Por: Patricia Fachin | 14 Junho 2018
O “terremoto” de Junho de 2013 não foi capaz de propiciar mudanças substanciais na sociedade brasileira. “A sociedade ficou igual, o governo e o legislativo não providenciaram mudanças, e tudo isso terminou no impeachment, como uma derivação natural, uma falta de reação a um grande sinal de que algo precisava mudar”, avalia o sociólogo Luiz Werneck Vianna na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line, ao fazer um balanço das manifestações que ocorreram cinco anos atrás.
Apesar de as jornadas de 2013 terem expressado o desejo por uma mudança na política, com o slogan “Vocês aí em cima não nos representam; queremos uma outra política”, a mensagem não foi compreendida à direita e à esquerda, ao contrário, as manifestações assustaram os governantes, que sufocaram as possibilidades de oxigenação da política. Essa reação, adverte, “levou a um distanciamento ainda maior entre partidos e a sociedade, e a uma indiferença, sobretudo da juventude, em relação à política”, porque “não se aproveitou aquele movimento que vinha de baixo, com tanta intensidade, para renovar o sistema político, para oxigená-lo. Abafou-se a força daquele movimento e o resultado disso foi o enfraquecimento da política, dos partidos e do fenômeno político enquanto tal”, resume.
A principal consequência de Junho de 2013, na avaliação do sociólogo, foi uma mudança de rota política, com o fim do governo Dilma e a introdução de uma nova lógica na condução da política econômica, “uma política econômica para a qual não estávamos preparados”. “Isso significa uma ruptura, um afastamento e uma distância muito grande com a política centrada no Estado, com a qual vivemos desde 1930. Nós estamos vivendo agora uma nova configuração do Estado-Sociedade sem que a sociedade tenha pensado nisso, esteja querendo isso. Aliás, há candidatos que preconizam a volta do status quo anterior, quer dizer, a volta à experiência do governo de Dilma Rousseff, que foi uma experiência desastrosa para o país, com desemprego e inflação altíssimos”, menciona.
Cinco anos após as manifestações, Werneck pontua que o país vive “um momento de possibilidade efetiva de os sindicatos lutarem por mais igualdade entre capital e trabalho e por mais igualdade na vida social. Essa é a mudança mais importante que temos à nossa frente para realizar. Ela depende de os setores subalternos começarem a se auto-organizar e a lutar por seus direitos no sentido de diminuir o padrão de desigualdade da sociedade brasileira. Isso leva ao conflito, leva à luta. É para essa luta que temos que nos preparar. O Estado não vai trabalhar – e nem tem como – para que a igualdade social ou políticas de igualdade social se estabeleçam. Isso tem que ser feito pelos próprios interessados: os trabalhadores. É essa pequena reflexão que temos que fazer quando pensamos nas possibilidades que estão abertas para a democracia brasileira”, conclui.
Werneck Vianna, em 2013, no IHU | Foto: Acervo IHU
Luiz Werneck Vianna é professor-pesquisador na Pontifícia Universidade Católica - PUC-Rio. Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo - USP, é autor de, entre outras obras, A revolução passiva: iberismo e americanismo no Brasil (Rio de Janeiro: Revan, 1997), A judicialização da política e das relações sociais no Brasil (Rio de Janeiro: Revan, 1999) e Democracia e os três poderes no Brasil (Belo Horizonte: UFMG, 2002). Sobre seu pensamento, leia a obra Uma sociologia indignada. Diálogos com Luiz Werneck Vianna, organizada por Rubem Barboza Filho e Fernando Perlatto (Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2012). Werneck acaba de lançar seu mais novo livro, Diálogos gramscianos sobre o Brasil atual (Brasília: Fundação Astrojildo Perreira, 2018).
Confira a entrevista.
IHU On-Line — Que balanço faz de Junho de 2013, cinco anos depois?
Luiz Werneck Vianna — As sociedades democráticas, quando conhecem pequenos abalos, têm mecanismos de sintonia com eles e mudam, procuram identificar a fonte desses abalos e mudam. Quando uma sociedade não é tão democrática assim, nem um terremoto como aquele foi capaz de propiciar mudanças: a sociedade ficou igual, o governo e o legislativo não providenciaram mudanças e tudo isso terminou no impeachment, como uma derivação natural, uma falta de reação a um grande sinal de que algo precisava mudar. E como esse sinal grande não foi registrado, metabolizado e assimilado, entramos numa descendente que terminou no impeachment, que é sempre um processo doloroso, que deixa marcas, as quais estamos experimentando agora.
IHU On-Line — Nada mudou desde Junho de 2013 para cá, ou houve mudanças em decorrência do impeachment?
