A bioeconomia como oportunidade para enfrentar as mudanças climáticas. Entrevista especial José Vitor Bomtempo

Apesar de algumas iniciativas esparsas por todo o território brasileiro, o Brasil não tem, "como alguns países crescentemente têm feito, uma política ou uma estratégia nacional de bioeconomia", lamenta o professor pesquisador

Reserva extrativista da Mata Grande | Foto: Leonardo Milano/ICMBio

Por: Patricia Fachin | 23 Setembro 2021

 

Entre os vários desafios que marcam a mudança de época em que nos encontramos, dois estão diretamente relacionados: a constatação das mudanças climáticas e a necessidade de uma transição energética. A questão é como podemos traduzi-los em oportunidades. Esse é o ponto que o coordenador do Grupo de Estudos em Bioeconomia - GEBio da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ José Vitor Bomtempo sublinha ao sugerir um novo modelo de desenvolvimento para o Brasil, baseado na bioeconomia.

 

Na entrevista a seguir, concedida ao Instituto Humanitas Unisinos - IHU pela plataforma Zoom, ele explica o conceito de bioeconomia em contraposição ao modelo agrícola exportador. "Se falamos em bioeconomia, estamos falando em dar um passo à frente nesse modelo. (...) O que a bioeconomia tenta propor para todos esses recursos é transformá-los em uma base de industrialização e valorização maior do que a mera exportação do recurso. Hoje, a exportação desses produtos sustenta uma parte expressiva da balança comercial brasileira. Seria pior se não existisse esse tipo de recurso e capacidade, mas é preciso enxergar que neste momento, em que a base para a produção dos produtos químicos, dos plásticos e dos materiais em geral tende a sair da base fóssil e passar para uma base natural, o que se tem é uma oportunidade de valorização desses recursos naturais. Essa seria a perspectiva que a bioeconomia tenta oferecer", esclarece.

 

Segundo ele, ao modificar a produção de inúmeros produtos, "a bioeconomia deve, nesses processos, ser capaz de entregar produtos com níveis de emissão de CO2 mais baixos ou zerados e, quem sabe, em alguns casos, até negativos. É uma ambição".

 

José Vitor Bomtempo (Foto: F2Ibam)

 

José Vitor Bomtempo é graduado em Engenharia Química e em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, e doutor em Economia Industrial pela Ecole des Mines de Paris, França. Atualmente, coordenada o Grupo de Estudos em Bioeconomia - GEBio, da Escola de Química da UFRJ.

 

Confira a entrevista.

 

IHU - O que o senhor compreende por bioeconomia? Em que aspectos ela se distingue ou se assemelha ao atual modelo agrícola brasileiro de exportação?

José Vitor Bomtempo – Existe uma variedade de definições de bioeconomia e quanto mais o conceito tem sido utilizado e provocado um interesse crescente, mais aumenta o risco de que incompreensões ou confusões acerca do conceito ocorram. É importante a maneira como você colocou a pergunta, em relação ao modelo agrícola exportador, porque ajuda a ilustrar o conceito. Eu costumo tomar como referência um conceito elaborado pela Comunidade Europeia há uns dez anos, mais ou menos na época em que a ideia de bioeconomia começou a circular, o qual tenta sublinhar os seguintes pontos:

1. A bioeconomia é um modelo, uma perspectiva de organização da atividade econômica centrada na produção dos recursos biológicos renováveis, como biomassa e microrganismos, ou seja, em tudo que é vivo e pode ser acessado e utilizado como recurso econômico. A produção e o acesso a esses recursos é o primeiro ponto.

2. O segundo ponto é o tratamento e a conversão desses recursos em produtos que tenham valor para a sociedade, seja ele econômico, social ou ambiental. Esses produtos são desde alimentos para uso humano, para uso animal ou para a produção de bioprodutos e bioenergia.

3. Nesse processo de conversão, os resíduos também são considerados para a própria conversão; este é o lado circular da bioeconomia. Os resíduos gerados ao desenvolver esses processos de transformação e utilização dos recursos são, por sua vez, também convertidos em produtos.

4. O último ponto é que essas transformações envolvem processos de inovação. Isso é para distinguir que a agricultura, as atividades ligadas a recursos naturais, os recursos biológicos renováveis e existentes são apenas a base ou uma possível base para a bioeconomia. Se imaginarmos toda a produção agrícola e agroindustrial brasileira, podemos ter a impressão de que estamos muito avançados na bioeconomia. Mas não, porque os recursos representam a base da bioeconomia. O que a bioeconomia almeja é uma ampliação e um avanço. Daí a importância da existência da inovação nesse processo todo, não só na forma de produzir esses recursos, mas, principalmente, na valorização desses recursos e de seus resíduos. Essa é uma distinção importante e vale para a grande produção agrícola brasileira, seja de soja, milho ou cana-de-açúcar, como vale também para os produtos da biodiversidade, como babaçu, cacau, cupuaçu, açaí da Amazônia e de outros biomas que são riquíssimos. Tudo isso são recursos que estão na primeira etapa da bioeconomia. O que imagino é que esses recursos sejam valorizados e constituam a base forte da economia do século XXI, dentro de uma perspectiva de produtos sustentáveis.

 

 

IHU - Quão distante ou próximo o Brasil está de um modelo de desenvolvimento baseado na bioeconomia? Pode nos dar exemplos de bioeconomia que já estão em desenvolvimento no país?

José Vitor Bomtempo – Nós temos uma base absolutamente invejável e incomparável em termos de recursos. Também temos algumas coisas de primeira geração, representadas principalmente pelos biocombustíveis, que é uma base interessante e em que se tem conhecimento acumulado, embora exista muito espaço para crescer do ponto de vista de sofisticação tecnológica. Poderíamos imaginar como ideal de bioeconomia uma usina que hoje faz açúcar, etanol e um pouco de energia, como uma coisa muito diferente, que iria fazer biogás a partir da vinhaça [1], como algumas usinas já estão começando a fazer – para apontar um desenvolvimento interessante –, recuperar o CO2, reutilizar a palha e o bagaço [de cana-de-açúcar] da melhor maneira, que haveria uma integração com outras atividades em um arranjo de simbiose industrial. Para fazer isso, temos a base.

No chamado etanol avançado, o etanol de segunda geração, houve uma experiência no mundo, quando algumas empresas tentaram deslanchar esse setor há uns sete anos, mas tiveram muita dificuldade. Dois casos brasileiros permaneceram e são interessantes: o da GranBio e o da Raízen, a qual pretende fazer uma segunda planta a partir de uma unidade inicial que é pioneira. Foi uma atividade com um conteúdo tecnológico mais inovador, que se desenvolveu no Brasil.

No restante, certamente vamos identificar algumas empresas e iniciativas ligadas a cosméticos, a áreas esparsas, mas talvez, no geral, no mundo, a bioeconomia é um conjunto de atividades ainda em construção. Certamente, não podemos ficar parados, esperando o que vai acontecer, mas não vale mais aquela comparação que fazíamos anos atrás: quando começaram a surgir os polos petroquímicos no Brasil, no mundo isso já era uma coisa desenvolvida; quando aqui começou a se desenvolver a indústria automobilística, no mundo todo o carro já era uma coisa perfeitamente estabelecida. Essa semelhança não existe hoje no caso da bioeconomia. O que não significa que não tenhamos pontos de recuperação ou de atraso, que não tenhamos que ficar atentos, mas é uma atividade que está se desenvolvendo, se estruturando e está na sua fase de construção, identificação e solução dos obstáculos dessas inovações no mundo todo.

 

 

IHU - Essa proposta é aplicável e viável para todas as regiões do Brasil?

José Vitor Bomtempo – É possível pensar esse modelo para o Brasil todo porque não existe uma única bioeconomia. Entre os grupos ligados ao desenvolvimento da Amazônia tem um grupo que conheço um pouco mais, chamado “Uma Concertação pela Amazônia”, que desenvolveu a ideia de três bioeconomias – para mostrar que existem perspectivas diferentes.


Bioeconomia da floresta em pé

Quando falamos da bioeconomia de base amazônica, podemos pensar também na biodiversidade dos outros biomas, que são ricos e que poderíamos explorar. Uma ideia é a da bioeconomia da floresta em pé, da preservação. Para dar um exemplo ilustrativo: ao explorar o babaçu, que é nativo da floresta, é possível explorá-lo com uma estrutura de preservação da floresta em que, provavelmente, os moradores e as famílias que residem e têm atividade econômica na região vão manter um nível de extrativismo para fornecer esse recurso para a cadeia industrial, que pode valorizá-lo, identificar os principais produtos, e dar valor para esse recurso. Nesse sentido, a bioeconomia costuma ter uma inserção regional muito forte. Além do babaçu, existem outras plantas e recursos para cosméticos e para a indústria farmacêutica que podem ser explorados.

