11 Março 2025
"A vida passou por imensas crise e sempre sobreviveu, não será agora que vai desaparecer miseravelmente pela nossa falta de cuidado e de justa medida", escreve Leonardo Boff, teólogo, filósofo e escritor de muitas obras, dentre elas A busca a justa medida: como equilibrar o planeta Terra (Vozes, 2024).
Se tomarmos a sério o projeto imperial de Donald Trump sob o lema America First (em entendido só a América) não é impensável que tempos dramáticos e até trágicos possam ocorrer. Seu propósito básico é usar o poder para todos os âmbitos da vida. Compreendamos bem o tipo de poder. Não como expressão da cidadania, mas o poder como dominação no sentido que os pais fundadores da modernidade, Galileu Galilei, Descartes, Newton, especialmente Francis Bacon, conferiram a poder: é a vontade de potência/dominação sobre a natureza, sobre os povos (colonização) sobre as classes, sobre a matéria até o último topquark, sobre a vida até seu último gene. Esse projeto formulado na Europa, com o que dominaram o mundo, foi radicalizado por Trump. E talvez tenha chegado também ao seu fim.
Percebendo o império norte-americano em ocaso, assume o poder como dominação na sua maior radicalidade. Passa por cima da ONU, da OMC, da OMS, de acordos internacionais, não respeita lei nenhuma, rompe com os próprios amigos como os europeus. Tenta o diálogo, senão faz funcionar uso da força e da rendição do adversário. Nesse afã de poder bem no estilo de Hobbes, grande teórico do poder, propõe-se agregar aos EUA o Canadá, se apropriar da Groenlândia e ocupar o canal da Panamá.
Talvez a dimensão mais desumana e cruel seja a expulsão de milhões de imigrantes indocumentados, dividindo famílias, negando cidadania americana a nascidos no país, de filhos de imigrantes. Sua arrogância de fazer “a América Novamente Grande” (MAGA) o levou a impor altas tarifas a produtos importados e ameaçados com pesadas penas econômicas e políticas aos países que se negarem a atender a suas pretensões. Deixa claro que os EUA é o único país cujos interesses são globais e se dá o direito de intervir para fazer a América Grande Novamente.
Todos os acordos mundiais acertados para minorar o efeito estufa foram por ele abandonados e considerados ridículos como o Acordo de Paris de 2015. Incentiva exploração de energias fósseis e de carvão, principais causadores dos bilhões de toneladas de CO2 e metano lançados anualmente na atmosfera. É um negacionista radical, negando a ciência, fazendo cortes profundos à pesquisa notoriamente avançada nos USA. Levar a efeito tal propósito que vai contra a corrente mundial preocupada com o aquecimento global, com os efeitos extremos que revelam que a Terra está mudando e até já mudou, faz-se um inimigo da vida e da humanidade. Possui uma mente assassina e ecocida, obcecado pelo poder absoluto, submetendo todo o planeta como se fosse o seu quintal ampliado do qual pode dispor como quiser.
Logicamente a todo poder absoluto se opõe outro poder que lhe resiste e rejeita a estratégia de dominação mundial. O que Trump quer conservar com unhas e dentes é considerar se país o único poder a conduzir os destinos do planeta. Opõe-se radicalmente a mundo multipolar, pois potências poderosas como a China e a Rússia e eventualmente o BRIC estão na mesma arena política, disputando poder no cenário mundial.
Como Noam Chomsky e outros analistas da geopolítica mundial têm observado, depois de uma guerra econômica segue-se uma guerra militar. Observa ainda Chomsky que há suficientes loucos no Pentágono que arrisquem uma guerra letal segundo a fórmula 1+1=0, vale dizer, um destrói totalmente o outro e leva junto toda a humanidade. Se isso ocorrer, será o fim de grande parte da humanidade, o céu ficará branco pelas partículas, a fotossíntese das plantas e florestas será praticamente impossível, haverá perda das safras, grande fome, doenças derivadas do terror nuclear e morte de milhões. Foi o sonho prognóstico de C. G. Jung antes de morrer.
Tal tragédia não é impossível porque os dados estão aí e nossa cultura insana que instaurou a ditadura da razão analítica sem qualquer consciência e compaixão pelas consequências dela derivadas; criou o princípio de autodestruição; salvaguardados todos os benefícios que essa razão, inegavelmente trouxe para a vida humana. Mas tudo isso pode perder-se.
Outros analistas aventam a possibilidade de que não haverá guerras letais, mas uma total rendição da potência que chegou atrasas do desenvolvimento da IA autônoma, capaz de controlar cada pessoa, toda a estrutura energética e toda a vida de um país. Por isso há uma desesperada corrida pela IA tipo DeepSeek, pois quem chega primeiro paralizaria o país do concorrente e tornaria totalmente ineficaz seu aparato bélico. Seria a abominação da desolação, em termos bíblicos, um drama atrás do outro e, quem sabe, o fim trágico do experimento humano. Depois que assistimos o Filho de Deus quando se encarnou em nossa existência, nada mais trágico poderia acontecer, segundo a crença cristã.
Perguntamos: por que não temos desenvolvido a Emoção Radical, já que esta é há milhões de anos mais ancestral e mais fundamental em nós que a Inteligência? Esta jamais seria negada por ser uma característica essencial de nossa existência, mas com a incorporação da Emoção Artificial que prefiro chamar de Radical, por ser a raiz de nosso ser profundo e ser onde razão continuamente molha suas raízes, outra seria a atual situação humana: imperaria mais amor que ódio, mais cooperação que competição, mais cuidado que devastação da natureza.
A vida passou por imensas crises e sempre sobreviveu. Não será agora que vai desaparecer miseravelmente pela nossa falta de cuidado e de justa medida.