Luiz Werneck Vianna — As jornadas de Junho foram uma sinalização forte, mas nada se fez para mudar o curso dos acontecimentos que estavam sendo desenhados nessas mesmas jornadas de 2013. As manifestações levaram a uma mudança, mas não a uma mudança controlada, e sim a uma mudança que acabou sendo precedida pelas instituições democráticas para o impeachment, que faz parte da nossa Constituição.
O impeachment introduziu outra lógica: nós nos desprendemos da política anterior, que deu sinal de exaustão, e foi isso que 2013 quis dizer — “não nos representam”. Junho de 2013 deu as costas ao sistema e aos partidos políticos, deu as costas à política econômica que o governo Dilma praticava e abriu-se a possibilidade de outra política econômica, uma política econômica para a qual não estávamos preparados. Isso significa uma ruptura, um afastamento e uma distância muito grande com a política centrada no Estado, com a qual vivemos desde 1930. Nós estamos vivendo agora uma nova configuração do Estado-Sociedade sem que a sociedade tenha pensado nisso, esteja querendo isso. Aliás, há candidatos que preconizam a volta do status quo anterior, quer dizer, a volta à experiência do governo de Dilma Rousseff, que foi uma experiência desastrosa para o país, com desemprego e inflação altíssimos.
IHU On-Line — Além dessas mudanças políticas que menciona, Junho gerou consequências sociais ao longo desses cinco anos?
Luiz Werneck Vianna — É difícil de qualificar. Mas Junho de 2013 levou a um distanciamento ainda maior entre partidos e a sociedade, e a uma indiferença, sobretudo da juventude, em relação à política. Não se aproveitou aquele movimento que vinha de baixo, com tanta intensidade, para renovar o sistema político, para oxigená-lo. Abafou-se a força daquele movimento e o resultado disso foi o enfraquecimento da política, dos partidos e do fenômeno político enquanto tal.
IHU On-Line — Como avalia a greve dos caminhoneiros que aconteceu no final do mês passado?
Luiz Werneck Vianna — É um acontecimento que deve ser levado a um passivo desse desmonte dos partidos, dos sindicatos — os sindicatos não estiveram presentes com tanta força nessa movimentação dos caminhoneiros. Por toda parte assistimos a um processo de desinstitucionalização e isso enfraquece a democracia e a vida política, e torna a vida social imprevisível, sujeita a chuvas e trovoadas, flutuando de lá para cá sem nenhum sistema de orientação visível. Qual é o regimento dessa greve dos caminheiros para a democracia brasileira? Zero, negativo. Para os sindicatos? Zero, negativo.
IHU On-Line — Mas por que ela recebeu apoio de grande parte da população?
Luiz Werneck Vianna — Porque tudo que seja contra a política e contra esse governo está com apoio da população. A mídia tem tido um papel muito negativo em todos esses processos: perde a complexidade dele, trabalha de modo positivo-negativo, parte do suposto de que está tudo errado; tudo errado não está. Muitas das medidas que foram assumidas pelo governo que sucedeu ao de Dilma são ajuizadas e estão sendo bem-sucedidas.
IHU On-Line — Quais, por exemplo?
Luiz Werneck Vianna — A política econômica, por exemplo. Existem medidas de natureza democrática, como a reforma da Previdência ante as desigualdades brasileiras que perpetuam. Qual é a previdência de um magistrado e qual é a previdência de um operário? É uma diferença abissal. O sistema previdenciário mantém as desigualdades sociais. O nosso inimigo real agora, aliás, há muito tempo, são as desigualdades sociais, elas é que impedem um bom andamento da democracia brasileira. E os setores altos da população, que dominam as rédeas do Estado, têm sido capazes de defender, com suas fortíssimas corporações, todos os seus interesses, enquanto o sindicalismo dos setores subalternos perdeu força. Inclusive porque, quando dos governos do PT, eles foram trazidos para dentro do Estado, controlados pelo Estado e perderam autonomia.
Tenho a impressão de que agora estamos iniciando um caminho de volta, de autonomia da vida sindical, que é fundamental para lutar contra as desigualdades sociais. Sindicatos livres, autônomos, fortes e aguerridos que sejam capazes de forçar, como já ocorreu nas grandes democracias, um processo de igualação social mais efetivo. A social-democracia nasceu assim na Europa.
Os anos 30 nos trouxeram a legislação social e com ela direitos sociais do mundo do trabalho, mas não para todos; o mundo do campo ficou fora. Isso foi feito com uma condição que veio a ter uma importância fundamental: a de que os sindicatos que ganharam direitos foram mantidos sob uma tutela estatal que não concedeu autonomia aos sindicatos e, consequentemente, livre movimentação para lutar por melhores salários. A política salarial de lá até recentemente, passando pelo regime militar, pelo governo Juscelino Kubitschek e por períodos democráticos, foi a de restrição de movimentação dos trabalhadores, inclusive em certos momentos, negando até o direito de greve. Isso fez com que os direitos fossem concedidos e mantidos a um mínimo sem que a luta sindical pudesse ampliá-los.
