Médica sanitarista fala sobre o universo da saúde ambiental, com destaque sobre os impactos dos agrotóxicos

Mais Lidos

  • “Os israelenses nunca terão verdadeira segurança, enquanto os palestinos não a tiverem”. Entrevista com Antony Loewenstein

    LER MAIS
  • Golpe de 1964 completa 60 anos insepulto. Entrevista com Dênis de Moraes

    LER MAIS
  • “Guerra nuclear preventiva” é a doutrina oficial dos Estados Unidos: uma visão histórica de seu belicismo. Artigo de Michel Chossudovsky

    LER MAIS

Revista ihu on-line

Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

Edição: 552

Leia mais

Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

Edição: 551

Leia mais

Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

Edição: 550

Leia mais

02 Dezembro 2017

A entrevistada é a médica sanitarista Telma de Cassia dos Santos Nery, que trata do tema Saúde Ambiental, com os impactos dos agrotóxicos e da poluição, neste contexto, e também explica o trabalho desenvolvido na plataforma Observatório da Saúde Ambiental, lançada em 2015 (com foco nos comprometimentos do uso de agrotóxicos no estado de São Paulo) e a relevância da difusão dessas informações à sociedade. Telma registra uma longa experiência em sua carreira, nas áreas de medicina preventiva/social, do trabalho e de saúde ambiental. Membro do Comitê Executivo do Capítulo Latino Americano e Caribe da International Society for Environmental Epidemiology (ISEE), também atua hoje como docente universitária e médica sanitarista e é integrante do Fórum Paulista de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos e Transgênicos.

A entrevista é de Sucena Shkrada Resk, publicada por Blog Cidadãos do Mundo, 01-12-2017.  

Eis a entrevista. 

Dra. Telma, o que é saúde ambiental?

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a saúde ambiental compreende aspectos da saúde humana, que incluem a qualidade de vida, que são determinados por fatores físicos, químicos, biológicos, sociais e psicossociais do ambiente. Também se refere à teoria e à prática de avaliar, corrigir, controlar e prevenir esses fatores do ambiente que possam afetar de forma adversa a saúde das gerações presentes e futuras.

A saúde humana e o bem-estar estão intimamente ligados à qualidade ambiental. Isto é importante e bem demonstrado nos impactos descritos, como 24% dos anos de vida perdidos por incapacidade e 23% das mortes prematuras em todo o mundo atribuíveis à exposição a riscos ambientais e ocupacionais evitáveis.

A OMS aponta ainda que a poluição do ar causou 8 milhões de mortes precoces no mundo, em 2015, e é atualmente a principal causa de morte por complicações cardiorrespiratórias, entre elas, arritmia, infarto do coração e derrame cerebral – relacionadas ao meio ambiente, e de câncer de pulmão. No estado de SP, estudo demonstrou que o total de óbitos causados pela poluição – 11.200, em 2015 – é maior que as mortes causadas por acidentes de trânsito (7.867), câncer de mama (3.620) ou aids (2.922).

Os riscos e fatores ambientais são ainda responsáveis por: 25% a 30% da carga de doenças estão relacionadas a fatores ambientais (OMS); 23% de todas as mortes; 36% das doenças em crianças 0-4 anos e 37% das mortes em crianças 0-4 anos, de acordo com a OPAS.

Qual a importância da saúde ambiental para cada cidadão e para o coletivo da sociedade?

 É importante que todo cidadão tenha informação sobre impactos dos riscos ambientais na sua vida e que o estado , que tem como obrigação a proteção da saúde pública, adote estratégias de saúde ambiental. A atuação em saúde ambiental implica diretamente na redução da carga de doenças evitáveis e mortes precoces.

Qual é o principal objetivo do Observatório da Saúde Ambiental e como o internauta pode ser beneficiado interagindo com a plataforma? Por favor, cite exemplos.

Dentre os principais fatores ambientais, temos aqueles agravos gerados pelo consumo, uso e exposição a substâncias químicas, em especial, os agrotóxicos. O Brasil é o maior consumidor mundial destes produtos, desde o ano de 2008- 2009.

Neste sentido, visando conhecer o universo dos agrotóxicos no estado de São Paulo, frente ao seu uso e quais impactos à saúde humana, foi estruturado, com recursos do Ministério da Saúde, um observatório voltado para estas questões, chamado Observatório da Saúde Ambiental (com participação do Centro de Estudos Augusto Leopoldo Ayrosa Galvão e da coordenação do Centro de Vigilância Epidemiológica Professor Alexandre Vranjac da Secretaria de Estado da Saúde, através da Divisão de Doenças Ocasionadas pelo Meio Ambiente).

A plataforma contém várias informações, dados e estudos sobre agrotóxicos. É disponível para qualquer pessoa que busque informações, tanto a população de maneira geral, como também pesquisadores, mas principalmente gestores que queiram conhecer seu território e estruturar modelos de políticas públicas.

O observatório contém, por exemplo, levantamentos bibliográficos sobre câncer e agrotóxicos, malformações congênitas e agrotóxicos e outros impactos à saúde. São cerca de 1500 referências bibliográficas disponíveis.

