Contradições e desafios de uma eleição que se retroalimenta da polarização. Entrevista especial com Acauam Oliveira

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Por: Patricia Fachin e Ricardo Machado | 09 Outubro 2018

O Brasil experimenta uma eleição em que é a bílis, ou melhor o fígado, o órgão mobilizado para as decisões políticas. Some-se a isso o desejo de ressonância institucional do conservadorismo social. O resultado não pode ser outro. “Em uma eventual (e bastante provável) vitória do Bolsonaro, veremos o triunfo de um candidato de perfil autoritário, claramente incompetente em termos políticos, mas extremamente hábil na manipulação de afetos e desejos, com uma bancada ultraconservadora a lhe dar respaldo e amplo apoio popular”, avalia Acauam Oliveira, em entrevista por e-mail à IHU On-Line.

Não deixa de ser paradoxal, no entanto, que é justamente o PT, partido que aparece como alternativa, quem hidrata a possibilidade de uma candidatura de Bolsonaro, do PSL. “Em certo sentido, o resultado das eleições apresentou o cenário ideal tanto para petistas quanto bolsonaristas. Grande parte da força de Bolsonaro alimenta-se de um antipetismo radical aliado a um sentimento geral de negação da política tradicional, considerada como espaço da corrupção e da bandalheira. Sua candidatura claramente depende do avanço do PT para se sustentar”, descreve.

Quanto ao futuro, Acauam não projeta nada muito progressista. “Acredito não haver grandes motivos para se imaginar que algo diferente do pior dos cenários irá se revelar a partir de agora. Dificilmente o candidato petista leva a fatura, pois vai ter que conquistar muitos mais votos com uma campanha muito mais complicada em termos estratégicos (qual é o limite da identificação de Lula com Haddad?), enquanto Bolsonaro tem apenas de lutar para manter os seus votos, além de herdar a maioria dos candidatos nanicos e dos indecisos antipetistas”, analisa.

Acauam Oliveira | Foto: Obvious

Acauam Oliveira é graduado em Letras, mestre em Teoria Literária e Literatura Comparada e doutor em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo - USP. É professor da Universidade de Pernambuco - UPE, atuando na graduação em Letras e no mestrado profissional em Letras.

Confira a entrevista. 

IHU On-Line - Qual sua avaliação do resultado das eleições deste domingo?

Acauam Oliveira - Pensando exclusivamente em relação às eleições para presidente, o resultado é, de um lado, o mais previsível de todos – pois seus contornos gerais foram se desenhando desde antes do golpe – e o pior dos cenários possíveis para aqueles que acreditam na defesa da democracia e, por isso, torceram para que fossem construídas alternativas fora da polarização petismo\antipetismo.

Em uma eventual (e bastante provável) vitória do Bolsonaro, veremos o triunfo de um candidato de perfil autoritário, claramente incompetente em termos políticos, mas extremamente hábil na manipulação de afetos e desejos, com uma bancada ultraconservadora a lhe dar respaldo e amplo apoio popular. Alia-se a isso uma crise econômica gravíssima que não dá sinais de retroceder, e para a qual o guru Paulo Guedes apresenta ideias esdrúxulas que têm tudo para dar errado. O resultado só pode ser desastroso, que faz temer pela nossa já frágil democracia. Em suma, nosso pior pesadelo parece estar cada dia mais próximo.

Muitos analistas têm apontado que a figura de Bolsonaro não representa um autoritarismo político no estilo clássico, com riscos de intervenção militar e fechamento do congresso – embora eu não descarte essa possibilidade – mas antes um modelo de neoliberalismo sem freios éticos, que concentra seus ataques no campo da moral e dos costumes enquanto favorece os poderosos de sempre. Ou seja, a adoção de um modelo “democrático” não liberal, ao estilo chinês, sem os freios éticos do liberalismo clássico e com forte ênfase na exploração absoluta sem lastros sociais.

