28 Novembro 2018
A 42ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo vai exibir até o final deste mês mais de trezentos filmes de todo o planeta. Mas bastaria um para justificar o evento: Infiltrado na Klan, de Spike Lee, cuja primeira sessão, na noite de ontem (18/10) no Cinesesc, suscitou aplausos calorosos e gritos de “Ele não”. Se nos Estados Unidos o alvo é Donald Trump, no Brasil ele tem outro nome.
O comentário é de José Geraldo Couto, crítico de cinema e tradutor, em artigo publicado por Instituto Moreira Sales – IMS, 19-10-2018.
É talvez a melhor obra do diretor, que parece condensar ali toda a energia de seus primeiros trabalhos e a experiência acumulada ao longo de uma carreira irregular, mas sempre muito pessoal. Inspirado na história real do policial negro Ron Stallworth (John David Washington), que no final dos anos 1970 se infiltrou nas fileiras da Klu Klux Klan, o filme articula o sempre veemente discurso antirracista de Spike Lee a uma narrativa policial clássica, engenhosamente glosada e, no limite, desconstruída.
Com isso, Infiltrado na Klan consegue a proeza de ser ao mesmo tempo engraçado e eletrizante, modulando esses dois estados de modo às vezes gradual, outras vezes brusco. O que encanta na sua abordagem do tema racial é que ela nunca se restringe a uma denúncia vitimista da opressão, mas se desdobra numa exaltação da negritude, com suas potências e suas belezas. Isso se expressa por exemplo, na sequência do comício do líder black panther Stokely Carmichael (Corey Hawkins) em Colorado Springs, seguido por uma festa animada por contagiante black music. Aliás, a trilha sonora (James Brown, Cornelius Brothers, The Temptations, Prince) é, como sempre em Spike Lee, uma atração à parte.
Outro traço recorrente do diretor, a releitura crítica da indústria cultural norte-americana, ganha aqui um tom ácido na exposição do racismo constituinte de clássicos como E o vento levou e, principalmente, O nascimento de uma nação. A sessão deste último para um entusiástico grupo de fanáticos da Klu Klux Klan poderia parecer exagerada e caricatural se não soubéssemos que a realidade é ainda pior.
Mas é para os minutos finais que Spike Lee reserva seu lance mais ousado e certeiro. Quando tudo parece se encaminhar para o happy end clássico dos filmes policiais, com os mocinhos punindo os bad guys e comemorando sua camaradagem, o diretor quase literalmente nos atropela com a brutalidade da história, mostrando o que persiste do passado no presente.
De quebra, há as atuações magistrais do protagonista John David Washington e do sempre bom Adam Driver como o seu parceiro judeu Flip Zimmerman. Na já tradicional homenagem de Lee a um astro negro do passado, o veterano Harry Belafonte descreve com voz trêmula mas serena o horripilante caso de linchamento de um rapaz negro.
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