23º Domingo do tempo comum - Ano B - Abrir-se para ouvir o clamor por Vida

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03 Setembro 2021

 

"Jesus propõe um programa autêntico de ação política. Oferece alguns pontos básicos que devem guiar e restaurar pela raiz todo o relacionamento entre os seres humanos, em qualquer tipo de organização que se encontram.

"Onde os seguidores e seguidoras estiverem presentes, eles e elas necessariamente deverão tomar as mesmas atitudes de Jesus frente à sociedade de hoje. Lutar como ele pela libertação da vida presa em estruturas envelhecidas e opressoras, para que todos possam ter vida e vida em abundância (Jo 10,10). Tudo isso está presente na prática de Jesus e no jeito novo que ele tinha de ensinar as coisas.

Faz com as pessoas criem uma consciência crítica frente à realidade e frente as suas lideranças, é contra as leis que oprimem as pessoas e impedem que cresçam, age contra toda opressão, acolhe os oprimidos e denuncia quem são os seus opressores. Tem uma mensagem para os que tem medo: “Sou eu! Não tenhais medo”! Mc 6,50".

 

A reflexão é de Amélia Hakme Romano, leiga, facilitadora do CEBI-Mato Grosso do Sul, colaborando com escolas e grupos de estudos bíblicos.

 

 

Leituras do Dia
1ª Leitura - Is 35,4-7ª
Salmo - Sl 145,7.8-9a.9bc-10 (R.1.2a)
2ª Leitura - Tg 2,1-5
Evangelho - Mc 7,31-37


Não existem leis, nem fronteiras e nem medo porque “Deus é amor! Arrisquemos a viver por amor! Deus é amor, ele acalma o medo”!

 


Evangelho Marcos 7,31-37

 

evangelho de Marcos 7,31-37 nos relata que Jesus está na região de Tiro e Sidônia, (hoje é o Líbano). A insistência de Marcos é clara, deseja deixar a impressão de que Jesus exerce seu ministério em terra dos gentios que agora estão prontos a escutar e a anunciar a Palavra.

 

Jesus vai até à Decápode, praticamente ao estrangeiro, para curar um pagão de seu fechamento, de sua dificuldade em se relacionar, escutar, trocar palavras com os outros. E o que diz Jesus para curá-lo? “Abre-te.” para o novo!

 

Jesus vai com sua prática abrindo a mentalidade dos discípulos e do povo para além da visão tradicional. Na distribuição dos pães, ele tinha insistido na partilha (Marcos 6,30-44). Na discussão sobre o puro e o impuro, tinha declarado puros todos os alimentos (Marcos 7,1-23). No episódio da mulher cananeia (Marcos 7,24-30), ele ultrapassa as fronteiras do território nacional e acolhe uma mulher estrangeira que não era do povo judeu e com a qual era proibido conversar. Estas iniciativas de Jesus, nascidas da sua experiência de Deus com o Pai, eram estranhas para a mentalidade do povo da época.

 

A abertura crescente de Jesus era uma ajuda muito importante para as comunidades do tempo de Marcos. Elas eram um grupo pequeno, perdido naquele mundo hostil do Império Romano. Quando um grupo é minoria, sofre a tentação de se fechar sobre si mesmo. A atitude de abertura de Jesus era um estímulo para as comunidades não se fecharem, mas manterem bem viva a consciência missionária de anunciar a Boa Nova de Deus a todos os povos, como Jesus tinha pedido com tanta insistência.

 

Estamos diante de um milagre de Jesus o qual causa espanto e alegria entre as testemunhas do fato e que leva Jesus a proibir que a notícia se espalhe no território.

 

O que nos chama a atenção é a comunhão corpo a corpo entre Jesus e o surdo-mudo: os próprios dedos, a saliva, toque da língua. Nos vv 33- 34 o gemido de Jesus é uma súplica! É como se tratasse de algo muito penoso e difícil! Marcos faz transparecer aqui a crise que a Igreja nascente experimenta naquela conjuntura em que se discutia a entrada ou não dos gentios na comunidade cristã. No capítulo 8 Marcos descreve um fato semelhante com a cura do cego de Betsaida.

 

Outro fato é a proibição de espalhar a notícia (o segredo messiânico) e as testemunhas que não escondem o fato e contam para as pessoas.

 

A violação da proibição por parte da multidão traz à tona a questão da verdadeira identidade de Jesus, dando a impressão de que Ele é muito mais do que um simples curador! As palavras que expressam o entusiasmo da multidão diante d’Ele (7, 37) são tiradas do livro do profeta Isaías 35,4-7 onde se fala da cura de surdos, mudos e cegos. (Para a leitura apocalíptica a restauração de um povo incluía a recuperação das doenças físicas) sugerindo que, nas atividades de Jesus, o Reino de Deus se faz presente.