Por outro lado, em caso de vitória de Haddad, o clima de instabilidade política deve atingir índices não menos alarmantes. Ao que tudo indica, os bolsominions não pretendem aceitar tranquilamente o resultado democrático das urnas. Notícias sobre fraudes em urnas eletrônicas vêm circulando incessantemente por correntes de WhatsApp, e o próprio Bolsonaro já declarou que não irá aceitar nenhum resultado que não seja a vitória. Enfrentando o peso do antipetismo e das crises internas do partido, um congresso ainda mais conservador que o de Dilma e uma das piores recessões da história recente do país, as chances de agravamento de uma crise institucional são enormes. De um jeito ou de outro, os próximos anos serão desoladores.

IHU On-Line - O que explica o resultado das eleições e qual é o seu significado político?

Acauam Oliveira - Em certo sentido, o resultado das eleições apresentou o cenário ideal tanto para petistas quanto bolsonaristas. Grande parte da força de Bolsonaro alimenta-se de um antipetismo radical aliado a um sentimento geral de negação da política tradicional, considerada como espaço da corrupção e da bandalheira. Sua candidatura claramente depende do avanço do PT para se sustentar.

O mesmo se passa com o PT, cujas maiores chances de vitórias se dão obviamente contra uma candidatura cujo índice de rejeição seja superior ao do próprio partido, sendo Jair Bolsonaro o único que preenche esse requisito. O cálculo obviamente arremessa o país para um clima de assustadora instabilidade, mas é praticamente a única esperança petista, que pode contar novamente com a lógica do “nós contra eles” e arregimentar grupos de eleitores que já haviam desistido de apoiar o partido. Bom para o partido, ruim para a estabilidade política e social do país.

PT é ainda a maior força de centro-esquerda do país, e sua participação nessas eleições seria inescapável para a esquerda, mas o ônus do antipetismo certamente poderia ser minimizado com uma candidatura de terceira via, como a que se propôs Ciro Gomes. O candidato do PSL, entretanto, fracassou em todas as suas estratégias: compor com o PT (que basicamente só aceita “puxadinhos”), formar uma frente de esquerda como alternativa ao lulopetismo (mas não conseguiu o apoio do PSB) e articular com o “centrão”, que preferiu Geraldo Alckmin e agora, ao que tudo indica, Bolsonaro. Ainda assim, não acredito que se possa falar em fracasso na candidatura de Ciro (ao contrário de Marina Silva, que desapareceu por completo ao longo da campanha, ficando atrás inclusive de cabo Daciolo), mostrando que o campo progressista é capaz de construir alternativas fora do eixo de influência direta do PT, o que a meu ver é a principal tarefa da esquerda hoje.

O sucesso de Jair Bolsonaro, por sua vez, bem como a mudança radical na configuração do congresso nacional, demonstra que o povo está em busca de uma candidatura antissistêmica. E, nesse ponto, como disse Vladimir Safatle, a esquerda brasileira fracassou enormemente (diga-se de passagem, o PSOL é um exemplo bem acabado desse fracasso, abdicando de construir uma alternativa antissistêmica e fazendo de Guilherme Boulos uma espécie de cabo eleitoral do PT). Não que Bolsonaro represente uma alternativa de fato: afinal, nada mais velho em política do que permanecer por quase trinta anos no poder empregando todos os filhos e aprovando apenas dois projetos, sem realizar nada de relevante por seu estado. Contudo, a campanha bolsonarista foi amplamente eficaz em transformar sua incompetência em ganho político (ele não aprovou nenhum projeto não por ser incompetente, mas porque a esquerda o perseguia).

