A explicação da fome em uma sociedade capitalista globalizada

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09 Fevereiro 2018

“As transnacionais, sujeitos principais da acumulação capitalista mundial, não só produzem mercadorias e prestam serviços, mediante a exploração da força de trabalho, como também desigualdade, pobreza, desemprego, precariedade, exclusão, destruição da natureza, fome e morte. Por conseguinte, o capitalismo é um sistema criminoso para a maior parte da população mundial”, escreve Jorge Moas Arribi, da Confederação Geral do Trabalho (CGT), Espanha, em artigo publicado por El Salto, 04-02-2018. A tradução é do Cepat.

Eis o artigo.

Enquanto as grandes corporações agroalimentares especulam na bolsa de Chicago com as colheitas futuras de trigo, milho, arroz ou qualquer outra matéria-prima alimentar; produzem etanol a partir do milho, que poderia alimentar uma grande quantidade de pessoas, ou outro agrocombustível; provocam emissões de gases do efeito estufa que contribuem para o aquecimento do planeta e, por conseguinte à mudança climática; vendem armas a países em guerra pelo controle dos recursos e/ou território... etc.; muitos milhões de pessoas são assassinadas, forçadas a emigrar e a padecer fome.

Estas situações não são um desígnio fatal, algo natural, mas consequência desta sociedade em que domina o modo de produção capitalista, onde o capital tem como objetivo conseguir cada vez mais lucros, através da reprodução ampliada. O lucro é o que importa, não os direitos das pessoas, os coletivos e a proteção do meio ambiente.

As transnacionais, sujeitos principais da acumulação capitalista mundial, não só produzem mercadorias e prestam serviços, mediante a exploração da força de trabalho, como também desigualdade, pobreza, desemprego, precariedade, exclusão, destruição da natureza, fome e morte. Por conseguinte, o capitalismo é um sistema criminoso para a maior parte da população mundial.

O capitalismo histórico se expandiu em nível mundial, mas de maneira distinta no centro em relação à periferia. Os países centrais cresceram e se desenvolveram em detrimento daqueles da periferia. A partir do Renascimento e a época colonial, Espanha, Portugal, Inglaterra, Holanda e os demais países europeus colonizadores se enriqueceram pela exploração dos recursos naturais e da força de trabalho das colônias, com a conseguinte acumulação de capital.

Desde o capitalismo mercantilista, os países ricos e pobres são as duas caras da mesma moeda, do mesmo sistema, que tem caráter mundial, devido a seu grande crescimento e expansão. Nunca se produziu tanta riqueza, nem tanta pobreza e desigualdade e, ao mesmo tempo, centenas de milhões de pessoas continuam passando fome.

Esta situação culminou na globalização atual, que se caracteriza principalmente por: uma produção e distribuição em grande escala, a abertura assimétrica das economias regionais, a introdução de novas tecnologias, o protagonismo do capital financeiro e transnacional, cuja ambição especulativa nos levou, desde fins de 2007, a uma grande recessão que sofreram e estão sofrendo principalmente as classes trabalhadoras e populares de todo o mundo.

Desde a publicação do livro de Thomas Piketty, O Capital no século XXI, onde nos explica com dados e através de romances do século XIX as desigualdades econômico-sociais do século XVIII até a atualidade, não pararam de ser publicados livros e estudos sobre este mesmo tema, conforme fizeram Cáritas e OXFAM, constatando-se o aumento da desigualdade em todo o mundo. As rendas do capital seguem crescendo acima das rendas do trabalho.

No último estudo publicado por OXFAM, em janeiro deste ano, e intitulado Premiar o trabalho e não a riqueza, com uma mostra de 70.000 pessoas de 10 países, afirma-se o seguinte: “No ano passado, o número de pessoas cujas fortunas superam o 1 bilhão alcançou seu máximo histórico, com um novo bilionário a cada dois dias. Neste momento, há 2.043 bilionários (em dólares) em todo o mundo, dos quais nove de cada dez são homens. A riqueza destes bilionários também experimentou um enorme crescimento, o suficiente para acabar com a extrema pobreza no mundo até sete vezes. Além disso, 82% do crescimento da riqueza mundial, durante o último ano, foi parar nas mãos do 1% mais rico, ao passo que a dos 50% mais pobres da população mundial não aumentou o mínimo sequer” (p. 8).

