''A economia fracassou, o capitalismo é guerra, a globalização é violência.'' Entrevista com Serge Latouche

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14 Mai 2015

O teórico do decrescimento feliz intervém no Bergamo Festival, na Itália: "O comércio livre é como uma raposa livre no galinheiro livre". E também critica a Expo Milão: "É a vitória das multinacionais, certamente não dos produtores. É preciso dar um passo para trás. Estamos obcecados pelo acúmulo e pelos números".

A reportagem é de Giuliano Balestreri, publicada no jornal La Repubblica, 10-05-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

"A globalização é mercantilização." Pior: "O comércio livre é como a raposa livre no galinheiro livre". E ainda: "A Expo é a vitória das multinacionais, certamente não dos produtores".

Serge Latouche, francês, nascido em 1940, é o economista-filósofo teórico do decrescimento feliz, da abundância frugal, "que serve para construir uma sociedade solidária".

Uma ideia que amadureceu anos atrás, em Laos, "onde não existe uma economia capitalista, sob a insígnia no crescimento, mas as pessoas vivem serenas".

E mais: o decrescimento feliz é um dos caminhos que levam à paz. E Latouche falará sobre isso no dia 12 de maio no Bergamo Festival (8 a 24 de maio), dedicado ao tema "Fazer a paz", também através da economia.

O economista francês, em particular, se concentrará sobre a crítica às dinâmicas do capitalismo forçado que alarga a distância entre aqueles que conseguem manter o poder econômico e aqueles que dele são excluídos. É por isso que, segundo Latouche, o decrescimento seria garantia e compensação de uma qualidade da vida humana que pode ser estendida a todos.

Também por isso "considerar o PIB não tem muito sentido: ele só é funcional para a lógica capitalista. A obsessão da medida faz parte da economicização. O nosso objetivo deve ser viver bem, não melhor".

Eis a entrevista.

Sempre pensamos que a paz passava pelo crescimento e que as recessões não faziam mais nada exceto exacerbar os conflitos. O senhor, no entanto, inverte o axioma.

Tudo faz parte do debate. Por anos, pensamos justamente que o crescimento permitisse resolver mais ou menos todos os conflitos sociais, também graças a salários cada vez mais elevados. E, de fato, vivemos 30 anos de ouro, entre o fim da Segunda Guerra Mundial e o início dos anos 1970. Um período caracterizado pelo crescimento econômico e por transformações sociais de uma intensidade sem precedentes. Depois, começou a fase sucessiva, a da acumulação contínua, até mesmo sem crescimento. Uma verdadeira guerra, todos contra todos.

Uma guerra?

Sim, um conflito que vê contrapostos uns contra os outros para acumular, o máximo possível, o mais rapidamente possível. É uma guerra contra a natureza, porque não percebemos que, dessa forma, destruímos o planeta mais rapidamente. Estamos travando uma guerra contra os homens. Até mesmo uma criança entenderia aquilo que os políticos e economistas fingem não ver: um crescimento infinito é, por definição, absurdo em um planeta finito, mas não entenderemos enquanto não o tivermos destruído. Para fazer a paz, devemos nos abandonar à abundância frugal, contentarmo-nos. Devemos aprender a reconstruir as relações sociais.

Uma mudança radical de curso. Saber se contentar, ser feliz com o que se tem certamente não está no DNA de uma sociedade marcada pela concorrência.

É evidente que um certo nível de concorrência traz benefícios para os consumidores, mas deve trazê-lo para consumidores que também sejam cidadãos. A concorrência não deve destruir o tecido social. O nível de competitividade deveria ser semelhante ao das cidades italianas do Renascimento, quando os desafios tinham a ver com as melhorias da vida. Agora, ao contrário, somos escravos do marketing e da publicidade, que têm o objetivo de criar necessidades que não temos, tornando-nos infelizes.

Em vez disso, não entendemos que poderíamos viver serenamente com tudo o que temos. Basta pensar que 40% dos alimentos produzidos vão diretamente para o lixo: vencem sem que ninguém os compre. A globalização extremiza a concorrência, porque, superando os limites, ela zera os limites impostos pelo estado social e tornar-se destrutiva. Saber se contentar é uma forma de riqueza: não se trata de renunciar, mas simplesmente de não dar à moeda mais importância do que ela realmente tem.

Os consumidores, no entanto, podem se beneficiar com a concorrência.

Benefícios efêmeros: em troca de preços mais baixos, eles obtêm salários cada vez mais baixos. Penso no tecido industrial italiano destruído pela concorrência chinesa e, depois, nos próprios agricultores chineses postos em crise pela agricultura ocidental. Estamos assistindo a uma guerra. Não podemos nos iludir que a concorrência seja realmente livre e leal; ela nunca o será: existem leis fiscais e sociais. E, para os pequenos, não há a possibilidade de contrabalançar os poderes. Estamos diante de uma violência descontrolada. O TTIP, o tratado de livre comércio entre Estados Unidos e Europa, seria apenas a última catástrofe: o livre comércio é o protecionismo dos predadores.

Como se faz a paz?

Devemos descolonizar a nossa mente da invenção da economia. Devemos recordar como fomos economicizados. Nós, ocidentais, começamos isso, desde os tempos de Aristóteles, criando uma religião que destrói as felicidades. Devemos ser nós, agora, a inverter o curso. O projeto econômico, capitalista nasceu na Idade Média, mas a sua força explodiu com a revolução industrial e a capacidade de fazer dinheiro com o dinheiro. Porém, o próprio Aristóteles entendera que, assim, se destruiria a sociedade. Foram preciso séculos para apagar a economia pré-econômica. Serão preciso séculos para voltar atrás.

Hoje, o senhor prefere se definir como filósofo, mas nasceu como economista.

Sim, porque perdi a fé na economia. Entendi que se trata de uma mentira, entendi isso em Laos, onde as pessoas vivem felizes sem terem uma verdadeira economia, porque ela só serve para destruir o equilíbrio. É uma religião ocidental que nos torna infelizes.

Porém, são muitos os economistas nas cúpulas da política.

De fato, eles têm uma visão muito curta da realidade. Mario Monti [primeiro-ministro italiano de 2011 a 2013], por exemplo, não me agradou. Enrico Letta [primeiro-ministro italiano de 2013 a 2014], ao contrário, sim: ele tem uma forma mais aberta, está pronto para a troca. Eu me afastei da política politicante, até porque o projeto do decrescimento não é político, mas social. Para ter sucesso, é preciso, acima de tudo, de um movimento de baixo, como o neozapatista em Chiapas, que depois também se espalhou para o Equador e a Bolívia. Mas também há exemplos na Europa: Syriza na Grécia e Podemos na Espanha se aproximam desse caminho. Em suma, vejo muitos passos à frente.

Aliás, Bergamo fica perto de Milão. Poderia ser uma ocasião para visitar a Expo.

Ela não me interessa. Não é uma verdadeira exposição dos produtores, é uma feira para as multinacionais como a Coca-Cola. Eu teria gostado dela se tivesse sido feita pelo meu amigo Carlo Petrini. Seria possível fazer um evento como o Terra Madre: sempre vou a Turim para o Salone del Gusto. Mas isso [a Expo] não, não me interessa. É o triunfo da globalização, não se fala da produção. E, depois, não se fala de alimentação: nós, por exemplo, comemos carne demais. Demais e de má qualidade. Fazemos mal para a saúde. Devemos redescobrir a dieta mediterrânea. No entanto, apesar de tudo, no fronte da alimentação, eu vejo progressos. Basta pensar no sucesso do movimento Slow Food.

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