Outro elemento responsável pelo sucesso de sua candidatura é a sua capacidade de forjar um tipo de discurso feito sob medida para apavorar o campo progressistaRacismomachismoelogios à ditadura são mobilizados mais pelo efeito que causam do que pelos conteúdos. É por isso que considero insuficientes tanto as análises que apontam para os gérmens fascistas presentes em sua candidatura (por não explicitar alguns aspectos locais decisivos em sua configuração) quanto as que focam exclusivamente em nossa violenta tradição antiliberal, de matriz colonial. Afinal, se é certo que o país é extremamente violento em todos os níveis, desde a sua colonização, isso não explica certa mudança fundamental mais recente no padrão de relacionamento com esses impulsos violentos, assumidos de forma explícita na candidatura de Bolsonaro. Por que assumir um discurso de ódio tão direto e pouco mediado se a violência sempre pode ser cometida sem maiores consequências? Por que não continuar cometendo os mesmos crimes enquanto se finge que nada aconteceu, como é o padrão da violência brasileira? Se é possível assassinar negros impunemente enquanto se afirma que o racismo não existe, por que mudar o tom para um muito mais comprometedor “sou racista sim, e daí”?

Particularmente, não acredito que o país tenha se tornado mais violento para com as minorias – os índices de violência e assassinato contra mulheresnegros e LGBTS não pararam de avançar com os governos petistas – e que por isso os discursos se tornaram mais raivosos (o que não significa que esse aumento de violência simbólica não se converta em um acréscimo real de barbárie). Ao contrário, acredito que o movimento de assumir a barbárie como um dado positivo faça parte de um sentimento de insatisfação global com governos que usam discursos progressistas enquanto adotam medidas amplamente impopulares para salvar bancos e beneficiar as elites. Ou seja, o que se ampliou foi a percepção de que os discursos politicamente corretos de proteção social são formas de marcar uma posição de superioridade ética da esquerda que funcionam como um mecanismo de blindagem contra críticas, na medida em que atacar a esquerda é também atacar as minorias que ela “beneficia” e “protege”. Quando as classes populares deixam de se reconhecer no discurso que é mobilizado em seu nome, o “nós contra eles” petista passa a girar no vazio, e a revolta contra a impostura torna-se um movimento natural. Daí que os discursos em defesa das minorias passem a ser considerados como estratégia de manipulação dos grupos hegemônicos, e tratados como mais um inimigo a se combater. Ser politicamente incorreto se torna sinal de rebeldia antissistêmica, ainda que não exista nada mais pró-sistema do que agredir minorias.

Em suma, a única resposta que a esquerda ofereceu aos eleitores que ansiavam por opções antissistemas foi... Lula. Acostumada\colada\barrada pelo governismo, a esquerda mostrou-se incapaz de apresentar alternativas reais. Muito pelo contrário, o PT criminalizou as manifestações de Junho, culminando na lei antiterrorismo da Dilma, e a esquerda adquiriu uma curiosa fobia às ruas ao perceber que não estava só e que havia perdido sua capacidade de liderança, refugiando-se cada vez mais no interior dos jogos políticos desvinculados das bases sociais. Desde então, as principais movimentações políticas do país têm sido vencidas pela direita: o golpe\impeachment, a greve dos caminhoneiros, a prisão de Lula, e o risco de eleição de um dos maiores aventureiros oportunistas e autoritários que já se candidataram a presidência do país.

Se existe algum consolo possível para o interior desse conjunto espetacular de derrotas, digamos que seja algo puramente reativo e rancoroso: a direita, com a faca e o queijo na mão, só consegue apresentar opções profundamente equivocadas, incapaz de oferecer um projeto minimamente decente de país – talvez porque nunca tenha sido este o seu desejo. Tomar o sistema de assalto para então apresentar Michel Temer e Jair Bolsonaro é de um grau de incompetência impressionante. Ou então, seu horizonte de pensamento, pretensamente “esclarecido”, mas no fundo apenas mesquinho, seja mesmo a barbárie.

IHU On-Line - Como deve se dar a disputa eleitoral no segundo turno?