Esta distribuição terrivelmente desigual da riqueza global se torna mais patente quando a acumulação da riqueza do 1% da população mundial é maior que a dos 99% restantes e que a riqueza de apenas 42 pessoas é a mesma que a dos 3,7 bilhões dos mais pobres. Dois terços de toda esta riqueza acumulada, segundo OXFAM, provêm de heranças, práticas monopolísticas, nepotismo e clientelismo.

A contradição entre capital e trabalho se explica pela subsunção, a subordinação dos trabalhadores aos capitalistas. Assim, não é de estranhar que a média salarial mundial tenha aumentado, entre 2006 e 2015, 2% e a riqueza dos que mais possuem 13%.

Os ricos continuam acumulando cada vez mais e mais riqueza, também pelos baixos salários, a violação dos direitos trabalhistas e sindicais, as transferências de suas empresas, a evasão e a sonegação fiscal, utilizando os chamados paraísos fiscais em todo o planeta.

Além disso, tentam limpar sua má consciência por meio de suas fundações filantrópicas (graças às quais poupam impostos). Em definitivo, fazem tudo o que é possível para obter cada vez mais lucros à custa da exploração da grande maioria dos trabalhadores e trabalhadoras e, inclusive, do trabalho escravo e infantil, sem esquecer o trabalho de cuidados não remunerado, exercido pelas mulheres, sem o qual o sistema capitalista não funcionaria em absoluto.

Os empresários se aproveitam da desigualdade de gênero para acumular mais lucros, porque as mulheres, que juntamente com os jovens são as que mais sofrem a temporalidade e os trabalhos em tempo parcial, recebem um salário muito menor pela realização do mesmo trabalho que os homens.

Sendo assim, não é de estranhar, dada a situação exposta, que segundo o Relatório sobre a Desigualdade Global, publicado pelo World Inequality Lab, “o 1% mais rico recebeu 27% de todo o aumento dos ingressos gerados entre 1980 e 2016. Ao passo que os 50% mais pobres da população mundial receberam apenas a metade”. (Premiar o trabalho e não a riqueza, OXFAM, janeiro de 2018, pág. 14).

Além disso, no Relatório sobre o Desenvolvimento Humano, publicado em 2014 pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, também são destacados dados arrepiantes sobre a desigualdade e a pobreza no mundo:

- Há mais de 2,2 bilhões de pessoas pobres no mundo;

- Cerca de 80% da população mundial não tem proteção social de nenhum tipo;

- Mais de 1,5 bilhão de pessoas tem empregos na economia informal ou são precárias;

- 75% da população pobre são trabalhadores agrícolas que vivem no meio rural;

- Nos primeiros anos deste século, mais de 200 milhões de pessoas sofreram desastres naturais como secas e inundações, por causa da mudança climática, produzida pelo aumento das temperaturas, consequência da emissão de gases do efeito estufa, principalmente CO2;

No relatório de Desenvolvimento humano de 2016, destaca-se que:

- As mulheres sofrem discriminação em todo o mundo, assim, em mais de 150 países são discriminadas por lei, em 100 países não podem cursar determinadas carreiras só pelo fato de ser mulheres e em 180 países estão sujeitas à aprovação de seus maridos para aderir a um emprego;

- Também sofrem discriminação as lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e intersexuais. Há países que lhes aplicam penas de prisão e, inclusive, os executam;

- Mais de 370 milhões de pessoas indígenas são discriminadas e excluídas no que se refere ao acesso à terra, água, matas, direitos de propriedade intelectual e no receber educação em seu idioma materno.

Todas estas situações, em maior ou menor medida, interagem entre si de forma dialética como caldo de cultivo para explicar o problema da fome no mundo, mas a questão mais direta é o papel das multinacionais do sistema agroalimentar mundial, que controlam a produção, a distribuição e a venda de alimentos, sementes e fertilizantes químicos e fitossanitários em todo o mundo. O que dizem é que querem acabar com a fome no mundo, mas, de fato, os milhões de pessoas famintas não desapareceram, ao contrário, aumentaram, porque a única coisa que querem é obter o quanto mais lucro puderem, sem se importar com as pessoas, os direitos humanos e a destruição do meio ambiente. Se as pessoas padecem e/ou morrem de fome, esse não é seu problema.

