Hans Urs von Balthasar e o fim do Vetus Ordo. Artigo de Andrea Grillo

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21 Fevereiro 2019

Se forem escutadas atentamente, à distância de quase 40 anos, as palavras de von Balthasar indicam o único caminho possível para sair de um embaraço cada vez mais paralisante no campo litúrgico entre Vetus Ordo e Novus Ordo.

A opinião é do teólogo italiano Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em Roma, do Instituto Teológico Marchigiano, em Ancona, e do Instituto de Liturgia Pastoral da Abadia de Santa Justina, em Pádua, em artigo publicado por Come Se Non, 15-02-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Em um texto de quase 40 anos atrás, Hans Urs von Balthasar examinava, com grande lucidez, os destinos do Vetus Ordo. Estava claro para ele, já há 40 anos, que aquela “forma” do rito romano havia sido superada pela reforma litúrgica de modo definitivo.

Gostaria de transcrever aqui as páginas fundamentais desse texto, às quais pretendo acrescentar apenas algumas considerações dirigidas à atualidade eclesial. Portanto, reporto acima de tudo o texto retirado de Hans Urs von Balthasar, Piccola guida per i cristiani [Pequeno guia para os cristãos] (Milão: Jaca Book, 1986, edição original de 1980, p. 111-114), do qual destaco em negrito as partes mais significativas:

“Há não muito tempo (...) levanta-se o protesto daqueles grupos que se afastaram à direita, e se levanta parte em franca oposição ao último Concílio em nome da tradição antecedente, parte permanecendo às margens da Igreja e se apoiando onde pode: sobre os evidentes erros dos progressistas, sobre a manutenção das velhas formas de liturgia e de piedade e, não por último, sobre numerosas revelações privadas, sejam elas reconhecidas ou não pela Igreja oficial (como geralmente ocorre). [...]

O balanço entre esses dois extremos – apego obstinado a velhas formas e humildes implorações à vontade do céu – revela uma falta de centralidade e de equilíbrio. Sublinha-se a ecclesia apostolica e sancta, mas o grupelho protestatário quer ser, ao mesmo tempo, a una, e isso é impossível, e a catholica, que, por sua natureza, não pode consistir em uma oposição. O que mais inquieta na situação da Igreja atual é isto: à ala esquerda, embora caótica, mas forte em termos de mídia, contrapõe-se <<à direita uma certa quantidade de formações certamente zelosas, mas mais ou menos introvertidas, quase sectárias, que naturalmente levantam, todas, a pretensão de ser elas o centro, enquanto, de fato, impedem que ganhe corpo um centro que esteja acima delas e represente vivamente a viva tradição.>>

Gera ou dá escândalo, como Guardini sentenciou, quem finge ter razão citando argumentos ‘penúltimos’, isto é, não peremptórios. Tais razões penúltimas são, neste caso, o retumbante abuso do novo Ordo litúrgico por parte de um grande número de eclesiásticos, enquanto a razão última fala, apesar de tudo, pela Igreja do Concílio e contra os tradicionalistas. A Santa Missa precisava urgentemente da renovação, sobretudo daquela participação ativa de todos os fiéis na ação sagrada que, nos primeiros séculos, era algo absolutamente pacífico. No máximo – como reiteraram o Pe. Louis Bouyer e também o cardeal Ratzinger – poderia se tolerar ainda por um tempo determinado a velha missa pré-conciliar (na qual, desde os tempos de Pio V, foram feitas, várias vezes, numerosas e substanciais modificações); pouco a pouco essa missa acabaria se extinguindo organicamente. Além disso, aquilo que os tradicionalistas não levam em consideração é que quase todo o ‘novo’ inserido no missal de Paulo VI deriva das mais antigas tradições litúrgicas, que a sua fortaleza, o Cânone Romano, permaneceu inalterada, que o fato de receber a hóstia nas mãos e em pé era habitual até o século IX, e os Padres da Igreja nos testemunham que os fiéis tocavam devotamente seus olhos e suas orelhas com a hóstia antes de consumi-la. Não devemos esquecer, diz Ratzinger, ‘que impuras não são apenas as nossas mãos, mas também as nossas línguas’ – Tiago diz que a língua é o nosso membro mais pecaminoso (Tg 3, 2-12) – ‘e também o nosso coração (...) O maior risco e, ao mesmo tempo, a máxima expressão da misericordiosa bondade de Deus é que é lícito tocar Deus não apenas com as mãos e a língua, mas também com o coração’ (J. Ratzinger, Eucharistie — Mitte del Kirche. Vier Predigten, Munique: Erich Wewel, 1978, p. 45).

