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Como as democracias desmoronam? Entrevista com Adam Przeworski

Foto: Gage Skidmore | Wikimedia Commons

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02 Outubro 2025

O cientista político de origem polonesa, que dedicou sua vida a estudar as democracias – e também suas relações com o capitalismo e o socialismo –, analisa os desafios políticos e conceituais do presente. Ele também revisita suas pesquisas no Chile de Salvador Allende e as marcas políticas e intelectuais que aqueles anos lhe deixaram.

A entrevista é de Patrick Iber, publicada por Nueva Sociedad, outubro de 2025.

O cientista político Adam Przeworski, nascido na Polônia e atualmente professor emérito da Universidade de Nova York, é um dos pensadores mais influentes sobre a democracia do século passado. É autor de numerosos livros, entre eles Capitalismo e socialdemocracia (Alianza, 1988); Paper Stones: A History of Electoral Socialism (com John D. Sprague) [Pedras de papel. História do socialismo eleitoral] (University of Chicago Press, 1988); Democracia e mercado. Reformas políticas e econômicas na Europa do Leste e na América Latina (Cambridge University Press, 1995); e As crises da democracia. Para onde podem nos levar o desgaste institucional e a polarização? (Siglo XXI, 2022). Em fevereiro, começou a publicar um diário no Substack para registrar suas reações diante dos acontecimentos cotidianos. Em uma série de trocas de e-mails, conversei com Przeworski sobre sua vida e carreira, sobre como a ciência política pode e não pode nos ajudar a compreender as transformações históricas à medida que ocorrem, e sobre os perigos e as oportunidades do nosso momento histórico.

Eis a entrevista.

Ao longo de sua carreira, o senhor estudou como as democracias se desmoronam e se recompõem. Tradicionalmente, essas crises aconteciam de maneira sequencial: primeiro um golpe de Estado, depois uma ditadura e, mais tarde, uma restauração democrática. Mas, ao ler suas reações diárias ao que está acontecendo nos Estados Unidos, a situação atual não parece tão clara. O que torna difícil encaixar os fatos de hoje nos marcos usados para estudar fracassos democráticos anteriores?

Até cerca de 25 anos atrás, as rupturas dos regimes democráticos eram acontecimentos pontuais, aos quais se podiam atribuir datas concretas. A República de Weimar caiu quando Hitler assumiu poderes ditatoriais em 23 de março de 1933; a democracia chilena foi derrubada por um golpe militar em 11 de setembro de 1973. A frequência desse tipo de acontecimento diminuiu drasticamente no século XXI. Temos sido testemunhas de como vários governos mantêm as aparências democráticas ao mesmo tempo em que adotam medidas graduais para assegurar sua permanência no poder e eliminar os freios institucionais à discricionariedade do Poder Executivo. O rótulo mais comumente usado para esse processo é reversão democrática (backsliding), ou, às vezes, desconsolidação, erosão ou regressão democrática. À medida que o processo avança, a oposição se torna incapaz de vencer eleições ou de assumir o governo mesmo quando vence, as instituições estabelecidas perdem a capacidade de conter o Executivo e a mobilização popular passa a ser reprimida.

Esse fenômeno surpreendeu os cientistas políticos. Muitos de nós acreditávamos que, se um governo violasse ostensivamente a Constituição ou ultrapassasse outra “linha vermelha”, os cidadãos se coordenariam contra ele e, prevendo essa reação, o governo evitaria cruzar tais limites. Outros defendiam que o mesmo ocorreria se um governo se recusasse a realizar eleições ou cometesse uma fraude eleitoral escancarada. Uma combinação de equilíbrio de poderes e reação popular tornaria as instituições democráticas inexpugnáveis ao “espírito invasor do poder”, nas palavras de James Madison — ou seja, ao desejo dos políticos de obter poder sem limites. Era isso o que pensávamos.

No entanto, até agora temos visto vários exemplos de chefes de Estado que conseguiram monopolizar o poder e eliminar os obstáculos institucionais: Recep Tayyip Erdoğan, na Turquia; Viktor Orbán, na Hungria; Narendra Modi, na Índia; Hugo Chávez e Nicolás Maduro, na Venezuela. Em todos esses casos, o governo conta com apoio popular suficiente para vencer sucessivas eleições, ao mesmo tempo em que persegue a oposição, enfraquece organizações da sociedade civil e controla a mídia, sem recorrer a fraudes eleitorais flagrantes (talvez com a exceção de Maduro). Enquanto permanecem no poder, esses governos controlam os parlamentos, limitam ou ignoram os tribunais e fazem o que desejam — parte disso em resposta aos interesses e paixões de suas bases políticas.