Disponibiliza ainda inúmeras tabelas /planilhas com dados sobre problemas de saúde pelo Sistema de Informações de Saúde do SUS – DATASUS, separados por município do estado de São Paulo, também por tipos de agrotóxicos utilizados e principais culturas.

Como podem ser utilizadas? Por exemplo, se alguém quiser conhecer quais municípios utilizam o agrotóxico glifosato (mais consumido no Brasil), consegue olhar e ate comparar. Pode ainda verificar quais as principais taxas de câncer ou de intoxicações por agrotóxicos notificadas, por município, no estado de São Paulo.

Além destas informações, o observatório possibilita a criação de MAPAS, apontando as situações municipais.

Taxa de malformação congênita

 

Como exemplo de uso, a Defensoria Pública do Estado de SP realizou levantamento dos dados do observatório e analisou as taxas de malformações congênitas nos municípios, identificou dados que foram tema de importante matéria na mídia. Alguns prefeitos, que desconheciam a situação dos impactos à saúde, iniciaram debates e estruturação de políticas públicas, como a de redução de pulverização ou redução da área de uso nas proximidades da região urbana.

 

Quais os principais comprometimentos dos agrotóxicos e dos poluentes sobre a saúde humana (doenças, efeitos no SUS) e, de uma forma geral, no ecossistema? Hoje quais são os principais alertas no estado de São Paulo, em especial?

Estas informações são importantes, pois a OMS e também o Instituto Nacional do Câncer (INCA) já divulgaram que alguns agrotóxicos são cancerígenos. Importante ainda lembrar que o Brasil utiliza regularmente vários agrotóxicos já banidos, por exemplo, na Comunidade Europeia, devido a seus graves impactos à saúde humana.

São muitos os reflexos no SUS. O gasto do Ministério da Saúde com tratamentos contra câncer cresceu 66% nos últimos 5 anos: R$ 2,1 bilhões em 2010 e R$ 3,5 bilhões em 2015. O volume de doentes em tratamento no SUS: 292 mil (2010) e 393 mil(2015). Os números são reflexos do aumento de casos de câncer no País nos últimos anos e do lançamento de novas terapias e medicamentos de alto custo contra a doença.

Impactos dos fatores ambientais devem ser considerados.

Segundo estudos, no Brasil para cada US$ 1 gasto na compra de agrotóxicos, US$ 1,28 são gerados de custos externos com tratamento de saúde. (FONTE: Soares WL, Porto MFS. Uso de agrotóxicos e impactos econômicos sobre a saúde. Revista Saúde Pública. 2012: 46(2):209-17);

O estado de SP é um grande consumidor do agrotóxico, utilizando mais de 60% na cana-de-açúcar e 30% do consumo é aplicado por meio de pulverização aérea e segundo Relatório operacional, 85% contra orientação do fabricante.

– Fiscalização apontou, por GPS, presença em áreas de controle ambiental;

– Total de área pulverizada: 11,82% do estado de São Paulo;

– 30% dos agrotóxicos utilizados no estado são contrabandeados.

Neste contexto, quais os principais cuidados, enquanto consumidor, quanto à água e aos alimentos? E ao se detectar algum problema a quem o cidadão pode recorrer?

É importante lembrar que a exposição revela um consumo acumulado, ou seja, são várias as fontes do ser humano de exposição: comendo um alimento onde foi utilizado o veneno, bebendo água ou alguma substância com a presença, se expondo ambientalmente, frente à pulverização ou especialmente aqueles que trabalham aplicando venenos. Importante destaque a estudos que mostraram presença de agrotóxicos também no leite materno.

O cidadão deve ser informado e buscar informações sobre estes impactos. Deve participar das decisões sobre uso ou não destas substâncias. Neste momento, é mais seguro optar por alimentos orgânicos , ou sem uso de agrotóxicos. Vale lembrar que o agrotóxico não consegue ser eliminado simplesmente através de lavagem das frutas/legumes, por exemplo; e ainda a presença dos mesmos, além dos alimentos “ in natura”, estão presentes em produtos alimentícios processados pela indústria: pães, farinha, pizzas etc…

Quais são os principais desafios para melhorar o sistema de vigilância em saúde nesta agenda e pressionar os órgãos gestores e o mercado a mudanças de paradigmas quanto ao uso dessas substâncias?

Os principais desafios para melhorar o sistema de vigilância em saúde passam pelo uso das informações disponíveis para uma ação efetiva. Já sabemos dos variados e graves impactos dos agrotóxicos na saúde humana. Precisamos que estes impactos sejam notificados, que medidas de saúde pública sejam implementadas, que imediatamente os agrotóxicos conhecidos como cancerígenos, e os agrotóxicos já banidos de outros países pelos graves efeito na saúde humana sejam proibidos de serem utilizados aqui.

Leia mais

Comunicar erro

close

FECHAR

Comunicar erro.

Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:

Médica sanitarista fala sobre o universo da saúde ambiental, com destaque sobre os impactos dos agrotóxicos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU