia: alimenta a impaciência, a vitimização, faz sentir a necessidade de lamentar-se – é feio este lamentar-se e, contudo, quantas vezes…! – e com a necessidade de lamentar-se vem a necessidade de reagir aos problemas criticando, dando a culpa toda aos outros. Torna-nos nervosos, desconfiados e lamurientos. A linguagem do espírito mau é precisamente a lamúria: ele leva-te à lamúria, que é estar sempre triste, com um espírito de funeral. As lamúrias… O Espírito Santo, pelo contrário, convida-nos a não perder jamais a confiança e recomeçar sempre: levanta-te! Levanta-te! Sempre te encoraja: levanta-te! E toma-te pela mão: levanta-te! E como recomeçar? Sendo nós os primeiros a descer em campo, sem esperar que comece outro qualquer. E, depois, levando àqueles que encontramos esperança e alegria, não lamúrias; convida-nos a nunca invejar os outros, nunca! A inveja é a porta por onde entra o espírito mau. Assim no-lo diz a Bíblia: pela inveja do diabo, entrou o mal no mundo. Nunca invejes, nunca! O Espírito Santo leva-te pelo bom caminho, fazendo com que te alegres com os sucessos dos outros. «Que bom! Isso correu-te bem!»
Além disso, o Espírito Santo não é idealista, mas concreto: quer que nos concentremos sobre o aqui e agora, porque o sítio onde estamos e o tempo que vivemos são os lugares da graça. O lugar da graça é o lugar concreto de hoje: aqui, agora. Como? Não são as fantasias que conseguimos pensar… O Espírito leva-te ao concreto, sempre. Ao contrário, o espírito do mal quer afastar-nos do aqui e do agora, levar-nos com a imaginação para outro lugar: muitas vezes ancora-nos ao passado, aos queixumes, às saudades, àquilo que a vida não nos deu; ou então projeta-nos para o futuro, alimentando temores, medos, ilusões, falsas esperanças. O Espírito Santo, não! Leva-nos a amar aqui e agora, em concreto: não um mundo ideal, uma Igreja ideal, não uma congregação religiosa ideal, mas aquilo que existe, à luz do sol, na transparência, na simplicidade. Quanta diferença do maligno, que fomenta as coisas ditas nas costas, as murmurações, as críticas! As críticas são um mau hábito, que destrói a identidade das pessoas.
O Espírito quer-nos juntos; funda-nos como Igreja e hoje – terceiro e último aspecto – ensina à Igreja o modo como caminhar. Os discípulos estavam fechados no Cenáculo; então o Espírito desce e fá-los sair. Sem o Espírito, estavam uns no meio dos outros; com o Espírito, abrem-se a todos. Em cada época, o Espírito transtorna os nossos esquemas e abre-nos à sua novidade. Temos sempre a novidade de Deus, que é a novidade do Espírito Santo; Ele sempre ensina à Igreja a necessidade vital de sair, a necessidade fisiológica de anunciar, de não ficar fechada em si mesma. Ensina a não ser um rebanho que reforça o recinto, mas uma pastagem aberta, para que todos possam alimentar-se da beleza de Deus; ensina a ser uma casa acolhedora, sem divisórias. O espírito mundano, pelo contrário, faz pressão para que nos concentremos apenas sobre os nossos problemas, sobre os nossos interesses, na necessidade de aparecermos relevantes, na defesa a todo o custo das nossas identificações nacionais e de grupo. O Espírito Santo, não! Convida a esquecer-se de si mesmo, a abrir-se a todos. E assim rejuvenesce a Igreja. Atenção! É Ele que a rejuvenesce, não nós. Nós procuramos apenas maquiá-la um pouco: mas isto não resulta. É Ele que a rejuvenesce. Porque a Igreja não se programa, e os projetos de modernização não bastam. Temos o Espírito que nos liberta da obsessão das urgências e convida-nos a percorrer caminhos antigos e sempre novos, ou seja, os caminhos do testemunho, os caminhos da pobreza, os caminhos da missão, para libertar-nos de nós mesmos e enviar-nos ao mundo.
Mas no fim – curioso! – o Espírito Santo é o autor da divisão, até da confusão, duma certa desordem. Pensemos na manhã de Pentecostes: Ele é o autor que cria divisão de línguas, de atitudes... aquilo era uma confusão! Mas, ao mesmo tempo, é o autor da harmonia. Divide com a variedade dos carismas, mas uma divisão fictícia, porque a verdadeira divisão acaba inserida na harmonia. Faz a divisão com os carismas e faz a harmonia com toda esta divisão, e esta é a riqueza da Igreja.
Irmãos e irmãs, vamos à escola do Espírito Santo, para que nos ensine tudo. Invoquemo-Lo todos os dias, para que nos lembre de começar sempre do olhar de Deus pousado sobre nós, mover-nos nas nossas escolhas escutando a sua voz, caminhar juntos, como Igreja, dóceis a Ele e abertos ao mundo. Assim seja!