10 Junho 2020
"O Antigo Testamento é o caminho para chegar gradualmente a Jesus. Pode ser que ele não seja realmente alcançado se a gente não passar por esse longo caminho de discernir, junto com o povo, em que Deus nós acreditamos", escreve José Luis Caravias, jesuíta espanhol, missionário no Paraguai. A tradução é de Luis Miguel Modino.
Existe apenas um Deus. Único, imenso, maravilhoso, sem fim, todo amor. De Jesus, o podemos afirmar com tranquilidade.
Nesta nossa tão limitada vida terrena, podemos crer neste Deus único, mas nunca abraçá-lo plenamente. Nossas ideias de Deus sempre serão limitadas e seguramente amplamente falsas. Ele é muito próximo de nós, mas achamos difícil aceitá-lo como Ele é. Somos desajeitados, incapazes de entender completamente a magnitude de Deus. Nós sempre tentamos o encolher à nossa medida.
Mas nós somos obra das suas mãos. E Ele mesmo está nos capacitando para que seja possível nos encontrarmos cada vez mais de verdade com Ele. Deus gosta de se fazer conhecido, adaptando-se à nossa realidade. Para isso, sua pedagogia é maravilhosa. Ele vai se entregando a nós pouco a pouco, a todos nós, através de nossas próprias experiências de dor e esperança.
Essas experiências progressivas ocorreram de maneira especial no povo da Bíblia. Mas também em outras cidades, e de alguma forma, em cada pessoa.
Os seres humanos se desenvolvem a partir de experiências. Deus entra nessas experiências para nos fazer sentir a presença dele, que nós captamos confusamente.
Entender claramente quem é Deus e quais são seus projetos é tarefa de toda a história da humanidade, de cada comunidade e de cada pessoa. Todas as religiões buscam a Deus. Elas o encontram até certo ponto. E cada religião quer acaparar seu Deus como monopólio.
Por que Deus não se dá claramente a todos de uma maneira inconfundível? Porque não pode. Cem litros de água não podem ser armazenados em uma garrafa. Nós somos seres em crescimento, de várias maneiras. E o mais importante é a capacidade de compreender e aceitar Deus.
O caminho é longo. Os humanos pensaram a princípio que os deuses eram onipotentes, para que pudessem fazer o que quisessem, até o que parece impossível... Eles poderiam punir como quisessem. Senhores absolutos que, ao seu capricho, poderiam nos ajudarem, nos abandonar ou nos irritar. Foi assim que seus donos temporários se comportaram, eles tinham que ser duros e saber como punir, porque, caso contrário, ninguém os ouviria. Todos nós herdamos algumas dessas crenças.
Em Israel, Deus forma um povo que o aceita como único. Mas é difícil para convencê-lo de que ele é sempre bom, superando os estágios das divindades caprichosas e punitivas. Nós, humanos, achamos difícil acreditar que Deus é sempre bom. Mas ele sempre continua, aproveitando todas as ocasiões para nos mostrar seu rosto bondoso.
O Antigo Testamento mostra que Deus castiga de vez em quando aquele povo "de cabeça dura". Mas também mostra que, após cada punição, Deus é misericordioso com eles. Ele é muito mais misericordioso do que punitivo. Um esforço maravilhoso de Deus aparece para convencer seu povo de que ele não é como os opressores deles. Ele não guarda rancor, é bom, sempre.
Após a libertação da escravidão no Egito, afirma-se que “Deus é compassivo e misericordioso, paciente, misericordioso e fiel, que preserva a misericórdia até a milésima geração, que perdoa culpa, crime e pecado, embora não deixe impune e castiga a culpa dos pais nos filhos, netos e bisnetos” (Êx 34.6-7). É verdade que Deus não tolera o mal. Mas sua capacidade de perdoar é infinitamente superior à de corrigir.
