02 Julho 2025
A relatora apresenta um relatório ao Conselho de Direitos Humanos detalhando a responsabilidade de dezenas de empresas nas políticas de ocupação, apartheid e genocídio de Israel na Palestina.
A reportagem é de Pablo Elorduy, publicada por El Salto, 02-07-2025.
A Relatora Especial das Nações Unidas para os Territórios Palestinos, Francesca Albanese, divulgou ontem, 1º de julho, seu relatório "Da Economia da Ocupação à Economia do Genocídio", detalhando quais empresas cooperaram com a ocupação de territórios na Cisjordânia e o genocídio em curso que Israel está cometendo em Gaza. Ela deve apresentá-lo ao Conselho de Direitos Humanos da ONU na próxima quinta-feira, em uma sessão que será transmitida ao vivo.
Albanese destacou a cumplicidade de fabricantes de armas, empresas de tecnologia, construtoras, bancos e universidades na economia de ocupação, no apartheid e no genocídio gerados por Israel na Palestina. Nem todos estão envolvidos, mas todos estão, conclui a relatora, reconhecendo que seu relatório detalhado "constitui apenas uma fração de uma estrutura muito mais profunda de envolvimento corporativo" com o sistema de apartheid, que levou ao extermínio por mais de 20 meses.
“A cumplicidade exposta no relatório é apenas a ponta do iceberg; isso não terminará sem responsabilizar o setor privado, incluindo seus executivos”, escreve Albanese no resumo de seu relatório de 39 páginas, que analisa reportagens da imprensa, arquivos e o direito internacional atual para apontar os vários graus de responsabilidade de empresas internacionais como a Lockheed Martin e a Leonardo SPA, fabricantes de caças, mas também de gigantes da tecnologia como a Amazon e a Google, provedoras de serviços algorítmicos essenciais para assassinatos por drones.
O relatório também detalha a cumplicidade de uma gama diversificada de empresas, desde redes de supermercados como Carrefour até a transportadora AP Moller – Maersk A/S, identificadas por grupos organizados dentro do movimento BDS como cúmplices de Israel. Inclui também dois dos aplicativos mais populares de reserva de hotéis e aluguel de férias: Booking.com e Airbnb, empresas que operam nos territórios ocupados.
“Enquanto a vida em Gaza é devastada e a Cisjordânia sofre ataques crescentes, este relatório mostra por que o genocídio de Israel continua: porque é lucrativo para muitos”, conclui Albanese.
No setor financeiro, o BNP Paribas e o Barclays são dois dos bancos comerciais destacados pela relatora da ONU. O mecanismo lucrativo tem sido o seguinte: Israel dobrou seu orçamento de defesa de 4,2% para 8,3% do PIB entre 2022 e 2024. Isso levou o governo do suposto criminoso de guerra Benjamin Netanyahu — segundo o Procurador do Tribunal Penal Internacional — a aprovar a emissão de títulos, "incluindo US$ 8 bilhões em março de 2024 e US$ 5 bilhões em fevereiro de 2025". Esses bancos subscreveram esses títulos do Tesouro internacional, bem como emissões domésticas.
Os fundos de investimento Blackrock (68 milhões), Vanguard (546 milhões) e PIMCO, da Allianz (960 milhões), estão na lista de 400 entidades — de 36 países diferentes — que contribuíram para as demandas de Israel em sua campanha de extermínio. O setor financeiro está presente desde o início da ocupação, do apartheid e do genocídio como um "facilitador" das operações israelenses. Neste capítulo, Albanese também aponta para um punhado de universidades, "centros de crescimento intelectual e poder" que sustentaram a ideologia política que permite a colonização de terras palestinas, desenvolveram armas e "ignoraram ou até mesmo apoiaram a violência sistêmica".
Em seu relatório, Albanese destaca o papel facilitador desempenhado pela Comissão Europeia por meio do programa Horizonte Europa, um programa que, somente no caso da Espanha, levou à assinatura de 44 acordos universitários com Israel, contrariando as precauções impostas pelo Tribunal Internacional de Justiça.
O Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) é outro dos destacados por Albanese, que destaca como os projetos notáveis do Ministério da Defesa de Israel com esta instituição incluem o controle de enxames de drones, uma característica distintiva do ataque israelense a Gaza desde outubro de 2023.
Albanese também se refere aos lucros de 97 empresas incluídas na última atualização do banco de dados do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), que agrupa empresas que "direta e indiretamente possibilitaram, facilitaram e se beneficiaram da construção e do crescimento de assentamentos", de acordo com dez tipos específicos de atividades.
Entre as empresas citadas por Albanese está a basca Construcciones Auxiliar de Ferrocarriles (CAF). Em violação ao direito internacional, a CAF constrói, equipa e opera linhas de bonde entre a cidade ocupada de Jerusalém e os novos assentamentos próximos em um consórcio com a empresa israelense Shapir Engineering.
Além disso, diversas empresas relacionadas ao setor de construção e máquinas pesadas são mencionadas no relatório, incluindo a Caterpillar Inc., a HD Hyundai (e sua subsidiária Doosan) e o Grupo Volvo.
O setor energético global é outro ator-chave em um relatório que classifica até onze empresas de energia e fornecimento implicadas no apartheid e na punição coletiva sofrida pelos territórios palestinos. Neste caso, são destacadas empresas extrativas como Chevron Corporation, NewMed Energy e British Petroleum, bem como empresas fornecedoras de carvão e outras fontes de energia, como Petrobras (petróleo) e Glencore (carvão).
O grande vencedor, no entanto, é o setor de armas. O relatório destaca que as empresas israelenses Elbit Systems e Israel Aerospace Industries registraram um aumento acentuado em seus lucros anuais. Ambas construíram drones, hexacópteros e quadricópteros, "máquinas de matar onipresentes" nos céus de Gaza. Em março deste ano, a Elbit anunciou lucros recordes e destacou que a receita aeroespacial aumentou 27% no quarto trimestre de 2024 em comparação com os últimos três meses de 2023.
A já mencionada Lockheed Martin, cujos F-35 e F-36 forneceram às Forças Armadas Israelenses (IDF) um “poder aéreo sem precedentes” e permitiram que elas lançassem cerca de 85.000 toneladas de bombas sobre Gaza — mais do que foram lançadas durante a Segunda Guerra Mundial.
O relatório também destaca a cumplicidade com Israel da Palantir Technologies Inc., empresa fundada por Peter Thiel, um dos principais apoiadores políticos do governo Trump. Segundo Albanese, "há motivos razoáveis para acreditar que a Palantir forneceu tecnologia de policiamento preditivo automatizado, infraestrutura de defesa essencial para a construção e implantação rápida e em larga escala de software militar, e sua plataforma de Inteligência Artificial, que permite a integração de dados do campo de batalha em tempo real para a tomada de decisões automatizada". A Palantir é financiada pela Vanguard e pela Blackrock.
Como estrutura, Albanese inclui uma visão geral da responsabilidade legal de entidades corporativas nos Territórios Palestinos Ocupados. Ela destaca a jurisprudência que responsabiliza entidades corporativas por condutas exploratórias, abusivas e até criminosas em casos de apartheid e genocídio, com base nos Princípios Orientadores da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos, bem como as ordens do Tribunal Internacional de Justiça e do Tribunal Penal Internacional que colocaram todas as partes "sob aviso explícito" do risco de genocídio, "expondo assim todos aqueles que continuam a auxiliar, incitar ou auxiliar Israel na prática de tais atos a potencial responsabilidade internacional por cumplicidade em genocídio", conclui o relatório.