08 Março 2019
Façam suas apostas. De um lado do ringue, Slavoj Zizek, 69 anos, cientista social esloveno queridinho da esquerda, e influenciado por Hegel, Marx e Lacan. Acredita que o capitalismo está chegando ao seu limite, e que alguma forma de comunismo deverá surgir como alternativa. Do outro, Jordan Peterson, 56 anos, psicólogo canadense que ganhou a admiração da alt-right (nova direita radical com forte penetração online) por suas críticas ao politicamente correto e ao identitarismo. Acusa os militantes LGBT de totalitarismo e acredita que se alimentar apenas de carne é saudável.
A reportagem é de Bolívar Torres, publicada pelo jornal O Globo, 02-03-2019.
Com apelo pop, faro para o marketing pessoal e orientações ideológicas opostas, os dois intelectuais mobilizam a internet em fileiras distintas das guerras culturais. O choque era aguardado há tempos. Quando Peterson anunciou que ele e Zizek iriam finalmente debater em público, seus seguidores nas redes sociais foram à loucura. Os temas da conversa deverão ser felicidade, marxismo e capitalismo .
O evento já tem local e data marcados (9 de abril, em Toronto, Canadá) e está sendo tratado por muitos como o debate do século . Isso porque, nos últimos meses, os dois homens não paravam de se bicar. Zizek zombou das analogias “pseudo-científicas” de Peterson (“Ele não consegue falar sobre mulheres ou casamento sem mencionar lagostas, chimpanzés ou qualquer coisa desse tipo”, disse) e ainda duvidou dos seus dados e estatísticas. O canadense respondeu que ainda estava lendo alguns dos livros de seu detrator para “entender melhor o que ele pensa”.
Na tuitosfera, os usuários discutem apaixonadamente qual deles sairá vencedor. Também fazem paralelos com outros confrontos históricos do passado, como Niels Bohr vs. Albert Einstein (1921), James Baldwin vs. William F. Buckley (1965) e Michel Foucault vs. Chomsky (1971). Vídeos com trechos dos dois últimos debates sempre circulam na internet — e tudo indica que o mesmo acontecerá com Zizek-Peterson daqui para a frente. “Isso é UFC para nerds”, comentou um usuário do fórum online Reddit. Já o “ICYMI”, um canal do YouTube que produz conteúdo para millennials, fez uma divertida montagem que coloca os debatedores como lutadores do videogame “Mortal Kombat”.
Há quem se surpreenda com intelectuais causando tamanho frisson nos dias de hoje. Não é o caso do filósofo Eduardo Wolf, curador-assistente da série de conferências Fronteiras do Pensamento. Ele acredita que a internet ressuscitou o interesse por certos pensadores mais generalistas e com formação em humanidades e filosofia, que andava diminuído desde os anos 1970. Só que a popularidade em um meio tão global e instantâneo como as redes sociais têm o seu preço.
— Independentemente das formações que cada um pode ter, é o argumento mais superficial que os torna populares — diz Wolf.
Embora não esconda seu desapreço pelo esloveno, Wolf lembra que, tanto Peterson quanto Zizek já tiveram mais substância na carreira. Em 1999, Peterson lançou uma cabeçuda obra de quase 600 páginas que investiga o funcionamento da mente humana e a essência da moralidade. Porém, ficou mesmo conhecido no mundo por causa de um best-seller de autoajuda (“12 regras para a vida”) e de seu canal no YouTube, com quase 2 milhões de inscritos. Já o apelo de Zizek, acredita Wolf, estaria mais na maneira como ele mistura temas da moda (anticapitalismo e análise da cultura pop) e os entrega de bandeja a um público homogêneo.
— Existe um espaço imenso para a troca de ideias, mas o que prevalece é o que dá clique — diz Wolf, que não espera grandes ideias no debate Zizek-Peterson. — Quando atinge esse tipo de estrelato, o intelectual sabe que não foi pelo seu trabalho aprofundado, e sim pela perfumaria. E a partir daí, o cara não vai mais fazer trabalho aprofundado .
O forte dos dois homens é a comunicação. Ambos sabem falar com um público desgostoso com o mundo atual (especialmente os mais jovens) e impotentes diante do establishment. Zizek se dirige aos que estão cansados com a falta de mudanças na ordem neoliberal. Já Peterson sabe explorar as inseguranças do homem hétero branco diante do multiculturalismo.
A fixação dos internautas por Zizek e Peterson, porém, não se limita apenas às suas ideias. Eles fascinam porque são facilmente transformados em memes — não à toa, são chamados de “intelectuais virais” . O comportamento excêntrico, os trejeitos e até a maneira como arrumam o quarto (pelas fotos, Zizek parece ser o bagunceiro, e Peterson, o organizado) são obsessivamente analisados nas redes.
Para além dos memes, a treta também reflete a polarização política atual. O esloveno é símbolo da ctrl+left (esquerda); o canadense, da alt+right (direita).
— Por um lado, essas guerras são a síntese de antagonismos muito reais ; por outro, a síntese como guerra é uma violenta redução das diferenças mínimas, a dois polos, ou a dois nomes — explica Murilo Corrêa, professor de Filosofia Política da Faculdade de Direito da Universidade Estadual de Ponta Grossa. — Seu efeito pernicioso é subjugar o pensamento social a um código maniqueísta, indexá-lo a um campo identitário-moral, e conter a ação política em uma performance reativa.
O cineasta Josias Teófilo viu bem de perto um dos lados dessa guerra ao dirigir o documentário “O jardim das aflições”. O filme acompanha outro filósofo pop, Olavo de Carvalho. De tão influente na internet, Olavo virou guru da direita brasileira e hoje indica nomes para a equipe do presidente Jair Bolsonaro. Para Teófilo, Peterson convocou debate com Zizek para provar a existência do chamado “marxismo cultural”. Recentemente, Zizek chamou o termo de “armadilha estúpida”.
— Acho muito oportuno esse debate especialmente porque muita gente no Brasil, inclusive da direita, nega a existência do marxismo cultural — diz Teófilo. — O que para mim é como negar que o céu é azul.
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Slavoj Zizek vs Jordan Peterson: o debate do século? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU