Carta do 2º Encontro Mundial dos Movimentos Populares aos Prefeitos - Parte 1

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11 Dezembro 2015

"A escravidão moderna não é um problema meramente policial, mas sim a consequência de um sistema excludente", escreve Frei Marcos Sassatelli, frade dominicano, doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP) e professor aposentado de Filosofia (UFG), 09-12-2015.

Eis o artigo.

O Papa Francisco, no dia 21 de julho de 2015, em Roma, no Encontro com cerca de 100 prefeitos das maiores cidades do mundo - entre as quais São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Curitiba, Porto Alegre e Goiânia - foi o porta-voz dos Movimentos Populares. Ele entregou aos prefeitos a Carta, redigida pelo Comitê Organizador do 2º Encontro Mundial dos Movimentos Populares ( EMMP, realizado de 7 a 9 de julho em Santa Cruz de la Sierra, na Bolivia), que foi lida no Encontro.

Que gesto bonito e significativo! Mostra claramente que Francisco se identifica com os Movimentos Populares e assume sua causa, que é a de um novo projeto de sociedade e de mundo.

A Carta - dirigida aos “Estimados Prefeitos das grandes cidades do mundo” -inicia fazendo, com muito realismo, algumas constatações sobre a situação desumana em que vive a maioria do povo.
Dizem os Movimentos Populares: “Hoje, em cada urbe, duas cidades coexistem... Coexistem, mas não convivem. Uma cidade amassa a outra. Os expulsos do campo, os descartados pelo mercado de trabalho, somos lançados à periferia como resíduos humanos, à mercê das piores formas de precariedade e exploração.

Nesse contexto de alta vulnerabilidade que afeta 2000 milhões de pessoas, a escravidão moderna se expande de maneira escandalosa. É um negócio em que o sangue é posto por nós pobres, mas o dinheiro, este se acumula em bancos do norte.

A resposta dos Estados costuma ser reducionista. Em ocasiões persegue-se cruelmente os imigrantes, inclusive sob o pretexto de protegê-los. O muro entre EUA e México, os náufragos do Mediterrâneo ou a violência contra trabalhadores informais são exemplos de uma hipocrisia criminosa que deve acabar.

A escravidão moderna não é um problema meramente policial, mas sim a consequência de um sistema excludente. Para frear esse crime aberrante, não é preciso gastar mais em vigias, nem em sistemas biométricos. Muitas vezes, as polícias são elas mesmas parte das estruturas criminosas. Não precisamos dar a elas mais poder”. São palavras fortes que penetram fundo no nosso coração, nos incomodam e nos questionam a todos e a todas!

Em seguida, a Carta - de maneira categórica e contundente - afirma: “Para mudar essas realidades destrutivas - além de castigar peixes grandes e seus cúmplices - é necessário escutar os pobres que se organizam e lutam por sua dignidade. O poder tem que ser dado aos pobres. Escravidão e exclusão são duas caras de uma mesma moeda. Há escravos porque há excluídos!”.
As Pastorais Sociais e Ambientais da Igreja e todos/as nós estamos realmente convencidos que “é necessário escutar os pobres” e que “o poder tem que ser dado aos pobres”?

Para viabilizar e fazer acontecer essas mudanças estruturais, os Movimentos Populares indicam o caminho: “Queremos fazer com que cheguem 10 propostas para construir cidades sem escravos nem excluídos”. As propostas são muito claras e não precisam de explicações.

1.Poder e participação ao povo. O poder político deve escutar o clamor dos pobres que, mesmo sendo a maioria, quase nunca têm acesso a cargos públicos. Os funcionários, como indica o Papa, vivem e refletem de uma perspectiva do conforto de um desenvolvimento e de uma qualidade de vida que não estão ao alcance da maioria. Assim, nossas democracias costumam ser meramente formais. A participação das organizações populares é fundamental para revitalizá-las.

Propomos criar mecanismos permanentes de consulta e orçamento participativo, conselhos populares por setor (moradia, trabalho, etc.) e outras formas de democracia direta. O protesto é um direito e não deve ser reprimido. O Papa reconhece que o futuro da humanidade está em grande medida nas mãos dos pobres organizados. Está na hora de os Estados também reconhecerem isso.

2. Priorizar as periferias. O Papa indica que os excluídos, na hora da atuação concreta, ficam frequentemente em último lugar. Isso é evidente quando se analisam os orçamentos municipais. A inclusão deve ser uma prioridade política e orçamentária. É urgente investir nas periferias, especialmente nos assentamentos informais (favelas), onde vive um terço da humanidade. O Papa afirma nem erradicação, nem marginalização: é preciso seguir na linha da integração urbana. Nesse sentido, fazemos nossa a sua proposta de que todos os bairros tenham uma infraestrutura adequada e segurança na posse. Negar direitos básicos como a água potável é um crime, seja qual for a situação legal do assentamento.

Propomos sua regularização e a criação de milhões de postos de trabalho mediante cooperativas de vizinhos, no contexto do planejamento urbano participativo para o desenvolvimento de infraestrutura social, a abertura de ruas, a implantação de luminárias, redes hídricas e de esgoto, deságues, aprimoramento habitacional, manutenção de praças, limpeza de córregos e construção de espaços comunitários.

3. Teto para todos. É um escândalo que haja famílias sem moradia quando há tantas casas sem famílias. Para garantir o direito ao teto, é preciso frear a especulação imobiliária, que gera lucros, mas não lares. Deve-se proteger o inquilino e evitar a cobrança de alugueis com valores abusivos. Não se pode permitir o despejo de famílias, muito menos sem uma alternativa habitacional. Quando o trabalhador não tem teto, fica exposto a todo tipo de exploradores.

Propomos a criação de milhões de postos de trabalho com programas de autoconstrução, provimento de lotes com serviços e terra de propriedade comunitária, além de reutilizar edifícios abandonados para moradia. Isso pode ser financiado com impostos a imóveis ociosos. Nem uma família sem teto!”.

Meditemos sobre essas propostas! Reparem o que a Carta (retomando as palavras do Papa Francisco) diz a respeito do direito à moradia: “Não se pode permitir o despejo de famílias, muito menos sem uma alternativa habitacional”. A grande maioria das chamadas “reintegrações de posse” - motivadas pela ganância da especulação imobiliária e praticadas pelo Poder Público em conluio com os “coronéis urbanos” - são verdadeiros crimes legalizados, que clamam por justiça diante de Deus. Como exemplo, basta lembrar a bárbara “reintegração de posse” da Ocupação “Sonho Real” (cerca de 14.000 pessoas), no Parque Oeste Industrial, em Goiânia.

As Pastorais Sociais e Ambientais da Igreja e todos/as nós - cidadãos e cidadãs, cristãos e cristãs - precisamos cobrar dos nossos prefeitos a execução urgente das propostas feitas pelos Movimentos Populares.

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