O senhor é conhecido por uma definição mínima de democracia: democracia é um sistema no qual os partidos perdem eleições. Talvez parte do problema agora seja que não sabemos se ainda estamos em um sistema assim, dado que Trump se recusou a aceitar sua derrota anterior e não sabemos como ele e seus aliados reagiriam a uma derrota futura.

Não sabemos se Trump realizará as eleições de meio de mandato que os republicanos poderiam perder, não sabemos se os republicanos de fato perderiam caso essas eleições fossem limpas, nem se Trump aceitaria uma derrota ou quais seriam as consequências se os democratas vencessem. Trump se comporta como se tivesse certeza de vencer ou como se não se importasse com as consequências eleitorais de suas políticas. Já os líderes democratas parecem acreditar que a economia entrará em colapso, a opinião pública se voltará contra Trump e eles conquistarão ao menos a Câmara dos Representantes sem precisar fazer nada. Alguém deve estar equivocado.

Talvez as consequências econômicas das políticas de Trump sejam tão desastrosas que os republicanos sofram uma derrota esmagadora em 2026. Ainda assim, meu temor é que Trump prevaleça — seja porque sua base continua sólida, seja por meio de repressão e fraude, ou por ambas as razões. Se os republicanos mantiverem o controle de ambas as câmaras do Congresso, Trump ficará livre para fazer o que quiser, sem limites ao seu poder ditatorial.

O projeto de lei orçamentária aprovado neste verão [no hemisfério norte] retirará a milhões de pessoas o acesso à assistência médica e aos subsídios alimentares. Uma estimativa prevê que 34% dos norte-americanos serão negativamente afetados por esses cortes. A questão óbvia é: quem são essas pessoas? Se forem majoritariamente cidadãos que não votaram ou não votarão, ou que votaram nos democratas em 2024, o efeito eleitoral pode ser insignificante. Além disso, mesmo que os efeitos econômicos gerais sejam negativos, Trump alegará que são apenas temporários e causados por inimigos externos. Por fim, embora os protestos contra as políticas de Trump sejam massivos, eles precisam articular uma visão alternativa de futuro para terem consequências eleitorais. Os democratas têm se mostrado visivelmente incapazes de oferecer essa alternativa. Tudo o que posso concluir é que não sabemos o que acontecerá nos próximos 18 meses.

Em um artigo de 1996, What Makes Democracies Endure? [O que faz as democracias perdurarem?], o senhor e seus coautores identificaram uma série de variáveis que influenciam a probabilidade de um país que é democrático em um ano continuar sendo no ano seguinte. Recentemente, o senhor fez um cálculo com base nessas variáveis e concluiu que a probabilidade de uma ruptura democrática nos Estados Unidos é quase inexistente: um modelo previu que tal ruptura ocorreria uma vez a cada 2,6 milhões de anos; outro, uma vez a cada 263 anos. Precisamos de novos modelos ou simplesmente estamos vivendo acontecimentos de probabilidade muito baixa?

Trump foi o candidato mais votado em uma eleição limpa. Seu apoio popular, ainda que minoritário, parece ter um núcleo sólido. Nada do que ele fez até agora desqualifica o atual regime político dos Estados Unidos como uma democracia. Ao mesmo tempo, muitas de suas políticas — algumas apenas anunciadas e várias já implementadas — violam as leis em vigor. Além disso, o governo está aplicando algumas delas mesmo depois de terem sido temporariamente suspensas pelos tribunais.

Quaisquer que sejam as categorias que apliquemos ao regime de Trump, sua recusa em admitir a derrota em 2020 não tem precedentes históricos. Todas as lições históricas extraídas de estudos estatísticos, como o que o senhor mencionou, preveem que um acontecimento assim não deveria ocorrer em um país tão rico quanto os Estados Unidos e com uma tradição tão longa de transferência pacífica de poder por meio de eleições. Devemos tratá-lo como um acontecimento único, que pode ser ignorado, ou devemos concluir que a história já não é um guia confiável? Talvez nossa compreensão do passado esteja condicionada por circunstâncias que, à época, não percebemos. Talvez as condições nos Estados Unidos em 2020 tenham se combinado de maneira inédita na história. Talvez tenhamos sido confiantes demais. As anomalias desestabilizam crenças estabelecidas, e creio que é nesse desarranjo que nos encontramos.

Voltemos um pouco. Sua carreira concentrou-se no estudo das relações entre capitalismo, socialismo e democracia. O que o levou ao Chile no início de sua trajetória, e o que aprendeu lá? O que sentiu, pessoalmente e também como cientista político?