Acauam Oliveira - Acredito não haver grandes motivos para se imaginar que algo diferente do pior dos cenários irá se revelar a partir de agora. Dificilmente o candidato petista leva a fatura, pois vai ter que conquistar muitos mais votos com uma campanha muito mais complicada em termos estratégicos (qual é o limite da identificação de Lula com Haddad?), enquanto Bolsonaro tem apenas de lutar para manter os seus votos, além de herdar a maioria dos candidatos nanicos e dos indecisos antipetistas. É claro, o segundo turno são novas eleições e entramos em uma nova fase, com Bolsonaro tendo de se expor mais na televisão, em confrontos mais diretos etc. Nem sempre eventos imponderáveis irão livrar o candidato da exposição, e este é sem dúvidas um dos pontos frágeis de sua equipe – tanto Mourão quanto Paulo Guedes foram cobrados por Bolsonaro a serem mais moderados em suas colocações. Note-se bem o que acabei de escrever: Jair Bolsonaro pediu moderação a sua equipe. Por aí se percebe os riscos que corremos caso essa candidatura venha a comprovar sua vitória.

Entretanto, o ônus do antipetismo pesará muito sobre Haddad, e a campanha do candidato do PSL tem se mostrado muito eficiente em termos estratégicos, concentrando-se nos alvos certos. É preciso ter sempre em mente que Bolsonaro conseguiu vencer peixes muito grandes como outsider até se apresentar como uma alternativa viável para setores mais amplos do poder (parte da grande mídia, setores políticos tradicionais que não o apoiaram etc.) que agora se mostram mais diretamente interessados em sua candidatura. Em particular, alguns setores liberais que tendem a se apresentar enquanto alternativa esclarecida antibarbárie, mas que não perdem a oportunidade de adotar posturas autoritárias.

Será também uma guerra de narrativas, das mais sujas possíveis. O campo petista, fortalecido após o resultado favorável, deverá seguir se apresentando enquanto bastião da democracia e das minorias contra o fascismo. Ladainha bem manjada, mas que adquiriu um lastro bastante real com o risco Bolsonaro. O lado bolsonarista, por sua vez, deve continuar o jogo sujo que domina bem, armado de fake news e fazendo das redes sociais o seu principal front de batalha. Aliás, o ataque a instituições tradicionais de estabelecimento do debate público (como escolas, universidades e a chamada grande mídia), que inicialmente parecia uma espécie de retorno a um moralismo caricato digno de zombaria, revelou ser uma bem elaborada estratégia de batalha. O apelo a valores “arcaicos”, aparentemente ultrapassados pelo liberalismo esclarecido de esquerda, mostraram ser o caminho ideal para capturar a hegemonia no interior das mais modernas tecnologias de comunicação (que iriam se mostrar decisivas no processo eleitoral), aproveitando-se do hiato entre os valores liberais – restritos aos setores esclarecidos – e a maioria da população com acesso cada vez maior às redes sociais.

Nesse ponto a extrema direita, aproveitando-se das lições conservadoras da direita norte-americana e europeia, deu um verdadeiro baile na esquerda progressista. Esta, julgando-se mais avançada em termos de costumes, avaliava como retrocesso passadista e caricato o que na verdade era resultado de um diagnóstico bem fincado no presente, e que parte da percepção de que 1) os valores liberais progressistas não foram incorporados à sociedade, haja vista que o Brasil ainda é dos países com maiores índices de violência contra negrosmulheresLGBTs etc., e 2) a democratização do acesso às redes sociais estabelece um canal de comunicação direta com a imensa maioria da população que possui valores conservadores. O que parecia “regressivo” e atrasado de uma perspectiva progressista, portanto, era na verdade a forma que a direita encontrou para estar um passo à frente na disputa pela hegemonia. O resultado, curioso a seu modo, é uma esquerda defensora de instituições tradicionais em nome de valores progressistas, e uma direita conservadora perfeitamente alinhada à linguagem moderníssima das redes sociais.

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