14 Outubro 2025
Alguns saíram para ver a casa. A maioria permaneceu no complexo, aguardando que a libertação dos reféns israelenses alivie a situação na Cidade de Gaza. Aqueles que se aventuraram até o mercado fizeram um avistamento que despertou espanto: "Voltaram correndo para me dizer que havia um frango... um frango! Não víamos um aqui há dois anos! Enfim, não o compramos; era muito caro e certamente não bastaria para todos."
Uma risada vem do telefone: nestes dois anos, o Padre Gabriel Romanelli nunca perdeu a esperança e o otimismo.
A entrevista é de Francesca Caferri, publicada por La Repubblica, 13-10-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Ingredientes necessários, juntamente com a fé, para permanecer à frente da comunidade da Paróquia Sagrada Família de Gaza, 450 almas aglomeradas no complexo da igreja por dois anos em meio à guerra. Ontem, porém, sua voz estava diferente: dava para sentir que estava aliviado, mas também exausto.
Eis a entrevista.
Padre, como vocês estão?
Bem. Estamos bem. Acordamos essa manhã nos perguntando por que não estavam bombardeando; parecia estranho. Demorou um pouco para percebermos que acabou, pelo menos por enquanto. Estávamos quase acostumados.
O que dizem os paroquianos?
Por um lado, há uma grande alegria, felicidade, serenidade. Mas há dois outros sentimentos: o primeiro é a tristeza, a constatação que despenca sobre nós de que perdemos tudo, absolutamente tudo. A casa, as memórias, os bens, as coisas mais simples da vida: os documentos, a escola, os lugares onde íamos para relaxar. Gaza era cheia de vida, agora está em ruínas. Por fim, há a angústia pelo futuro: o que vai acontecer? É verdade que acabou? Já aconteceu antes de as partes não respeitarem o que havia sido acordado. Temos fé que acabou, mas também estamos cientes da enormidade do que nos espera. E só agora estamos começando a entender até que ponto estamos cansados, estamos exaustos, eu diria.
O que vocês precisam?
Eu diria tudo. Mas as primeiras coisas já estão chegando. O Patriarcado Latino de Jerusalém conseguiu nos enviar alguma ajuda há dois dias: frutas e verduras frescas não se viam aqui há muito tempo. Agora estamos começando a distribuí-las às famílias ao nosso redor. Depois, teremos que dar uma olhada nas casas, porque estas últimas semanas fizeram enormes danos aqui na Cidade de Gaza. Aqueles que saíram encontraram suas casas destruídas, ou parcialmente destruídas, se tiveram sorte.
Aqueles que ainda têm dois cômodos, talvez um banheiro, acham que voltarão e recomeçarão disso. Dizem que o gás voltará em breve; já faz dois anos que não o temos, e queimamos tudo: as cadeiras, as portas, o plástico. E para a energia elétrica, nos arranjamos com painéis solares e geradores, mas a maioria deles foi destruída. Depois, virão as outras necessidades, que não são menos urgentes.
Escolha uma...
É difícil. Sentimo-nos como se tivesse acabado de passar um tsunami. Há destroços às nossas costas, e ficamos olhando para frente, tentando descobrir se outro virá. Mas, já que me perguntou, vou falar, a escola: as crianças perderam três anos letivos. Conseguimos dar um jeito nos dois primeiros, mas apenas para aqueles que estavam aqui na paróquia. As crianças que vinham de fora para as nossas escolas ficaram sem aula: terão que se recuperar, mas não há mais escolas e não há mais nem todos os alunos, porque morreram. A escola é o futuro.
O senhor acredita que seus paroquianos permanecerão em Gaza depois dessa guerra?
Alguns estão pensando em se reunir com suas famílias no exterior. Alguns já fugiram, então presumo que outros irão embora, porque a destruição é tão grande... Há famílias que vêm falar comigo e dizem: 'Amamos nosso país, mas quantos anos levará até que possamos recomeçar? Em que condições as pessoas e as famílias viverão?' Também precisamos entender quem governará, quem manterá a ordem, é realmente muito cedo...
Daqui a poucas horas, o Egito discutirá o futuro da Faixa de Gaza e a autoridade designada para governá-la. O que pensam as pessoas ali?
Para muitos, basta que alguém mantenha a ordem e garanta os direitos. Aqui, nos últimos 20 anos, as pessoas não fizeram nada além de viver em meio a guerras. Há crianças que sabem que a guerra é uma parte normal de suas vidas. Todos querem que acabe de uma vez por todas, para que o direito dos palestinos de coexistir com Israel seja respeitado nesse novo Oriente Médio. Que é o que a Igreja sempre defendeu.
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