Ecumenismo e diálogo inter-religioso; Francisco e os outros papas

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06 Outubro 2016

A viagem à Geórgia e ao Azerbaijão confirma a atitude de Bergoglio: a busca da unidade dos cristãos através de gestos de fraternidade, e a valorização do diálogo com as demais religiões como antídoto contra o ódio e a violência.

A reportagem é de Andrea Tornielli e publicada por Vatican Insider, 05-10-2016. A tradução é de André Langer.

A recente viagem do Papa à Geórgia e ao Azerbaijão ofereceu, uma vez mais, um exemplo do caminho que Francisco pretende percorrer no âmbito ecumênico e no diálogo entre as religiões. No encontro com os presbíteros, religiosos e seminaristas em Tbilisi, no sábado, 01 de outubro, Bergoglio respondeu desta maneira ao testemunho de um seminarista que lhe contava as dificuldades nas relações entre os cristãos das diferentes confissões:

“Nunca brigar! Deixemos que os teólogos estudem as coisas abstratas da teologia. O que eu devo fazer a um amigo, um vizinho, uma pessoa ortodoxa? Ser aberto, ser amigo. Mas devo fazer um esforço para convertê-lo? Existe um grande pecado contra o ecumenismo: o proselitismo.  Nunca devemos fazer proselitismo com os ortodoxos. São nossos irmãos e irmãs discípulos de Jesus Cristo que, pelas situações históricas tão complexas, nos tornamos assim. Mas, eles e nós, cremos no Pai, no Filho e no Espírito Santo. Cremos na Santa Mãe de Deus. E o que eu tenho que fazer? Não condenar; isso não se pode. Amizade, caminhar juntos, rezar uns pelos outros e fazer obras de caridade juntos, quando isso é possível. É este o ecumenismo. Mas nunca condenar um irmão ou uma irmã, nunca deixar de saudá-lo porque é ortodoxo”.

Há muito tempo, a Igreja considera fechada a vida do uniatismo. Os últimos papas, além de promover o diálogo teológico com a ortodoxia (a única, verdadeira e profunda diferença tem a ver com o exercício do primado do Bispo de Roma), multiplicaram os gestos de amizade. Vários encontros históricos (a começar pelo abraço em Jerusalém entre Paulo VI e Atenágoras, até as visitas de João Paulo II a Atenas e à Geórgia, ou as de Bento XVI a Istambul) ajudaram a consolidar um caminho comum.

Também o diálogo teológico deu passos significativos para frente: a partir do Concílio Vaticano II, a Igreja católica está recuperando a consciência da importância da colegialidade e da sinodalidade. Enquanto isso, as Igrejas ortodoxas começam a ver com um olhar diferente o primado e seu exercício em um mundo cada vez mais globalizado. O Papa Francisco fala de um “ecumenismo de povo”. Enquanto se dá a paciente espera dos passos concretos para chegar a compartilhar o cálice no altar, é importante multiplicar as oportunidades para trabalhar juntos.

A Igreja georgiana é uma das menos ecumênicas. No entanto, os quatro encontros do Papa com o Patriarca Elias II caracterizaram-se pela amizade, pela acolhida e pela fraternidade verdadeiras, não de fachada. Bastava vê-los antes que ouvi-los. Para onde tudo isso levará? Não sabemos. Haverá efeitos positivos? É difícil afirmar. O que é certo é que foi dado um novo passo em relação à última visita de um papa, a de João Paulo II em 1999, que aconteceu em um meio a um clima muito mais frio, e não apenas devido às condições meteorológicas.

A viagem ao Azerbaijão foi muito significativa também pelo diálogo com as outras religiões. Neste sentido, foi muito importante o último discurso do papa, pronunciado em uma mesquita na presença do xeque dos muçulmanos do Cáucaso. O diálogo, explicou Francisco, não é “sincretismo conciliador”: não consiste, portanto, em anular as diferenças, uma amálgama. Não é a ONU das religiões, ideia contra a qual troaram os críticos de João Paulo II, de Bento XVI e de Francisco, “culpados” de terem se encontrado várias vezes com uma grande quantidade de líderes de outras religiões.

Também não é, explicou o Papa Bergoglio, “uma abertura diplomática que diga sim a tudo para evitar problemas”. Ou seja, refugiar-se em manobras táticas e acabar ignorando ou censurando a realidade. Pelo contrário, devemos “dialogar com os outros e rezar por todos: estes são os nossos meios para fazer surgir amor onde há ódio, perdão onde há ofensa”.

As religiões, todas elas, “na noite dos conflitos que estamos atravessando”, estão chamadas a ser “auroras de paz, sementes de renascimento entre devastações de morte, ecos de diálogo que ressoam incansavelmente, caminhos de encontro e reconciliação para se chegar mesmo lá onde as tentativas das mediações oficiais parecem não surtir efeito”. Nunca deixar-se instrumentalizar nem instrumentalizar o santo nome de Deus, para convertê-lo em uma bandeira com a qual se justifica o ódio, a violência, o terrorismo, a guerra. As religiões, pelo contrário, explicou o Papa na grande mesquita de Baku, “são chamadas a edificar a cultura do encontro e da paz, feita de paciência, compreensão, passos humildes e concretos. É assim que se serve a sociedade humana”.

Aqueles que promulgam o choque de civilizações, aqueles que desejariam que a Igreja tivesse uma atitude mais guerreira diante do islã em nome dos valores do Ocidente e de uma nostalgia da Cristandade em declínio, para contrapor o Papa Bergoglio aos seus predecessores, veem-se obrigados a esquecer tudo o que João Paulo II fez, o primeiro Bispo de Roma que entrou em uma mesquita (Damasco, 2001). O Papa que, depois dos atentados de 11 de setembro, quis reunir em Assis justamente as religiões para desmascarar qualquer “cobertura” religiosa do abuso do nome de Deus perpetrado pelos terroristas fundamentalistas.

Bento XVI, sorridente e pacífico, rezou em silêncio diante do “mihrab” da Mesquita Azul de Istambul, ao lado do imã. Gesto repetido por seu sucessor. Qualquer gesto de amizade, por pequeno que seja; qualquer esforço para compartilhar; qualquer exemplo de convivência possível, é um pequeno “capítulo” dessa paz que representa a única resposta à “Terceira Guerra Mundial em capítulos”.

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