 

 

Bioeconomia do manejo florestal

A segunda bioeconomia identificada pelo grupo da Concertação é o do manejo florestal do sistema agroflorestal, da integração entre lavoura, pecuária e floresta. Esse é um conceito que cabe no Brasil em diversas regiões e pode ser muito interessante porque tem o potencial de utilizar as áreas degradadas. Provavelmente, as áreas degradadas no Brasil podem ser maiores que as áreas cultivadas. Então, há um potencial de aproveitamento. Existem projetos desse tipo no território brasileiro, em que se conjuga reflorestamento com criação de gado e com lavouras, ou seja, se faz uma combinação virtuosa, explorando de forma virtuosa a madeira e outros recursos. Esse conceito é chamado de integração lavoura-pecuária-floresta - ILPF.


Bioeconomia de exploração intensiva

O terceiro modelo seria o da bioeconomia de exploração intensiva. Seria a bioeconomia que sairia da cana-de-açúcar, que é uma monocultura muito produtiva em São Paulo e no Centro-Oeste. Caberia aplicar o mesmo modelo para o milho, a soja e para outras culturas nas quais o país é muito forte, sem esquecer a floresta plantada, que é diferente da floresta nativa. A floresta plantada tem recursos extraordinários e o país tem uma capacidade de produção na floresta plantada que é espetacular, além de uma industrialização notável em papel e celulose, na qual o país é referência no mundo. Tranquilamente, seria possível derivar essas atividades para uma variedade de produtos com base em biorrefinarias, dentro de um conceito de bioeconomia. Da mesma forma, a soja e o milho, porque essas são atividades cuja forma de exploração e de exportação em grandes quantidades de commodities abre oportunidades enormes de bioeconomia não só nos grãos que são exportados, mas nos resíduos desses processos. O mesmo pode ser feito em outras cadeias, como na do leite e das proteínas animais. Essas são cadeias nas quais o Brasil é fortíssimo e que tem oportunidade de elaboração em torno desses recursos. Muito frequentemente os resíduos dessas cadeias não são considerados. Até mesmo os resíduos urbanos podem entrar como recurso. Ou seja, tem muito espaço para a exploração.

 

 

IHU - A biodiversidade pode sustentar um novo ciclo de industrialização para o Brasil, em contraposição ao agronegócio, que é criticado, mas se sustenta por causa do seu peso na balança comercial brasileira? Em que a bioeconomia se diferenciaria de outros ciclos de desenvolvimento, como o baseado no agronegócio?

José Vitor Bomtempo – Se falamos em bioeconomia, estamos falando em dar um passo à frente nesse modelo. Ter a metade da cana-de-açúcar do mundo, como o Brasil tem, com a produtividade que tem, exigiu esforços e desenvolvimento tecnológico durante alguns anos. Posso falar a mesma coisa em relação à soja e à floresta plantada. O que a bioeconomia tenta propor para todos esses recursos é transformá-los em uma base de industrialização e valorização maior do que a mera exportação do recurso. Hoje, a exportação desses produtos sustenta uma parte expressiva da balança comercial brasileira. Seria pior se não existisse esse tipo de recurso e capacidade, mas é preciso enxergar que neste momento, em que a base para a produção dos produtos químicos, dos plásticos e dos materiais em geral tende a sair da base fóssil para passar para uma base natural, o que se tem é uma oportunidade de valorização desses recursos naturais. Essa seria a perspectiva que a bioeconomia tenta oferecer. Esse desenvolvimento certamente vai exigir novos conhecimentos, novos conceitos industriais e evoluções na própria maneira de produzir os insumos, os fertilizantes. Toda a lógica de produção está em transformação e evolução; o setor teria que ir incorporando essas transformações.

Trata-se de uma base do que possivelmente será a industrialização dos próximos 30 ou 40 anos, e que é muito atraente para o país, porque possui uma base de recursos que não tem precedentes. Há um nível de conhecimento inicial, ao qual ainda precisa ser agregado bastante coisa, mas este também é um processo em construção em outros países. Então, é uma grande oportunidade para um país como o Brasil, que tem um grau médio em outros segmentos, e um potencial muito grande de criar essa industrialização.