Cheguei ao Chile no outono de 1968. Havia deixado a Polônia um ano antes e não podia voltar por causa da onda massiva de repressão de março de 1968; muito provavelmente teria acabado na prisão. Mas me negaram o visto para permanecer nos Estados Unidos, onde tinha sido professor visitante, então eu não tinha país, nem trabalho, nem dinheiro. Rapidamente me apaixonei pelo Chile e me senti em casa em sua cultura. A vida ali não era muito diferente da do meu país natal. A paixão pelo futebol era universal, então era um tema sobre o qual eu podia conversar com qualquer pessoa, sem distinção de classe. Fiquei no Chile quatro meses e depois voltei aos Estados Unidos. Mas o Chile continuava a me atrair. Recebi uma bolsa do Social Science Research Council e retornei em 5 de setembro de 1970, no dia seguinte à eleição de Salvador Allende.

O povo gritava eufórico nas ruas: “O povo unido jamais será vencido”. Mas ou essa generalização indutiva era falsa, ou o povo estava longe de estar unido. Allende foi eleito por uma margem estreita como candidato de uma coalizão de forças divergentes e combativas. Apunhalado pelas costas por um partido que se apresentava como centrista, a Democracia Cristã, Allende logo perdeu o controle sobre sua própria coalizão, parte da qual sonhava em realizar uma revolução socialista. Henry Kissinger proclamou que Allende havia sido eleito devido à irresponsabilidade do povo chileno — essa era sua maneira de entender a democracia — e o governo norte-americano decidiu restaurar essa “responsabilidade” pela força. Quando ela chegou, em 11 de setembro de 1973, foi feroz. Os acontecimentos chilenos de 1970-1973 transformaram minha agenda intelectual para o resto da vida.

A principal questão que esses acontecimentos me colocaram foi a tensão entre democracia e capitalismo. Escrevendo em 1886, Hjalmar Branting, líder dos social-democratas suecos, perguntava-se se “a classe alta respeitaria a vontade popular mesmo que ela exigisse a abolição de seus privilégios”. Um líder social-democrata alemão, August Bebel, afirmava em 1905 que a revolução poderia ser necessária “como medida puramente defensiva, destinada a salvaguardar o exercício do poder legitimamente adquirido pelas urnas”. Allende não tinha um mandato popular amplo para realizar transformações sociais e econômicas de grande alcance; sua coalizão nunca teve maioria parlamentar. Ele venceu segundo as regras e tentou governar dentro da democracia, mas foi empurrado pelas forças que o apoiavam a ir além do que sua força eleitoral lhe permitia. A classe alta, cujos privilégios estavam ameaçados, apelou aos militares para que a resgatassem — e estes, não sem hesitar, estavam dispostos a fazê-lo.

O desastre chileno transformou a esquerda internacional. Até o golpe, muitos de seus membros vacilavam entre a busca pelo socialismo e o respeito à democracia. A tragédia chilena obrigou a tomar uma decisão semelhante à enfrentada pelos social-democratas no período entreguerras: primeiro o socialismo ou a democracia? A resposta mais clara surgiu dos debates dentro do Partido Comunista Italiano — e foi decididamente pela democracia. A experiência chilena havia sugerido que levar adiante o programa socialista com vigor excessivo, sem apoio popular suficiente, levaria à tragédia.

Abordei o tema historicamente, concentrando-me nas opções que os movimentos socialistas enfrentaram nas sociedades capitalistas democráticas. Aprendi que essas opções foram três: em primeiro lugar, se buscar o avanço do socialismo organizando-se dentro das instituições existentes ou substituindo-as; em segundo lugar, se confiar exclusivamente na classe trabalhadora como agente da transformação socialista ou apostar em um apoio multiclasse (ou até não classista); e em terceiro lugar, se lutar por reformas e melhorias graduais ou dedicar todos os esforços à abolição do capitalismo.

As instituições existentes eram as empresas privadas no âmbito econômico e a democracia no âmbito político. Os primeiros pensadores socialistas propuseram substituir as empresas privadas por “associações de produtores”, um sistema de cooperativas de trabalhadores organizadas em escala nacional. Essa forma de pensar, no entanto, perdeu força após a crítica de Marx, que sustentava que isso não seria viável a menos que a classe trabalhadora conquistasse primeiro o poder político. A questão que atormentava os dirigentes dos primeiros partidos socialistas era se esse poder político poderia ser alcançado por meios eleitorais ou apenas pela força. O rápido aumento dos votos socialistas no início do século inspirou seus líderes a acreditar que o socialismo poderia ser conquistado pelas urnas: as cédulas substituiriam as barricadas (no título do meu livro, escrito em coautoria com John Sprague, elas se tornaram “pedras de papel”).

