10 Outubro 2025
O caminho de um plano muito arriscado é repleto de riscos, mas os cálculos de Trump, o consenso na região e a fraqueza e o isolamento do Hamas dão esperança.
A reportagem é de Andrea Rizzi, publicada por El País, 09-10-2025.
O primeiro passo, extremamente complexo e fundamental, foi dado. Representantes de Israel e do Hamas selaram um acordo com base na iniciativa diplomática de Donald Trump para interromper a violência em Gaza, e o governo Netanyahu deve aprová-lo hoje. A perspectiva de sua implementação representa um alívio indescritível para os civis de Gaza, atormentados por Israel, e deve ser comemorado. Imediatamente depois, surge uma grande questão: será que isso vai durar?
Correntes poderosas empurram em direções opostas. Especular sobre o resultado final é inútil, mas é possível analisá-las.
A premissa é que o primeiro passo foi extremamente complexo devido à resistência de ambos os lados em aceitar alguns elementos do plano. No caso do Hamas, significou entregar os reféns, seu único trunfo de negociação. No caso de Israel, significou interromper uma ofensiva retaliatória que representa um grande trunfo político e pessoal para Netanyahu — que está sob graves acusações de corrupção e em alta nas pesquisas — e, no processo, renunciar à perspectiva de ocupação, anexação ou limpeza étnica da Faixa de Gaza.
Somente a intensa pressão exercida por Trump foi capaz de romper essa paralisia, alimentada pelos erros de Netanyahu. Ele cometeu um erro colossal ao bombardear o território do Catar, irritando os países sunitas da região, e outro ao escalar sua ofensiva a ponto de gerar uma onda insustentável de indignação internacional. Essas falhas facilitaram as ações de Trump.
Mas se o primeiro passo foi extremamente complexo, os passos subsequentes são, se possível, ainda mais difíceis.
O Hamas deveria renunciar às suas armas e participar da política. De fato, exige-se a capitulação completa, enquanto, ao mesmo tempo, não há garantias de respeito aos direitos palestinos. O plano de paz de Trump é, na realidade, um ditame de capitulação.
Netanyahu, por sua vez, quer garantir sua permanência no poder com um grupo de radicais difíceis de descrever, que não perderão a oportunidade de reafirmar seus objetivos maximalistas diante de um plano que mantém o objetivo de dois Estados, que quase ninguém em Israel apoia atualmente. Bezalel Smotrich, o ministro das Finanças extremista de Israel, declarou imediatamente que o Hamas deve ser aniquilado após a entrega dos reféns, anunciando seu voto contra o plano na reunião do Gabinete.
Tudo isso se desenrolará sob o governo Trump, notoriamente volátil. Ele já havia facilitado um cessar-fogo antes de assumir o cargo, apenas para ignorá-lo por meses, quando o cessar-fogo fracassou e deu lugar a uma violência indizível. Ele permanecerá envolvido se não ganhar o Prêmio Nobel da Paz? Ou se não ganhar, ficar frustrado e se distrair com outra coisa? Ou se uma provocação mínima de um segmento descontrolado do mundo agitar as coisas?
Entretanto, apesar dessas dificuldades, há forças pressionando vigorosamente para manter o plano no caminho certo.
Primeiro, é preciso reconhecer que, desta vez, Trump está aplicando um grau de força política sem precedentes. Vários objetivos se sobrepõem. Um é pessoal, como já mencionado: ganhar o Prêmio Nobel da Paz, entrar para a história como um grande pacificador. Outro é econômico: há claras perspectivas de negócios para sua família no processo de reconstrução, uma perspectiva tingida de corrupção que, paradoxalmente, poderia produzir o trunfo de um interesse persistente na paz. Outro é geopolítico: os regimes sunitas ficaram furiosos com o ataque de Israel ao Catar, e Trump tem interesse em não desmantelar completamente alianças que, entre outras coisas, têm um retorno econômico por meio da compra de armas. Outro ainda é político doméstico e internacional: pesquisas mostram que o apoio a Israel na sociedade americana está se deteriorando drasticamente e, no resto do mundo, os EUA têm sido cada vez mais percebidos como um cúmplice infame e necessário no genocídio.
Em segundo lugar, o contexto regional também está se movendo em uma direção favorável. O Hamas não está apenas fragmentado, mas também severamente isolado. O eixo de resistência foi bastante enfraquecido nestes dois anos, com o Hezbollah decapitado, Assad caído e exilado, e o Irã humilhado. E os regimes árabes sunitas, assim como a Turquia, se envolveram nesse plano e o apoiaram, sugerindo que continuarão a apoiá-lo.
Terceiro, o esgotamento da população de Gaza exercerá, sem dúvida, enorme pressão sobre todos aqueles dentro do Hamas com algum poder de decisão. Ser percebido como precipitador de outro surto de violência teria um preço político enorme. Do lado israelense, o esgotamento da sociedade também provavelmente atuará como um freio a possíveis decisões de reativar a violência em larga escala.
Mas, como dissemos, o caminho está repleto de obstáculos desequilibrantes, e a história do conflito israelense-palestino mostra um padrão constante de surtos, calmarias e novos confrontos. Como o Hamas será desarmado e quem o supervisionará? Como será realizada a retirada israelense? Como será composto o executivo técnico local e em que termos ele estará sujeito à supervisão do painel internacional? Como e quando a chamada Força Internacional de Estabilização será formada e mobilizada? O plano é absolutamente ineficaz em aspectos fundamentais, e de ambos os lados — como tivemos que ver — há radicais e atores descontrolados perseguindo seus interesses sem escrúpulos.
Em última análise, o fator crucial é o grau de pressão que Trump exercerá sobre Israel. O governo israelense sabe que o país está mais isolado do que nunca e não pode se dar ao luxo de ficar sem o apoio de Washington. Biden entrará para a história como o líder que facilitou uma operação hedionda com características genocidas. Trump é um perigo existencial para a democracia e, em muitos aspectos, uma verdadeira desgraça para o futuro do mundo, mas, neste caso, ele parece — quaisquer que sejam suas motivações — ter decidido aplicar pressão na direção certa de uma forma nunca antes vista. Tomara que ele a mantenha e, tomara, que também a aplique a outro líder procurado pela justiça internacional, como Netanyahu: Vladimir Putin.
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