Deficiências na estrutura institucional do país e na educação impedem Brasil de competir e investir em ciência e tecnologia. Entrevista especial com Maria Lídia Dias

Tecnologia | Foto: Jornal GGN

Por: Patricia Facchin | 26 Março 2019

A política industrial brasileira ainda “não está alinhada” às transformações tecnológicas geradas pela Revolução 4.0, assegura a pesquisadora Maria Lídia Dias, ao apresentar os dados de 2018 do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços – MDIC sobre a intensidade tecnológica das exportações brasileiras. “Nossas exportações são compostas por atividades econômicas 41,08% não industriais, 23,3% de baixa tecnologia, 15,16% de média-baixa tecnologia, 16,23% de média-alta tecnologia e 4,24% de alta tecnologia. (...) Assim, com base nesses dados, podemos dizer que hoje as nossas exportações são de grande parte não industriais e compostas principalmente por atividades que apresentam um baixo coeficiente de investimento em Pesquisa e Desenvolvimento - P&D”, afirma.

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail para a IHU On-Line, Maria Lídia informa que “na década de 80 a participação da indústria no PIB era de cerca de 30%, hoje esse valor está em cerca de 10%. Esses números falam por si”. Segundo ela, “a dificuldade do Brasil de competir e investir em ciência e tecnologia se deve mais a deficiências na estrutura institucional do país e na educação”. A principal consequência desse cenário, adverte, “é o Brasil perder a oportunidade de se colocar como um país produtor e exportador de tecnologia, e reduzir as chances de inserção de mão de obra no mercado de trabalho”.

Maria Lídia Dias é graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP e em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo - USP, mestra e doutora em Ciências, no programa de Engenharia Elétrica da Escola Politécnica da USP. Atualmente é advogada e pesquisadora do Grupo de Automação Elétrica em Sistemas Industriais Escola Politécnica da Universidade de São Paulo - GAESI/EPUSP.

Maria Lídia esteve no Instituto Humanitas Unisinos – IHU ontem, 25-03-2019, participando do “4º Ciclo de Estudos Revolução 4.0. Impactos nos modos de produzir e viver”, onde ministrou a palestra “O contexto mundial da Revolução 4.0 e as (não) escolhas do Brasil”.

 

Confira a entrevista.

IHU On-Line - A política industrial brasileira está alinhada com as mudanças da Revolução 4.0?

Maria Lídia Dias - Hoje, de acordo com dados de 2018 do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços - MDIC, englobado pelo Ministério da Economia, no que tange às intensidades tecnológicas, as nossas exportações são compostas por atividades econômicas 41,08% não industriais, 23,3% de baixa tecnologia, 15,16% de média-baixa tecnologia, 16,23% de média-alta tecnologia e 4,24% de alta tecnologia. O que isso significa? Essa classificação, baseada na metodologia da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico - OCDE (Organisation for Economic Co-operation and Development - OECD), avalia os produtos de acordo com a relação entre o montante que o setor investe em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) e a receita líquida de vendas. Essa classificação revela, portanto, "uma importante parte do esforço empreendido pelas empresas no que toca à questão tecnológica."

Com base na Classificação Nacional de Atividades Econômicas – Cnae, as atividades econômicas exportadoras são listadas. Separa-se aquelas não industriais, e, para classificar as industriais de acordo com o seu grau de intensidade tecnológica, parte-se da premissa de que maior será esse grau quanto maior for o seu investimento em P&D em relação a sua receita líquida de vendas. As atividades não industriais são ordenadas em função do coeficiente obtido e separadas em quatro blocos. Cada um desses quartis corresponde a um dos extratos: baixa, média-baixa, média-alta e alta tecnologia.

Assim, com base nesses dados, podemos dizer que hoje as nossas exportações são de grande parte não industriais e compostas principalmente por atividades que apresentam um baixo coeficiente de investimento em P&D; nesse sentido, entendo que não está alinhada.

IHU On-Line - O Brasil está atento às mudanças que já estão sendo geradas pela Revolução 4.0?

