Charles de Foucauld. O sentido de tudo já estava em Nazaré

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Por: Jonas | 17 Agosto 2015

Charles de Foucauld (1858-1916), o “irmão universal”, viveu uma espiritualidade encarnada no meio dos mais abandonados, respeitando a cultura e a fé daqueles que encontrou. Foi um grande amante da solidão, buscando um estilo de vida simples, no anonimato, valorizando a dimensão oculta da vida de Jesus de Nazaré. Todos estes elementos centrais na vida de Foucauld foram refletidos e rezados em mais uma etapa do Rezar com os Místicos, no último sábado, dia 15 de agosto, na Casa do Trabalhador, em Curitiba. Francisco Gecivan Vieira Garcia, sacerdote diocesano de Maringá, foi quem nos apresentou as particularidades da vida deste grande cristão, que nos ensinou que o Evangelho deve ser gritado com a própria vida. De fato, não há outro caminho, caso queiramos que a mensagem de Jesus continue fazendo sentido nos dias atuais.

 
   

O relato é de Jonas Jorge da Silva, da equipe do CJCIAS/CEPAT.

Charles de Foucauld foi um homem inquieto, que mesmo na rebeldia de sua juventude ou quando ainda estava no serviço militar francês não deixou de procurar um sentido existencial para aquilo que fazia. Vivendo uma vida sinuosa, cheia de altos e baixos, um dia se depara com a verdade do Evangelho (30-10-1886). Para isso, foi fundamental o encontro com o padre francês Henri Huvelin (1830-1910), que foi o seu grande diretor espiritual, fazendo com que Foucauld passasse a enxergar a limpidez do Evangelho, que valoriza a experiência com Deus e a proximidade com as pessoas, ao invés do doutrinalismo, ritualismo e esteticismo de muitas práticas conservadoras.

“Imediatamente ao crer que havia um Deus, compreendi que não podia deixar de viver só para Ele. Minha vocação religiosa data do mesmo instante da minha fé”, confessaria posteriormente Foucauld, assumindo com radicalidade a boa notícia de Jesus Cristo. Apesar de passar pela Ordem Trapista, seu coração pediu mais. Fortemente marcado pela experiência que teve em Nazaré, fica fascinado com a vida humilde e pobre de Jesus, que durante trinta anos viveu como um simples artesão. Essa reflexão faz com que Charles de Foucauld transforme a experiência de Nazaré no núcleo de sua espiritualidade.  

Homem de coração aberto, passou a ser reconhecido como o “irmão universal”. Considera que Deus é Deus de todos e está em tudo. “Deus no coração do mundo”, esta é a sua certeza. Por isso, nele é possível enxergar que o ecumenismo e o diálogo inter-religioso é um caminho de riquíssimos frutos para toda a humanidade. Em seu contato com os tuaregues, no norte da África, aprendeu a admirar a hospitalidade tradicional dos muçulmanos e o modo de vida piedoso daqueles homens do deserto do Saara, que rezam três vezes ao dia, invocando o Deus misericordioso e clemente.

Nos dias atuais, certamente, a experiência de Nazaré tem muito a dizer para todos. Segundo o padre Francisco Gecivan, Charles de Foucauld não fez nada de extraordinário durante a sua vida, simplesmente foi fiel à mensagem do Evangelho. A vida de Jesus de Nazaré, simples e sóbria, vivendo em fraternidade com os demais, torna-se profética em tempos de capitalismo selvagem, consumo desenfreado e crises das mais diversas. Abaixo, reproduzimos uma coletânea de reflexões feitas pelo “irmão universal”, a partir de sua experiência espiritual de Nazaré, que nos foi apresentada pelo padre Francisco Gecivan.

 
   

Nazaré

Tenho tanta sede de levar enfim a vida que entrevi, que advinhei, ao caminhar pelas ruas de Nazaré, ruas que os pés de Nosso Senhor pisaram, e Ele, o pobre artesão perdido na abjeção e na obscuridade... (Carta à sra. de Bondy, 24-06-1886).

Há uma semana mandaram-me rezar diante do corpo de um empregado (do mosteiro), um nativo católico, falecido numa cabana próxima: que diferença entre esta casa e nosso convento. Eu suspiro por Nazaré (Carta à sra. de Bondy, 10-04-1894, Oeuvres Spirit. p. 702).

“Desceu com eles e veio a Nazaré”. Durante toda sua vida ele só se abaixou: ao encarnar-se, ao fazer-se criancinha, ao obedecer, ao fazer-se pobre, abandonado, exilado, perseguido, supliciado, pondo-se sempre no último lugar. (Voyageur dans la nuit, p. 308).