 

O Segredo Messiânico em Marcos provavelmente faz parte da insistência de que Jesus é mais do que um milagreiro, e que a sua verdadeira identidade só se revelará na sua Cruz e Ressurreição. Pois é somente lá, e não diante dos milagres, que Jesus é proclamado “Filho de Deus” pelo oficial que exclamou ao pé da Cruz, vendo como Jesus havia expirado: “De fato, esse homem era mesmo Filho de Deus” (Mc 15, 39).

 

Para Marcos, uma fé baseada nos milagres é sempre duvidosa, pois pode levar ao seguimento de Jesus por motivos errados e interesseiros. Para corrigir essa tendência na sua comunidade, ele insiste que só se pode proclamar Jesus com o título messiânico “Filho de Deus” ao pé da Cruz, onde não há lugar para dúvidas, Como diria Paulo, só se pode crer na fraqueza de Deus, que é mais forte do que a força humana (1Cor 1, 25).

 

Um alerta para muitos cristãos hoje! Jesus quer que o povo abra o ouvido e solte a língua. Quer que o povo diga a sua própria palavra e tenha critérios para discernir o que escuta. Todo o povo ficou muito admirado e dizia: “Ele fez bem todas as coisas” (Marcos 7,37). Esta afirmação do povo faz lembrar a criação, onde se diz: “Deus viu que tudo o que havia feito, e tudo era muito bom” (Gênesis 1,31).

 

Jesus propõe uma nova sociedade

 

Jesus propõe um programa autêntico de ação política. Oferece alguns pontos básicos que devem guiar e restaurar pela raiz todo o relacionamento entre os seres humanos, em qualquer tipo de organização que se encontram.

 

Onde os seguidores e seguidoras estiverem presentes, eles e elas necessariamente deverão tomar as mesmas atitudes de Jesus frente à sociedade de hoje. Lutar como ele pela libertação da vida presa em estruturas envelhecidas e opressoras, para que todos possam ter vida e vida em abundância (Jo 10,10). Tudo isso está presente na prática de Jesus e no jeito novo que ele tinha de ensinar as coisas.

 

Faz com as pessoas criem uma consciência crítica frente à realidade e frente as suas lideranças, é contra as leis que oprimem as pessoas e impedem que cresçam, age contra toda opressão, acolhe os oprimidos e denuncia quem são os seus opressores. Tem uma mensagem para os que tem medo: “Sou eu! Não tenhais medo”! Mc 6,50

 

O nosso hoje

 

Estamos vivendo meses terríveis. O sistema excludente, corrupto e dominante de hoje, os meios de comunicação na sua maioria, sempre atrelados e coniventes, procuram em geral tapar os ouvidos do povo diante dos gritos das pessoas; pois, fazem questão de dissimular a realidade sofrida de milhões, escondendo os fatos ou banalizando-o. No Brasil já temos quase 600.000 seres humanos que já morreram pela pandemia que assola o mundo. As forças dominantes e excludentes deixam cada vez mais os excluídos sem voz – Só tem voz quem está do lado do poder na nossa sociedade materialista e consumista. Diante da surdez e mudez físicas, Jesus cura! O Evangelho e a atividade evangelizadora das igrejas devem ajudar as pessoas para que ouçam o grito dos oprimidos e para que ajudem a devolver a voz àqueles a quem lhes foi tirada.

 

Dia 7 de setembro é o dia do Grito dos Excluídos – um jeito de as Igrejas e todas as pessoas dizerem em alta voz que a nossa luta está em favor dos excluídos e menos favorecidos. “Na luta por participação popular, saúde, comida, moradia, trabalho e renda já!”. O tema permanente é “Vida em primeiro lugar”.

 

“Não tenhais medo!”

 

Não nos tornemos surdos aos gritos dos que sofrem, dos que passam fome, das mulheres, dos homens e crianças praticamente reduzidos à escravidão. Não permaneçamos calados tomemos a sua defesa: Se professamos nossa fé na Palavra de Deus não temos “outra coisa a fazer”!

 

Que se possa dizer isso de todas as Igrejas, movimentos, pastorais, grupos e serviços que ajudam a devolver a capacidade de ouvir os gemidos dos sofredores a tantas pessoas ensurdecidas pela ideologia dominante, e que ajudam os sem voz a recuperar a voz ativa, nas decisões das Igrejas e da sociedade em geral.

 

Que assim seja!

 

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