Uma vez que os partidos socialistas entraram na competição eleitoral, a questão passou a ser como conquistar maiorias para avançar rumo ao socialismo. Segundo Marx, os trabalhadores se tornariam maioria nas sociedades capitalistas e, como votariam pelo socialismo, a vitória eleitoral seria inexorável. No entanto, no final do século XIX, alguns líderes social-democratas alemães começaram a duvidar de que bastasse contar apenas com os trabalhadores e defenderam incluir a pequena burguesia, os camponeses e os empregados de colarinho branco na política socialista. O dilema era que ampliar o apelo a outras classes diminuía a identificação dos trabalhadores com os partidos socialistas.

Ainda assim, o apoio eleitoral a esses partidos cresceu o suficiente para que passassem a integrar coalizões de governo e até mesmo governassem sozinhos em vários países. Foi então que a terceira opção se tornou crucial: como deveriam administrar as sociedades capitalistas os partidos que ainda viam a abolição do capitalismo como seu objetivo último, quando chegavam ao poder? Deveriam optar por uma transição imediata ao socialismo, com uma nacionalização massiva dos meios de produção, ou adotar medidas graduais destinadas a melhorar as condições da classe trabalhadora dentro do capitalismo? Como enfrentar a resistência da burguesia: pela força ou por meio de reformas graduais destinadas a ampliar sua base eleitoral? Os socialistas deveriam estar preparados para perder eleições, interrompendo o caminho em direção ao socialismo?

Diante dessas disjuntivas, os social-democratas escolheram o reformismo — uma estratégia que consistia em aplicar apenas as medidas que contassem com apoio das maiorias eleitorais e em respeitar e defender as regras democráticas.

Na primeira linha de Paper Stones, o senhor escreveu: “Nenhum partido político jamais obteve uma maioria eleitoral com um programa que oferecesse uma transformação socialista da sociedade”. Isso me atingiu como um raio quando li pela primeira vez, décadas atrás. Allende venceu com maioria relativa. Outros candidatos, em outros lugares, conquistaram maiorias como socialistas, mas não prometendo uma transformação socialista. Embora Marx acreditasse que os trabalhadores se tornariam maioria nas sociedades capitalistas e inevitavelmente votariam pelo socialismo, isso não se confirmou. Em nossa época, a base de classe do apoio à esquerda está mudando: a “esquerda bramânica” é um fenômeno real, e muitos eleitores da classe trabalhadora sentem-se atraídos pela direita populista. Ainda assim, nenhum governo foi capaz de oferecer um nível de vida melhor do que as social-democracias. Isso pode parecer desconcertante. Como o senhor explica?

Muitos movimentos socialistas passaram a acreditar que a revolução seria alcançada por meio de uma acumulação de reformas irreversíveis, todas respeitando as normas democráticas. A chave do reformismo estava no fato de que responder aos desejos imediatos das maiorias existentes e colocá-los em prática constituía passos em direção a objetivos de longo prazo. Essa estratégia teve um sucesso retumbante durante muito tempo. A melhoria das condições de trabalho, a redução da desigualdade de renda, a ampliação do acesso à educação e à saúde, um mínimo de segurança material para a maioria das pessoas... a lista de conquistas social-democratas é longa.

No entanto, os limites do projeto — que deixava aos mercados a função de alocar recursos e distribuir rendas, enquanto os governos tributavam essas rendas e forneciam serviços sociais — tornaram-se evidentes na década de 1970. As tentativas de transformação — como cogestão trabalhista, fundos de investimento dos trabalhadores, planejamento econômico e, sem falar, nacionalizações — muitas vezes fracassaram. Os social-democratas então adotaram a linguagem neoliberal dos compromissos entre igualdade e eficiência, igualdade e crescimento. Passaram da revolução à reforma, e da reforma ao enfrentamento de problemas à medida que surgiam. A década de 1970 talvez tenha sido a última em que os social-democratas mantiveram uma perspectiva transformadora, ao mesmo tempo em que enfrentavam uma crise imediata.

O desaparecimento, na esquerda política, de qualquer visão de sociedade que transcendesse o eleitoralismo de curto prazo concentrou a competição política no enfrentamento de problemas imediatos. Quando os programas partidários tornam-se puramente reativos, deixando de ser guiados por um projeto de longo prazo formulado em termos de classe, as bases sociais dos diferentes partidos tornam-se mais voláteis.