 

 

Esse modelo de industrialização tem diferenças importantes, porque se baseia em recursos naturais, que, sendo muito específicos, exigem esforços próprios para resolver boa parte dos problemas. Se você for ver a história da soja e da floresta plantada de eucalipto, é uma história de criação de conhecimento e tecnologias no Brasil, porque foi feita para a adaptação dessas plantas. Houve uma trajetória de pesquisa e desenvolvimento que permitiu à floresta plantada, que dá produtividade à indústria de papel e celulose, se desenvolver de uma maneira própria. A bioeconomia, ao usar os recursos renováveis, cai frequentemente nisto: cada planta, em cada região, tem e terá desafios de processos bastante específicos. É diferente e não dá para fazer comparações com outras atividades, como explorar petróleo, construir carros, ou fazer petroquímica.

 

IHU - Quais são os setores que mais apostam nesse modelo, quais resistem e como o Estado brasileiro tem se posicionado nesse debate?

José Vitor Bomtempo – Vou começar pelo final. Não temos, como alguns países crescentemente têm feito, uma política ou uma estratégia nacional de bioeconomia. O que existe são trabalhos e estudos bastante bons, dentro dos ministérios, nos corpos técnicos, que tentam caminhar para uma política nacional, como no Ministério de Ciência e Tecnologia. Também há iniciativas interessantes dentro do Ministério da Agricultura, do Ministério de Minas e Energia, voltadas à bioenergia, e alguma coisa no Ministério das Relações Exteriores, com participação em redes internacionais, como na Plataforma para o Biofuturo, que foi liderada pelo Brasil na sua constituição há uns cinco anos. Também há interesses estaduais. O estado do Pará está recebendo o Fórum Mundial da Bioeconomia, uma iniciativa finlandesa e que pela primeira vez ocorre fora da Finlândia. São iniciativas interessantes, mas esparsas.

 

 

No campo das empresas, acontece mais ou menos a mesma coisa: encontramos alguns exemplos. A maior empresa brasileira na área química, a Braskem, tem iniciativas nesse processo, criou laboratórios, e tem um produto, o polietileno de base renovável feito a partir do etanol, com circulação no mundo todo. É uma iniciativa pequena considerando o tamanho da empresa, mas são iniciativas que estão nesse caminho. Algumas empresas da área de biocombustível, recentemente, começaram a sair do seu produto tradicional e a enxergar possibilidades de diversificação da produção, com a produção de biogás, por exemplo. Existem outras oportunidades que talvez precisassem de programas de governo mais estruturados, como combustível de aviação, bio-hidrogênio, ou a captura de CO2. Mas, sem dúvida, falta uma estratégia, uma política que tenha continuidade e ambição.

O nosso maior defeito na bioeconomia pode ser a falta de ambição. A Mariana Mazzucato tem falado de projetos orientados por missão. Ela faz uma analogia com o projeto americano da Nasa de colocar o homem na lua e identifica uma série de projetos que envolvem uma meta. No caso do Brasil, se o país quisesse ser protagonista em bioeconomia no mundo em 2035, precisaria ter uma meta e uma estruturação a partir dessa ambição. Não temos essa estrutura, essa coordenação. Isso é sofisticado e exige esforço e coordenação. Estamos, ao menos, introduzidos no assunto, para um projeto desse tipo que abrange – e é importante que o conceito de bioeconomia deixe isso claro – tanto os setores tradicionais, ultraprodutivos e exportadores, quanto a biodiversidade, os recursos dos biomas brasileiros.

 

 

IHU - Como pensa o desenvolvimento da bioeconomia em relação aos povos tradicionais, indígenas, ribeirinhos, quilombolas? Como inseri-los nesse processo?

José Vitor Bomtempo – Só dá para defender a bioeconomia se esse processo [de desenvolvimento] mantiver a floresta em pé. Mas, para isso, não temos outra saída a não ser incorporar os povos da região. É preciso que eles sejam considerados e que esse processo gere recursos e melhora de vida para eles, porque do contrário, a opção vai continuar sendo sempre a do desmatamento. Imagine a pressão que sofre alguém vivendo numa área limítrofe com a área desmatada, onde está em expansão a produção de soja, gado, gerando receita e renda, e essa pessoa vive em uma área dita preservada, na pobreza e na dificuldade. Tal processo é condição para a existência desse modelo. Temos que resolver esse problema, melhorar essa dimensão, que precisa estar presente no processo de valorização do recurso.