Nós vivemos um momento de possibilidade efetiva de os sindicatos lutarem por mais igualdade entre capital e trabalho e por mais igualdade na vida social. Essa é a mudança mais importante que temos à nossa frente para realizar. Ela depende, a meu ver, de os setores subalternos começarem a se auto-organizar e a lutar por seus direitos no sentido de diminuir o padrão de desigualdade da sociedade brasileira. Isso leva ao conflito, leva à luta. É para essa luta que temos que nos preparar. O Estado não vai trabalhar – e nem tem como – para que a igualdade social ou políticas de igualdade social se estabeleçam. Isso tem que ser feito pelos próprios interessados: os trabalhadores. É essa pequena reflexão que temos que fazer quando pensamos nas possibilidades que estão abertas para a democracia brasileira.
IHU On-Line – Mas o enfrentamento das desigualdades depende dos sindicatos nos dias de hoje? Na atual configuração do mundo do trabalho, os trabalhadores ainda têm interesse em sindicatos?
Luiz Werneck Vianna – O sindicalismo está fraco e ele se enfraqueceu por essa política que veio dos anos 30, mas essa política tem que ser interrompida. Ao meu ver o que a esquerda tem que fazer é dar todo o poder aos sindicatos, para ficar numa fórmula fácil. É preciso reforçar a vida sindical e a vida associativa em geral e isso foi anunciado de maneira meio torta pelo movimento de Junho de 2013, só que isso não encontrou respostas e terminamos com a política da presidente Dilma, que acabou sendo interrompida porque levou a um desastre político, econômico e social.
IHU On-Line – Por que neste ano de eleições não estão surgindo grandes manifestações como aquelas de Junho de 2013?
Luiz Werneck Vianna – Não estão, o que não quer dizer que não haja possibilidade para que a nossa crise seja melhorada, para que encontremos alternativas para ela. Estamos procurando, meio em cima da hora, saídas que não sejam nem uma volta à política anacrônica anterior, nem a interrupção da vida política e social brasileira pela direita. O sinal positivo que ainda não deu seus frutos foi o Manifesto "Por um polo democrático e reformista", lançado pelo senador Cristovam Buarque e pelo deputado federal de Minas Gerais, Marcus Pestana. Ainda tem tempo de isso fertilizar o solo árido em que nos encontramos.
IHU On-Line – Como, na sua avaliação, partidos, movimentos e políticos à direita e à esquerda compreenderam e tentaram oferecer respostas à insatisfação política que emergiu em Junho de 2013?
Luiz Werneck Vianna – A direita reagiu de forma absolutamente negativa, invocava repressão e tudo mais. A esquerda institucionalizada — o PT — viveu 2013, reagiu contra 2013, se sentiu ameaçada por 2013. A esquerda não entendeu que era necessário instituir mudanças que abrissem o sistema político para os de baixo. Eles estavam dizendo claramente: “Vocês aí em cima não nos representam; queremos uma outra política”. Eles não disseram: “Não queremos política”. Os jovens de 2013 disseram: “Queremos outra política, uma política que nasça de baixo, que admita mais participação na elaboração das políticas públicas”. Para mim foi isso que 2013 quis dizer.
Eu era estudante, ainda secundarista, quando uma greve contra o aumento da passagem dos bondes afetou a capital federal onde à época era a sede do governo da República. O que Juscelino [Kubitscheck] fez? Chamou a liderança do movimento estudantil: o presidente da União Nacional dos Estudantes - UNE foi chamado ao Palácio, foi negociado com ele e o movimento acabou. Com a tempestade que ocorreu em 2013, não se mexeu um dedo para se procurar uma alternativa; é diferente. O PT se achava o senhor, o titular dos movimentos sociais e foi ameaçado por esse movimento espontâneo da juventude e não soube responder. Procure a presença do PT em 2013. Não encontraremos. É isto: ele não se aproveitou de um movimento de regeneração e de democratização da vida social, se fechou em copas e continuou a ser exatamente o que era. E era exatamente isso que a sociedade estava dizendo: mude, e ele não mudou. Na esteira disso, o que tivemos? Um segundo governo Dilma, que foi ruim, e o impeachment.
Agora é hora de um novo começo, mas esse novo começo tem que começar pela reflexão. Nesse sentido, o tema da entrevista é muito relevante porque nos faz refletir, e não há saída para nós sem a reflexão.
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O terremoto de Junho de 2013 foi sufocado e não oxigenou a política brasileira. Entrevista especial com Luiz Werneck Vianna - Instituto Humanitas Unisinos - IHU