Meus últimos retiros para o diaconato e para o sacerdócio mostraram-me que esta vida de Nazaré, que parecia ser minha vocação, era preciso levá-la não na Terra Santa tão amada, mas entre as almas mais doentes, as ovelhas mais abandonadas. Este banquete divino do qual sou ministro, era preciso apresentá-lo não aos irmãos, aos parentes, aos vizinhos ricos, mas aos coxos, aos cegos, às almas mais abandonadas, mais carentes de sacerdotes (Carta ao Pe. Caron, 08-04-1905).

Eu sou um velho pecador que, no dia imediato ao da sua conversão – há quase 20 anos – foi poderosamente atraído pelo Senhor para levar a mesma vida que Ele levou em Nazaré. Desde então, esforço-me por imitá-lo... bem miseravelmente, é certo. Passei muitos anos nessa querida e abençoada Nazaré, como criado e sacristão do convento das Clarissas. Só deixei este lugar bendito há cinco anos, para receber as santas ordens.

O divino banquete de que sou o ministro, era preciso oferecê-lo, não aos irmãos ou aos parentes ou aos vizinhos ricos, mas ao mais coxo, ao mais cego, às almas mais abandonadas, as privadas do sacerdote. Na minha mocidade, percorri a Argélia e Marrocos. Marrocos tão grande como a França, com dez milhões de habitantes, não tinha nem um único padre no interior. O Saara argelino, sete ou oito vezes maior que a França e mais habitado do que anteriormente se julgava, tinha doze missionários.

Nenhum povo me pareceu tão abandonado como este e assim pedi e obtive do Reverendíssimo Prefeito Apostólico do Saara, a licença para me fixar no Saara argelino, e de levar na solidão, na clausura e no silêncio, pelo trabalho das minhas mãos e no estado de pobreza, só ou com alguns padres ou irmãos leigos, uma vida tão semelhante quanto possível à vida oculta de Cristo em Nazaré.

 
Fonte: http://goo.gl/tmt5pw  

Estabeleci-me há três anos e meio, em Beni-Abbès, mesmo na fronteira de Marrocos, procurando, embora miserável e tibiamente, levar a bendita vida de Nazaré. Até agora estou só... O grão de trigo que não morre, fica só... Peço ao Senhor para que eu morra para tudo o que não seja a sua vontade. Um pequeno vale é a minha clausura; só de lá saio quando um imperioso dever de caridade me obriga a isso... a falta de outro sacerdote ( o mais próximo está a 400 quilômetros ao norte)... ou para levar Cristo a qualquer outro lugar (Carta ao Pe. Caron, 08-04-1905, Textos Espir. p. 213-215).

Escolho Tamanrasset, lugarejo de vinte casas em plena montanha, no coração do Hogar e entre os Dag-Rali, principal etnia [Tuareg], afastado de todos os centros importantes. Não parece estar prevista nenhuma guarnição militar, nem telégrafo, nem europeu, e por muito tempo não haverá missão. Escolho esse lugar abandonado e aqui me instalo, suplicando a Jesus que abençoe esta instalação na qual quero, para minha vida, tomar um único exemplo, sua vida de Nazaré (Carta ao Pe. Huvelin, 04-12-1909).

Quero que todos os habitantes, cristãos, muçulmanos, judeus... se acostumem a ver-me como irmão, como irmão universal... Eles estão começando a chamar minha casa de “fraternidade”, e isso me dá muita alegria (Carta à sra. de Bondy, 07-01-1902).

Ele [Jesus] assume a vocação de gritar o Evangelho em cima dos telhados, não com palavras, mas com a vida (Retiro em Nazaré, 1897).

Levem o Evangelho, pregando-o não com palavras, mas pelo exemplo. Não o anunciando, mas vivendo-o... (Retiro em Efrém, 1898, 2ª f. depois do 3º domingo da Quaresma).

Que os irmãos tenham o mesmo zelo pelas almas e as mesmas virtudes que os cristãos dos primeiros séculos e realizarão as mesmas obras. Espalharão, como eles, ocultos, dissimulados, o bem que não podem fazer abertamente. O amor mostrar-lhes-á os meios, e o Senhor sabe tornar eficazes os esforços que inspira. Recapitulemos: “Não podemos medir os nossos trabalhos pela nossa fraqueza, mas os nossos esforços pela nossa obra”. Se as dificuldades são grandes, apressemo-nos ainda mais a dedicar-nos ao trabalho e multipliquemos mais ainda os nossos esforços (Projeto de Missão no Marrocos, Textos Espir. p. 275).

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