08 Dezembro 2017
“Para aqueles que o queiram entender, o Papa aplica a frase bíblica: ‘Quem tem ouvidos para ouvir, que ouça’ (Marcos 4, 9). A escuta requer uma atitude vital, absolutamente oposta à necessidade que certos políticos demonstram no exercício do poder. Assim na Argentina, como no mundo”, escreve o jornalista argentino Washington Uranga, em artigo publicado por Página/12, 07-12-2017. A tradução é do Cepat.
Eis o artigo.
A partir de sua responsabilidade como máxima autoridade da Igreja Católica, o Papa Francisco se mantém atento e preocupado com os problemas do mundo. Particularmente, com as situações de conflito, que costuma caracterizar como “conflitos delimitados” que constituem, em sua avaliação, o novo formato da conflagração mundial. Apesar disso, esta dimensão universal de sua responsabilidade não o afasta de sua preocupação pelo que se vive em sua pátria natal, a Argentina.
Ontem, disse que “não posso guardar silêncio” e expressou sua “profunda preocupação” diante do iminente anúncio norte-americano, reconhecendo Jerusalém como única capital de Israel. E, por isso, em direta alusão ao mandatário dos Estados Unidos, Donald Trump, pediu que “sejam realizados todos os esforços para respeitar o status quo” de Jerusalém. E já hoje, Jorge Bergoglio reservou um tempo para receber em sua residência pessoal os familiares de Santiago Maldonado, transmitindo mais uma mensagem à Argentina.
Sergio Maldonado destacou a atitude do Papa: “mais do que nos dizer algo, escutou-nos”. Não foi o que fez Trump a respeito do pedido de Francisco. Ignorou-o totalmente e seguiu com seu plano. Ao presidente norte-americano não interessou nem sequer a advertência de outros dirigentes políticos mundiais sobre as consequências de sua decisão. Francisco escuta. Trump não.
Apenas dois dias antes, o Papa Bergoglio também se encontrou pessoalmente com Taty Almeida, liderança das Mães da Praça de Maio, Linha Fundadora. Tanto na segunda-feira como ontem, os interlocutores de Francisco confirmaram que o Papa apoia os pedidos de “verdade e justiça”. Outra mensagem. Na Argentina, o Poder Judiciário atua seletivamente, com dupla vara permanente.
Sergio Maldonado confirmou o que ninguém mais duvida: “O Papa está informado de tudo. Não precisa que venham lhe contar a situação na Argentina”.
Um dado a mais. No dia 17 de janeiro Francisco estará em Temuco (Chile), 670 quilômetros ao sul de Santiago. Ali, celebrará uma missa da qual participarão comunidades originárias, especialmente mapuches que tem muita presença na região. Além disso, Francisco decidiu aprofundar o gesto aos mapuches: convidou-lhes a compartilhar um almoço privado, que acontecerá nesse mesmo dia na casa Madre de la Santa Cruz, na cidade chilena. Francisco quer escutar, pessoalmente, o que os mapuches tem para lhe contar em uma região onde o conflito subiu a níveis muito importantes com o Estado chileno. Esta situação não resulta totalmente alheia ao que acontece do outro lado da fronteira, na Argentina.
O estilo de Francisco combina a escuta atenta aos gestos. “Muçulmanos, cristãos e judeus reconhecem a Abraão, embora cada um de maneira diferente, como pai da fé e um grande exemplo a ser imitado. Ele se fez peregrino, deixando sua gente, sua casa, para empreender a aventura espiritual a qual Deus lhe chamava”, afirmou o Papa em sua visita a Jerusalém, em maio de 2014. E pediu, naquela mesma ocasião, “que a solução dos dois Estados (Israel e Palestina) se torne uma realidade e não fique em um sonho”.
O Papa sabe da importância de seus gestos e de seus ditos como líder da comunidade religiosa mais importante do mundo. Também conhece as limitações que impõe, tanto na Argentina como no mundo, sua condição de chefe do Estado vaticano. Mas, isso não o inibe de se envolver nos temas e de buscar incidir nas soluções. Encontra as formas. Nessa tarefa, colhe êxitos e fracassos. Não se esquiva do risco que implicam estes últimos.
Como fundamento de sua atuação, mantém aberta a escuta permanente. Recebe (oficial e extraoficialmente, em público e em privado) muitas pessoas que lhe trazem informação, como também reflexões, análises, pontos de vista. E atua em consequência. É o estilo e a forma de atuar de Francisco, que transformou também a imagem de Jorge Bergoglio, cardeal arcebispo de Buenos Aires, como destacam vários analistas eclesiásticos. Para aqueles que o queiram entender, o Papa aplica a frase bíblica: “Quem tem ouvidos para ouvir, que ouça” (Marcos 4, 9). A escuta requer uma atitude vital, absolutamente oposta à necessidade que certos políticos demonstram no exercício do poder. Assim na Argentina, como no mundo.
Leia mais
- Papa Francisco quer mudar o Pai-Nosso: ''A tradução (em algumas línguas) não é boa. Deus não nos induz em tentação''
- Cardeal Marx pede “lealdade especial” ao Papa Francisco
- “Um povo que não protege os avós e não os trata bem é um povo que não tem futuro!”, afirma Francisco (vídeo)
- A lição de Francisco: Evangelho e diplomacia
- ''Há tensões muito fortes com Francisco e o risco de divisão da Igreja.'' Entrevista com Vito Mancuso
- O abraço do Papa Francisco aos Rohingyas, "Peço-lhes perdão pela indiferença do mundo"
- Jerusalém. Papa pede para que se evite novas tensões em um mundo convulsivo
- Papa Francisco denuncia os altos índices de desemprego na Argentina
- "A Pátria nunca pode ser vendida", afirma Papa Francisco por ocasião do Bicentenário da Independência da Argentina
FECHAR
Comunicar erro.
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Francisco escuta. Artigo de Washington Uranga - Instituto Humanitas Unisinos - IHU