As pessoas que vivem nessas regiões falam muito da sociobiodiversidade, e essa é uma dimensão que precisa ser levada em conta. Não tem saída. Como vamos achar que não deve haver mineração, soja e gado se, para explorar os recursos elaborados da biodiversidade, acabamos caindo no mesmo problema? Alguns dizem que a exploração de açaí já estaria fazendo esse mesmo caminho. Mas esse é o desafio. Existem exemplos de atividades que são bem-feitas, respeitadoras, que inserem as comunidades na cadeia produtiva.

 

 

IHU - Que contribuições a bioeconomia pode dar no enfrentamento das mudanças climáticas e para assegurar a transição energética?

José Vitor Bomtempo – O simples fato de usar recursos renováveis não significa que o balanço de emissão de CO2 será positivo, porque pode ter havido etapas renováveis, mas é preciso conferir qual será o desempenho dos produtos. Os processos de bioeconomia têm a possibilidade de se encaixar numa perspectiva de processos ambientalmente superiores. Por exemplo, a Braskem, quando vende o polietileno à base de etanol, tenta mostrar que foi feito um estudo, o qual pode certificar que esse plástico é “igual” ao feito a partir do petróleo, mas emite menos CO2. Então, ao modificar a produção de materiais, de químicos  e de ingredientes para cosméticos e outros produtos, a bioeconomia deve, nesses processos, ser capaz de entregar produtos com níveis de emissão de CO2 mais baixos ou zerados e, quem sabe, em alguns casos, até negativos. É uma ambição.

Na bioenergia não é diferente. Pensando na transição energética, os estudos internacionais identificam necessidades ainda significativas de biocombustíveis para os próximos 30, 40 anos. Algumas áreas, como aviação, transporte marítimo, transporte pesado, têm dificuldade de passar para um modelo elétrico. Além disso, são áreas projetadas como sendo potenciais para uso de biocombustíveis adequados. O volume de biocombustível apontado para aviação, o Sustainable Aviation Fuels - SAF, projetado para os próximos anos, é enorme. O que é capaz de se produzir hoje é visto como uma gotinha, uma parte muito pequena do que se espera para as próximas décadas. Então, haverá uma participação dos energéticos avançados [na transição energética]. Ainda nessas atividades – e isso incluiria o nosso velho etanol de guerra – há uma perspectiva de avanço da captura do próprio CO2. Na projeção feita sobre a quantidade de etanol que será necessária até 2050, coloca-se também a captura do CO2 no processo de produção do etanol. Ou seja, identifica-se a bioenergia com a captura e utilização do próprio CO2. Então, estamos falando de mudança climática e da transição energética.

O hidrogênio pode ter diversas origens e uma delas é a bioenergia. O próprio etanol e o biogás poderão ter uma participação bastante importante. Isso faz parte da bioeconomia, é utilização sustentável e economicamente desejável dos recursos renováveis.

 

 

IHU – O senhor é otimista em relação ao uso das tecnologias e da bioeconomia para enfrentar as mudanças climáticas?

José Vitor Bomtempo – Esse modelo pode dar uma contribuição, mas como, no geral, vamos resolver esses problemas, é uma questão difícil. Talvez o que eu esteja querendo dizer com o que você chamou de otimismo, com razão, é que existe um conjunto de possibilidades, de pedaços de solução. Mas tudo isso são pedaços. Precisaria costurar isso em um nível internacional, com acordos e fóruns internacionais, como a COP, que está se avizinhando, e nacional. Então, tem uma agenda que é multilateral, do mundo, e tem a nossa. A questão é como podemos traduzir isso em uma oportunidade. Esse é o ponto que eu gostaria de sublinhar.

 

Nota:

[1] Vinhaça, vinhoto, tiborna ou restilo é o resíduo malcheiroso que resta após a destilação fracionada do caldo de cana-de-açúcar fermentado, para a obtenção do etanol. Para cada litro de álcool produzido, 13 litros de vinhaça são deixados como resíduo, que pode se apresentar na forma líquida ou pastosa. (Nota do IHU)

 

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