19 Setembro 2025
Dezenas de milhares de pessoas estão se preparando para se mudar para o sul do enclave enquanto Israel corta suas comunicações com o mundo exterior e Smotrich retoma os planos de transformar o enclave em uma "Riviera do Oriente Médio" expulsando toda a sua população.
A reportagem é de Queralt Castillo Cerezuela, publicada por El Salto, 19-09-2025.
A Cidade de Gaza, capital do enclave e onde quase um milhão de pessoas se refugiaram recentemente, está passando por seus momentos mais difíceis. Além dos bombardeios aéreos, da intensificação dos ataques terrestres do exército israelense e da ordem de evacuação de milhares de pessoas, interrupções nas comunicações e na internet se somaram nas últimas horas, dificultando significativamente o fluxo de informações em terra. Segundo relatos da cidade, a conexão está altamente instável.
Ibrahim, um cidadão de Gaza residente na Espanha, não tem notícias da família há três dias: sua mãe, seus quatro irmãos com seus respectivos parceiros e seus quatro sobrinhos. Outro cidadão de Gaza, também residente na Espanha e que prefere permanecer anônimo, conta ao El Salto que "cortaram a conexão e não há internet". As ligações internacionais parecem ainda funcionar, mas são muito caras. "Não posso gastar mais dinheiro com recargas", diz ele. Ele não tem notícias da esposa há cinco dias, "mas consegui perguntar a pessoas que moram perto dela, e elas me disseram que receberam 48 horas para deixar o norte".
A história de Shad Abusalama, natural da Cidade de Gaza e residente em Barcelona, é semelhante: “Estou devastada. Procuro qualquer esperança de vida para a minha família. Consegui falar com Mahmud [seu primo] ontem numa chamada internacional. Também consegui falar com ele hoje, e ele confirmou que está bem, mas o horror é imenso. Tanques os perseguem, e as pessoas têm a sensação de que este é o último suspiro de Gaza — é assim que descrevem”, explica ela, abalada.
Sem água nem comida e à mercê do exército sionista
Dos milhões de habitantes que inicialmente viviam na Cidade de Gaza e do meio milhão que permanecia no início de agosto, estima-se que quase 200 mil já tenham iniciado seu deslocamento forçado para o sul, já que nesta quarta-feira, 17 de agosto, Israel abriu uma segunda estrada e deu um prazo de 48 horas para a evacuação da população. No entanto, "não há para onde ir, para o sul. É preciso comprar barracas, pagar um caminhão para transportar suas coisas. É uma loucura", explica esta fonte de Gaza que vive na Espanha. Não apenas a população da Cidade de Gaza está enfrentando problemas de comunicação e acesso à internet; também há interferências em outras regiões do enclave.
Para os milhares de pessoas que estão sendo deslocadas à força para o sul, em direção a campos de refugiados superlotados, onde não há água limpa, comida ou remédios, o futuro é tão incerto como se permanecessem na Cidade de Gaza, à mercê da brutalidade do estado sionista.
“A população enfrenta uma escolha impossível: ficar e sofrer a ofensiva militar ou abandonar tudo e migrar para o sul, onde não há espaço nem recursos suficientes. As necessidades são avassaladoras: comida, água e assistência médica”, afirma Médicos Sem Fronteiras (MSF). A ONG denunciou recentemente um ataque deliberado das forças israelenses a um caminhão de distribuição de água na Cidade de Gaza, “claramente identificado como pertencente à MSF”, em meio a um acesso cada vez mais restrito à água potável. “Trata-se de uma tentativa deliberada de sabotar a distribuição de água à população civil”, afirma a organização.
Nas últimas horas, ataques também ocorreram perto de Kissufim, a leste de Deir al-Balah, no centro de Gaza, e o Ministério da Saúde de Gaza relatou um ataque ao Hospital Infantil Al Rantisi, que causou feridos, mas nenhuma morte.
Smotrich e seus planos “imobiliários”
Paralelamente aos bombardeios e às ordens de evacuação, alguns em Israel já se preparam para dividir o território devastado. Há poucas horas, o Ministro das Finanças de extrema direita, Bezalel Smotrich, compartilhou seus planos "imobiliários" para o enclave com a imprensa e declarou que estava em negociações com os Estados Unidos para decidir o futuro de Gaza.
Assim, a divisão do território e sua transformação em uma "Riviera do Oriente Médio" estão mais uma vez em pauta, não apenas para exterminar o povo palestino que ali vive, mas como forma de "pagar por uma guerra" que "custou muito dinheiro", nas palavras do próprio Smotrich. Ele acredita que grande parte do trabalho já foi feito ("a demolição", a primeira fase). As declarações do extremista coincidem com uma visita a Tel Aviv esta semana do Secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio.
“As declarações do Ministro das Finanças israelense são a expressão de um erro internacional. É uma violação de uma norma peremptória do direito internacional. Especificamente, a norma que proíbe o uso da força e obriga os Estados a se absterem de usar a força armada para ocupar ou anexar um território. Portanto, a raiz dessa ideia de estabelecer ou dividir um território entre dois Estados decorre de um erro internacional e, portanto, é denunciável”, explica Joana Abrisketa, especialista em Direito Internacional Humanitário e professora de Direito Internacional e Direito da União Europeia na Universidade de Deusto, ao El Salto.
Embora a ideia de uma "Riviera do Oriente Médio" tenha sido inicialmente lançada na imprensa por Donald Trump e amplamente descartada quando o alvoroço que causou na comunidade internacional e a forte oposição dos países árabes se tornaram evidentes, agora parece estar voltando com força. O Washington Post alertou sobre isso há algumas semanas, afirmando que a ideia não havia sido descartada.
Segundo relatos, o território supostamente permaneceria sob controle dos EUA por uma década, e a população de Gaza seria realocada para outros países. De fato, nos últimos meses, surgiram relatos sobre a existência de negociações com países como Uganda, Sudão do Sul e Somalilândia como possíveis destinos de realocação para a população de Gaza.
Na história recente, o que Smotrich levanta — que, como aponta Abrisketa, envolve uma violação do Artigo 2.4 da Carta das Nações Unidas e da Resolução 2625/1970 da Assembleia Geral da ONU — não é novidade. "Vladimir Putin já fez isso em 2014, quando invadiu a Crimeia, e em 2022, quando ocupou território ucraniano. Donald Trump também levantou a questão quando falou de uma possível invasão da Groenlândia; e o Marrocos fez isso em 1976, em território saarauí", conclui o especialista.
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