16 Setembro 2025
O escritor de Chicago, Scott Turow, fala sobre o Papa de Chicago, Leão XIV, que ele é "a verdadeira encarnação do sonho americano". Uma definição surpreendente: Robert Franck Prevost, o sucessor de Pedro eleito em 8 de maio, talvez seja o estadunidense que menos representa os Estados Unidos hoje. Ele é o oposto de Donald Trump. Apresentou-se aos fiéis reunidos na Praça São Pedro em perfeito italiano e espanhol, sem pronunciar uma palavra de inglês, sem se referir às suas origens ou à sua cidade natal.
A entrevista é de Marco Bruna, publicada por la Lettura, 14-09-2025.
Esse homem gentil e tímido, que viveu ao lado dos últimos durante seus anos no Peru, não compartilha nem encarna o nacionalismo de Trump nem a ideologia da "America first". "Devemos buscar juntos como ser uma Igreja missionária, uma Igreja que constrói pontes, dialoga, sempre aberta a receber, como esta praça de braços abertos, todos aqueles que precisam da nossa caridade, da nossa presença, do nosso diálogo, do nosso amor", disse o novo Papa à multidão que o aclamava na Praça São Pedro. Não é por acaso que a palavra "ponte" foi repetida três vezes naquele discurso.
Prevost nasceu em Chicago em 1955, em uma família de origem italiana, francesa e espanhola. Ele é o primeiro Papa vindo dos Estados Unidos; o segundo, depois de seu antecessor Francisco, a nascer nas Américas. Passou a maior parte de sua vida fora de seu país de origem. Foi ordenado sacerdote em 1982, aos 27 anos. Por ocasião de seu septuagésimo aniversário, comemorado agora, em 14 de setembro, pedimos a um ilustre cidadão de Chicago, o romancista Scott Turow (1949), quase da mesma idade do Papa agostiniano, que se aprofundasse nas raízes urbanas de Leão. Turow publicou recentemente na Itália uma continuação de sua obra-prima "Acima e qualquer suspeita" (1987), intitulada "Presumed Guilty".
Eis a entrevista.
Então, Sr. Turow, por que o Papa Leão XIV é a verdadeira face do sonho americano?
O contraste entre as duas figuras que representam os Estados Unidos hoje, ou seja, Prevost e Trump, é impiedoso. O Papa Leão vem de um ambiente muito humilde; nasceu em um bairro operário na zona sul de Chicago. No entanto, antes de continuarmos esta conversa, preciso esclarecer uma coisa. Você precisa saber que tenho um problema com o Papa, porque ele é torcedor dos White Sox, enquanto eu sou torcedor dos Cubs. Aqui em Chicago, beisebol não é um detalhe. Um dos meus amigos mais queridos sempre conta sobre seu primeiro encontro com a mulher que se tornaria sua esposa. Eles estão casados há cinquenta anos, e ele se ilumina toda vez que a vê. Mas ele diz que, depois do primeiro encontro, voltou para casa desesperado. Ele sabia que havia encontrado a mulher perfeita para ele, mas estava angustiado: será que ele realmente poderia amar perdidamente por uma torcedora dos White Sox quando ele, desde criança, sempre foi apaixonado pelos Cubs? O beisebol é muito mais do que uma paixão esportiva aqui. Sou feliz e orgulhoso que um filho de Chicago tenha sido eleito Papa, mas quando vi uma foto de Prevost usando um boné dos White Sox, admito que sacudi a cabeça. Fim do parêntesis.
Agora, para responder à sua pergunta: ele representa o sonho americano porque encarna o que uma democracia generosa e em pleno funcionamento deveria ser. Os Estados Unidos se tornaram os Estados Unidos quando souberam oferecer às pessoas a oportunidade de se tornarem quem quisessem ser. Este é o sonho americano: um jovem de origem humilde que continuou seus estudos apesar dos recursos limitados, um jovem que escolheu o sacerdócio e que agora, após anos de sacrifício, emergiu no mundo. Os moradores de Chicago gostam de pensar que somos uma cidade despretensiosa, diferente de Nova York e Los Angeles. Gostamos de pensar em Chicago como um lugar que transmite respeito pelos trabalhadores e pelo trabalho, senso de dever, amor à família e ao país e cuidado com as instituições, sejam elas a Igreja ou a lei. E, até agora, o Papa parece encarnar tudo isso. Leão XIV passou mais de duas décadas como padre no Peru e deixou nossa cidade para viver em um país pobre, para estar ao lado dos pobres. Prevost é um cidadão do mundo.
O Papa Leão foi elogiado por Donald Trump, que imediatamente após sua eleição, em contraste com o perfil humilde assumido pelo cidadão do mundo Prevost, escreveu no Truth que era "uma grande honra para o nosso país ter um Papa estadunidense pela primeira vez", privilegiando assim a ideia da "América first". Prevost é naturalizado peruano e nunca ostentou demais suas origens estadunidenses. Seria ele, então, a outra América?
O Papa Leão e Donald Trump vivem em extremos opostos. Estamos falando de um homem que dedicou a vida a cuidar dos pobres, em sua condição tanto material quanto espiritual. A comparação com uma presidência que visa tornar os pobres mais pobres e os ricos mais ricos é impiedosa. É quase impossível comparar esses dois Estados Unidos. Até agora, Leão sempre foi muito comedido, o que é, na minha opinião, a maneira correta de usar o poder. Se o Papa quisesse promover o conflito, poderia fazê-lo. Mas todos os papas que vi e ouvi em minha vida foram príncipes da paz. Espero que esse Papa se comporte da mesma maneira. Ele não precisa absolutamente brigar com Donald Trump. Estou igualmente certo de que há pontos em que Leão concorda com Trump: aqui nos Estados Unidos, temos um presidente pró-vida que tenta aplicar restrições cada vez maiores à legislação sobre o aborto. Na verdade, Leão provavelmente gostaria que Trump fosse ainda mais claro em suas posições pró-vida. É por isso que digo que o Papa adotou uma abordagem comedida. Ele não se aprofundou na política. Mas tenho certeza de que, mais cedo ou mais tarde, suas visões de mundo entrarão em conflito. Tenho um querido amigo padre, seu nome é John, que também vem da zona sul de Chicago. Ele frequentou o mesmo seminário que o Pontífice. Para ele, só tem palavras de estima e afeto.