O tradicionalismo se apoia em formas não baseadas em uma teologia e em uma filosofia vivas e que, já por isso, não podem reivindicar uma validade persuasiva hoje. Obviamente, a situação varia de acordo com as regiões; uma coisa é que, em um certo país ambientes inteiros se afastem furiosamente e publiquem seus folhetos, outra é que, em outro país, grupelhos de leigos generosos travem uma batalha com o clero progressista, constituindo grupos de oração intensiva, apoiando casas de exercícios espirituais com um amplo raio de influência, publicando panfletos realmente edificantes. Aqui o espírito genuíno tem uma chance de vencer o Golias de uma letra poderosamente organizada como entidade burocrática. Aqui a chamada ‘direita’ se aproxima daquele centro que é o único do qual pode emanar a desejada renovação conciliar e sobre a qual pode ser edificada uma teologia aberta tanto a uma revelação não diminuída quanto às necessidades da hora: o centro que – acima de direitas e esquerdas, que se tornaram incapazes de diálogo –, sozinho, é capaz de dar nova força também entre os homens à Palavra de Deus.”

A singularidade da abordagem de von Balthasar, que, como fica totalmente evidente, também não pode ser considerado “ideológico” e de modo algum “progressista”, não hesita em formular com grande clareza a necessidade do ato reformador, sobretudo para a Santa Missa.

Ora, está claro que, no momento em que se admite claramente a necessidade da Reforma, o rito anterior, mesmo quando continua subsistindo, só pode sê-lo por caridade, por prudência pastoral, por contingente oportunidade, mas em vista do seu “desaparecimento” e de modo algum de acordo com um paralelismo estrutural, que, nesse caso, se oporia não apenas à tradição, mas, acima de tudo, ao bom senso mais elementar.

Esse me parece ser o ponto sobre o qual von Balthasar enuncia uma verdade antiga e que hoje exige uma rápida aquisição, não só por parte da oficialidade eclesial, mas sobretudo naquela ala de teólogos e pastores que mostram que se tornaram estranhamente indulgentes com essa ideia de que, ao lado do rito reformado, o rito anterior pode “conviver estruturalmente”.

Se a autobiografia ratzingeriana nos leva a pensar que a Reforma devia assumir um caráter acessório, considerando como “intocável” o rito tridentino na versão de 1962 – e podemos constatar o quanto o Summorum pontificum contém em si elementos autobiográficos –, inversamente, a leitura balthasariana sente a necessidade de sublinhar claramente a necessidade insuperável da Reforma, mesmo que possa admitir um regime limitado e provisório de tutela da forma anterior do rito romano, mas que reconhece como “destinada a se extinguir”. Se forem escutadas atentamente, à distância de quase 40 anos, as palavras de von Balthasar indicam o único caminho possível para sair de um embaraço cada vez mais paralisante:

- a retomada da Reforma Litúrgica não pode prosseguir a menos que se trabalhe em um único rito;

- o acesso ao rito anterior, destinado a se extinguir, só pode ocorrer para condições excepcionais, sob a vigilância da autoridade territorial competente;

- a “elaboração” do novo rito, com todas as correções e as promoções necessárias, pode ocorrer em uma “mesa única”: não existe qualquer possibilidade de que duas formas rituais, uma das quais nasceu para emendar e substituir a outra, possam produzir algo além de divisão, dilaceração e discórdia.

Precisamente o perfil “conservador” e, diríamos, orientado “à direita” de von Balthasar está acima de qualquer suspeita. Ele sabia, há 40 anos, que o desenho de “paralelismos rituais estruturais” não era a revanche eclesial do passado contra o futuro, mas sim o delírio sectário sobre um passado já sem futuro.

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