Como cientista político polonês e testemunha da queda do Chile, o senhor viveu tanto o fim de uma democracia consolidada quanto de um sistema comunista consolidado. Foram processos muito diferentes: a democracia chilena terminou soterrada pelos militares pinochetistas, enquanto a queda do comunismo no Leste Europeu foi em grande medida pacífica (e coincidiu com a derrota eleitoral da ditadura anticomunista de Pinochet). A situação atual nos Estados Unidos se parece mais com um caso ou com o outro?

Em retrospectiva, sempre tentamos entender por que a história tomou determinado rumo. Passei boa parte da minha vida acadêmica explicando padrões históricos que acreditava compreender. No entanto, depois de ler várias memórias do período 1930-1938 na Alemanha, surpreendi-me ao perceber que ninguém — desde políticos eminentes até donas de casa comuns — previa o que acabaria acontecendo.

Mesmo no Chile, onde, no fim da primavera de 1973, todos sabiam que um golpe de Estado era iminente, ninguém esperava que fosse tão sangrento, nem que a ditadura durasse 16 anos. Uma previsão comum era que os militares deporiam Allende, o enviariam para Cuba, convocariam novas eleições, que o [democrata-cristão] Eduardo Frei venceria facilmente — e seria só isso.

Prever o destino do comunismo foi um fracasso ainda maior: Samuel Huntington, que se tornou o guru da “terceira onda” de transições democráticas, publicou um artigo em 1984 declarando que a queda do comunismo no Leste Europeu era impossível. [O professor de Yale] Juan Linz escreveu o mesmo em 1989 — e teve o azar de ver seu texto publicado um ano depois.

Em todas essas situações — o comunismo, a Alemanha de Weimar, o Chile de Allende — não tínhamos uma teoria na qual nos apoiar. Não tínhamos uma ciência que gerasse previsões válidas ou atribuísse probabilidades aos possíveis rumos da história. Precisamos de teoria: proposições logicamente interconectadas que digam “se isto e aquilo, então aquilo”, sendo este último “aquilo” observável. Sem teoria, só podemos confiar em palpites, intuições ou suposições. O fato brutal de que seja tão difícil prever o que acontecerá nas circunstâncias atuais é uma prova de que não temos teorias confiáveis.

A pergunta que paira sobre os Estados Unidos é: como tudo isso pode acabar? Uma possibilidade é clara: os democratas vencem as eleições presidenciais e legislativas de 2028, desmantelam os aparatos repressivos, restabelecem os programas e serviços sociais essenciais e retornamos à “normalidade”. Outra possibilidade: os republicanos vencem as eleições de meio de mandato de 2026 e as de 2028, instaurando um regime oligárquico e repressivo por tempo indefinido.

Outros desfechos seriam mais dramáticos e sem precedentes na história do país. Por exemplo: que os republicanos não aceitem uma derrota — seja nas midterms, seja em 2028 —, ou provoquem algum acontecimento semelhante ao incêndio do Reichstag, que usariam como pretexto para declarar estado de emergência e tentar impor seu governo pela força. Também é possível que a popularidade de Trump caia a níveis muito baixos, que protestos de rua mobilizem milhões de pessoas e que os republicanos, libertos de seu controle, busquem algum tipo de compromisso. Há contingências demais e, até que certa incerteza se resolva — muito provavelmente nas eleições de meio de mandato —, não sei o que esperar.

Permita-me que a pergunta final seja a mais simples possível: o que deve ser feito?

Responder a essa pergunta exige um grau de otimismo que não possuo. Sou gramsciano no sentido de acreditar que, para se tornar hegemônica, uma ideologia deve oferecer uma visão de futuro em que os interesses dos governantes coincidam com os interesses de todos os demais. MAGA [Make America Great Again] não oferece nada disso. É difícil identificar o projeto ideológico da revolução de Trump, para além da redução do Estado. No entanto, a oposição ao MAGA também não oferece uma alternativa. O establishment democrata aposta claramente que os republicanos lhes entreguem uma vitória eleitoral enquanto frequentam as festas de casamento dos bilionários.

A única visão para o Partido Democrata surge de sua ala esquerda, que é vigorosamente censurada pela corrente majoritária. Talvez a cúpula democrata tenha razão ao pensar que a melhor estratégia seja não fazer nada e esperar que o MAGA fracasse. Mas isso, assim como o MAGA, é uma ideologia de “retorno”, de “restaurar” a democracia, em vez de transformar as condições que geraram o desastre atual.

Para restaurar a democracia, é preciso reformá-la. Esse é o projeto de que precisamos.

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