Menos de 50 grandes transnacionais controlam a produção de sementes, os demais inputs agrícolas e a produção e distribuição de alimentos no contexto mundial. Formam, pois, um oligopólio alimentar. Só as 12 maiores empresas entre as 50 (Monsanto, Cargill, Nestlé, Kraft Foods, Coca Cola, Pepsi Cola, Bunge, Unilever, Tyson Foods, ADM, Danone e Marte) controlam 27% do mercado mundial e cerca de 100 cadeias de distribuição e venda 40% de tal mercado (Cf. Stefile, J. P. e Martins de Carvalho, Soberania Alimentar. Uma necessidade dos povos, em Brasil sem fome, Ministério de Desenvolvimento. MDS, Abril de 2012, pág. 7). Um exemplo claro de que esta concentração ainda não acabou é a compra da Monsanto pela Bayer por 57 bilhões de dólares (operação aprovada por Donald Trump, presidente dos Estados Unidos e a ponto de ser aprovada pela União Europeia).

Atualmente, o sistema capitalista entrou em colapso pelo esgotamento dos recursos em geral e dos combustíveis fósseis em particular, pela destruição continuada e constante da natureza, assim como pela exploração das pessoas humanas e isto afeta suas dimensões econômico-sociais, alimentar, ao meio ambiente, à ação política e cultural...

No que se refere ao fenômeno da fome, a chamada Revolução Verde dos anos 1960 e 1970 e a introdução e expansão dos Organismos Modificados Geneticamente (OMG), nos anos 1990, na agricultura e a alimentação, a tornaram algo estrutural; de tal modo que enquanto existir capitalismo continuarão existindo milhões de pessoas pobres, excluídas, imigrantes, refugiadas, famintas, etc., e guerras pelos recursos, a terra, a água...

Entre os Objetivos do Milênio para 2015, enfatizava-se a diminuição pela metade da pobreza extrema no mundo e a erradicação da fome, mas parece que isto não foi possível, de tal maneira que entre os Objetivos do Milênio para 2030 também estão presentes tais metas.

Em 2015, dos mais de 7 bilhões de habitantes do planeta, quase 4 bilhões estavam desnutridos, dos quais 2 bilhões sofreram subalimentação e mais de 800 passaram fome e outros tantos eram obesos, sobretudo entre as classes populares dos países ricos por não fazer uma alimentação equilibrada e/ou comer, quase diariamente, comida e bebida lixo industrializada, com muita quantidade de açúcares e gordura tipo trans, ao não ter capacidade aquisitiva suficiente. Além de morrerem de fome 25.000 pessoas por dia.

A FAO, instituição da ONU dedicada à agricultura e a alimentação, que, entre outras coisas, se dedica a contar pessoas famintas, afirma que em 2016 aumentou a fome no mundo até ultrapassar os 815 milhões (11% da população mundial), em razão dos fenômenos meteorológicos extremos, como secas e inundações e a violência bélica.

Diante deste acúmulo de situações, que explicam o fenômeno da fome, o objetivo principal a se conseguir é acabar com o capitalismo e construir uma sociedade mais justa, solidária e igualitária, sem discriminações de qualquer tipo, baseada na autogestão, no municipalismo, na defesa da autonomia do local e no respeito ao meio ambiente, no internacionalismo, onde desapareçam as classes sociais, com o protagonismo de todas as pessoas. Aprofundando e ampliando alternativas tais como a defesa dos direitos humanos, denúncia do poder das transnacionais e fim de sua impunidade, fomento ao cooperativismo, à soberania alimentar e energética, defesa dos bens comuns e dos serviços públicos, fim da discriminação de gênero, tanto no âmbito doméstico como no trabalhista, luta pelo fim dos paraísos fiscais e pela supressão da dívida ilegal e ilegítima. Aplicação de uma reforma agrária que favoreça os interesses dos camponeses e camponesas (inclusive, desapropriando terras dos latifundiários e grandes proprietários) e encerramento dos tratados comerciais injustos como os atuais (CETA, TISA, TTIP, MERCOSUL...), etc.

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