Maria Lídia Dias - O governo está apresentando iniciativas neste sentido, via Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial - Emprapii, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES, Confederação Nacional da Indústria - CNI, Federação das Indústrias do Estado de São Paulo - Fiesp, entre outras. Assim, entendo que o Brasil está atento às mudanças.

IHU On-Line - Uma das grandes críticas feitas à política industrial brasileira nos últimos anos é que não há grandes incentivos para a modernização da indústria, como incentivo para pesquisa e tecnologia. Concorda com essa crítica? A dificuldade do Brasil de competir e investir em ciência e tecnologia se deve mais à falta de incentivo de uma política industrial ou está relacionada ao modo de as empresas operarem no país?

Maria Lídia Dias - Na década de 80 a participação da indústria no PIB era de cerca de 30%, hoje esse valor está em cerca de 10%. Esses números falam por si. A dificuldade do Brasil de competir e investir em ciência e tecnologia se deve mais a deficiências na estrutura institucional do país e na educação.

IHU On-Line - Quais são os setores que mais investem em ciência e tecnologia hoje no Brasil? Eles recebem algum tipo de incentivo para isso?

Maria Lídia Dias - Não posso falar pelo mercado em geral, mas no meu grupo de pesquisa os setores que mais nos procuram atualmente são o Agronegócio e a Saúde. Em função de nossas pesquisas, pudemos concluir que o Sistema Único de Saúde - SUS a curto prazo poderá ser muito beneficiado pela adoção de tecnologias 4.0.

IHU On-Line - Como o Brasil se insere no contexto mundial da Revolução 4.0? Quais são as dificuldades do país de se inserir nesse contexto?

Maria Lídia Dias - De acordo com o relatório do Word Economic Forum, “Readiness for the future of production report 2018”, o Brasil se encontra na condição de país nascente. Isso significa que hoje ele tem uma base de produção limitada que exibe um baixo nível de preparo para o futuro dada a análise dos componentes catalisadores de produção (tecnologia e inovação; capital humano; comércio global e investimento; framework institucional; recursos sustentáveis e demanda sustentável). A conclusão do relatório para o Brasil é que as prioridades seriam melhorar o framework institucional e o capital humano. Concordo com essa análise.

IHU On-Line - Quais são as dificuldades do Brasil em termos de investimentos e incentivos em ciência e tecnologia?

Maria Lídia Dias - Falta de uma política adequada para isso, com integração dos centros de conhecimento da inteligência nacional.

IHU On-Line - Em que países do mundo os incentivos à Revolução 4.0 são maiores e as empresas são mais competitivas?

Maria Lídia Dias - Ainda de acordo com o relatório do Word Economic Forum, “Readiness for the future of production report 2018”, em termos de prontidão, por eles definida como a “habilidade para capitalizar oportunidades futuras, mitigar riscos e desafios, e ser resiliente e ágil ao responder a choques futuros”, 25 países estão dispersos no arquétipo de Leading Countries (países líderes). Esse arquétipo indica que no cenário atual esses países têm alta prontidão visto possuírem uma forte base de produção e um forte desempenho em relação aos componentes catalisadores de produção. Em termos de estrutura de produção, os 10 primeiros, em ordem decrescente, são: Japão, Coreia do Sul, Alemanha, Suíça, China, República Tcheca, Estados Unidos da América, Suécia, Áustria e Irlanda. Em termos dos fatores catalisadores de produção, a ordem, no entanto, é, do primeiro para o décimo: Estados Unidos da América, Cingapura, Suíça, Reino Unido, Holanda, Alemanha, Canadá, Suécia, Dinamarca e Finlândia.

IHU On-Line - Quais são as consequências do atraso brasileiro no ingresso da Revolução 4.0?

Maria Lídia Dias - A principal consequência que percebo é o Brasil perder a oportunidade de se colocar como um país produtor e exportador de tecnologia, e reduzir as chances de inserção de mão de obra no mercado de trabalho. A indústria precisa crescer para o país crescer, e a educação para a capacitação da mão de obra futura e atual precisa ocorrer. Além disso, temos no Brasil o desafio de vencer as heterogeneidades de nossas regiões. Nesse sentido, é importante haver a união do setor público com o setor privado.

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