O senhor previu, aqui mesmo nestas páginas, o retorno de Trump, em tempos passados. No ano que vem, haverá as eleições de meio de mandato, que ocorrem dois anos após as eleições presidenciais. Gostaria de fazer outra previsão?
Certamente não estamos em um período em que os Estados Unidos estejam a caminho de se tornar uma sociedade mais justa, como a que o Papa gostaria. Como já aconteceu em seu primeiro mandato, o Sr. Trump está usando o poder do governo para punir seus inimigos, chegando a empregar a força militar nas ruas. Em Los Angeles, vimos agentes de imigração prenderem imigrantes ilegais durante uma série de batidas policiais. O Escritório de Orçamento do Congresso, uma agência independente, publicou estimativas mostrando que, com o tempo, esse governo tornará os pobres mais pobres e os ricos ainda mais ricos. Como eu estava dizendo, não estamos nos tornando uma sociedade mais justa. Sempre penso em Martin Luther King, que dizia: ‘O arco da história sempre se curva em direção à justiça’. Eu acredito nisso. Portanto, espero que, com o tempo, possa haver uma correção para todo esse caos nos Estados Unidos. Essa é a minha previsão por enquanto.
O senhor é um dos pais fundadores do gênero thriller jurídico. Com "Presumed Guilty", o juiz e advogado Rusty Sabich, de 77 anos, retorna ao tribunal pela última vez, lidando com um caso com fortes implicações raciais, um reflexo de um passado que perdura nos EUA. Sua exploração dos meandros da justiça, ou talvez devêssemos dizer das injustiças, nunca termina.
É um tema recorrente em meus romances. A ideia de justiça está intimamente ligada ao uso do poder. O advogado de defesa se coloca entre o réu e o Estado, o governo e o ministério público; se o ministério público for justo, representa o governo de forma justa e é imparcial na denúncia e punição de más condutas. A luta por justiça é complexa: o que alguns considerariam errado, outros consideram menos problemático.
O assassinato de uma jovem mulher, o caso que dá origem a esse romance, é um crime que exige justiça. Quando decidiu retornar a Rusty?
Esse livro teve três inspirações diferentes. A primeira, claro, me veio à mente em 2010, logo após terminar O inocente, que é a primeira continuação que escrevi para Acima de qualquer suspeita. Eu havia deixado Rusty em um estado de profunda angústia. Sua esposa, Barbara, havia morrido, intoxicada por uma dose de medicamentos. Rusty não tinha intenção de ficar no Condado de Kindle. Então, no final do livro, ele se afastou em uma espécie de exílio voluntário, um exílio temporário. Eu simplesmente não queria deixá-lo lá. Costumo dizer que Rusty Sabich é o homem que mudou minha vida. Sempre fui um grande fã dos livros de John Updike.
Quando terminei o último dos quatro romances do Rabbit, Harry Angstrom, apelidado de "Coelho", escrevi a Updike uma carta cheia de admiração. Disse a ele que não conseguia entender onde ele havia encontrado a força moral para se levantar todas as manhãs e escrever um veredito tão sombrio sobre um homem que claramente amava. Sua criação. Ele o conhecia profundamente, mas sentia que ele era um fracasso como ser humano. Ele teve a chance de alcançar a graça, mas isso não aconteceu.
Então pensei: não faz sentido para mim me comparar a Updike, embora eu estivesse muito interessado na relação de um escritor com seu personagem. Espero não ter sido demasiado otimista na minha avaliação de Rusty, que é um homem cheio de defeitos, como ele demonstrou em meus livros. Como estava lhe dizendo, não me agradava deixá-lo naquele estado lamentável. Então, disse a mim mesmo: voltarei a Rusty em algum momento. Mas há duas outras fontes de inspiração. Por muitos anos, tive uma casa no sul de Wisconsin. Fica na floresta, em uma área onde há várias fazendas. Eu estava no gramado da frente, quatro ou cinco anos atrás, e pensei: ninguém escreve sobre áreas como essa. Estamos entre Chicago e Milwaukee. A atmosfera da cidade não desapareceu completamente; estamos no interior estadunidense e os moradores locais não têm as mesmas pretensões de um morador da metrópole. Eu precisava falar sobre essa região do país. Precisava retornar a Rusty e ambientar a história nos lugares rurais e extraurbanos que conheço, que assumiram a forma do Condado de Kindle no romance.
Vamos retornar, para encerrar, ao tema principal da nossa entrevista. Como dizíamos, Prevost passou a maior parte da vida longe dos Estados Unidos. Como os estadunidenses o receberão quando ele decidir retornar a Chicago como Papa?
Chicago é uma das maiores arquidioceses dos Estados Unidos. Só posso imaginar a celebração que haverá quando o Papa decidir voltar para casa. Espero que ele faça isso em breve. Eu também estarei lá para homenageá-lo. Será um dia de alegria para a nossa cidade e para os Estados Unidos. Este Papa é o melhor de Chicago e o melhor que os Estados Unidos podem oferecer ao mundo.
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