"Assim como um pai cuida de seus filhos, o Senhor cuida de seus fiéis" (Sl 103,14). Israel teve dificuldade em assimilar essa crença em Deus. Tão profundamente enraizadas eram as crenças dos castigos dos imperadores de plantão que os medos e desconfianças de seu Deus reapareciam diante de cada problema. Também nós, temos um medo tão profundo que freqüentemente insistimos no assunto de punições divinas. Achamos difícil acreditar que “Deus é bom para todos, que ama a todas as Suas criaturas”(Salmo 145.9).
Anos atrás, escrevi um livrinho, amplamente divulgado, que intitulei “Deus é bom. O amor de Deus visto do Antigo Testamento". Nele, descrevo os esforços de Deus para mostrar ao seu povo que ele é sempre inteiramente bom. Você pode encontrá-lo facilmente na Internet. Eu recomendo. Você encontrará conforto nessas seleções bíblicas.
Nesses ambientes cruéis, Deus aparece como libertador, consolador, solidário... Existem salmos de maravilhosa ternura. E profetas que exalam esperança.
No ambiente hostil do exílio na Babilônia, eles são encorajados: “Eu, Javé, seu Deus, tomo você pela mão e digo: não tema, venho ajudá-lo. Não tema, a raça de Jacó, mais desamparada que um verme. Venho em seu auxílio, diz o Senhor, o Santo de Israel vos libertará”(Is 41,13). "Porque você vale muito aos meus olhos, eu te aprecio e amo muito" (Is 43.4).
"Sião disse: O Senhor me abandonou e o Senhor se esqueceu de mim. Mas uma mulher pode esquecer a criança que está criando ou parar de amar a criança desde o ventre? Bem, mesmo que alguns se esquecessem, eu nunca te esqueceria! Veja como eu te gravei na palma das minhas mãos” (Is 49,14-16).
Encontramos o mesmo tom em muitos textos no Antigo Testamento. Existem salmos maravilhosos. E profetas transbordam ternura no meio da dor.
Imagino Deus no meio daquele povo de "coração de pedra" querendo sempre mostrar que Ele busca o melhor para eles. Mas o povo geralmente prefere adorar imagens divinas ditatoriais nas quais confiar para justificar seu desejo de domínio. Deus, no meio de tempestades humanas, se apresenta respeitoso, sempre bom, sem forçar nada. A maioria dos humanos não o aceita dessa maneira. Preferimos deuses durões para que também possamos ser durões.
A paciência amorosa de Deus em se tornar conhecido pela humanidade é admirável, então e agora.
Eu escrevi, em 1973, "Deus é bom" porque descobri a bondade divina de um povo altamente marginalizado e explorado: os fabricantes de machados do fundo do Chaco argentino. Esses homens eram escravos de seus empregadores, os obrageiros, que os pagavam em vales. Com mecanismos fraudulentos de dívida, eles os constituíam em situação de devedores permanentes. Seu trabalho muito duro era cortar quebradoiros na selva do Chaco para as fábricas de taninos. Foi difícil, mas conseguimos fundar oficialmente um sindicato dos fabricantes de machados, o que lhes trouxe uma nova vida. Claro, no final eu tive que sair correndo. Mas aqueles homens e mulheres, tão curtidos pelo sol e pela fome, me ensinaram a descobrir a presença do bom Deus em suas vidas e lutas. As reflexões bíblicas do Antigo Testamento ajudaram maravilhosamente durante todo o processo.
O Antigo Testamento é o caminho para chegar gradualmente a Jesus. Pode ser que ele não seja realmente alcançado se a gente não passar por esse longo caminho de discernir, junto com o povo, em que Deus nós acreditamos. Todos nós somos atingidos pelos vírus aéreos da idolatria. Quanto mais alto, pior. Nós nos inventamos incessantemente deusezinhos de bolso, que descriminalizam nosso egoísmo e irresponsabilidade, justificam nossa acumulação e aumentam nosso orgulho. E ainda mais paganicamente, que eles santificam essa sociedade altamente corrupta.
Precisamos urgentemente aceitar Jesus verdadeiramente, a chave da fé no único Deus, o da bondade libertadora.
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O bom Deus do Antigo Testamento. Artigo de José Luis Caravias - Instituto Humanitas Unisinos - IHU