10 Setembro 2025
A tormenta perfeita se forma: a agressão externa de Trump alimenta o levante golpista interno, enquanto o governo, focado na sobrevivência, negligencia as crises que realmente definem o amanhã. O abismo entre a urgência eleitoral e a catástrofe planetária nunca foi tão vasto.
O artigo é de Jean Marc von der Weid, publicado por A Terra é Redonda, 07-09-2025.
Jean Marc von der Weid é ex-presidente da UNE (1969-71). Fundador da organização não governamental Agricultura Familiar e Agroecologia (ASTA).
Eis o artigo.
1.
É difícil destrinchar a conjuntura atual com o intenso tiroteio de acontecimentos no país e no mundo. Como definir as prioridades políticas para agir no nevoeiro provocado pelo furacão de ações de atores de peso como o presidente Donald Trump, o Congresso Nacional, o bolsonarismo golpista, o agronegócio, o STF, as FFAA, o crime organizado, as redes sociais e a grande mídia?
O governo Lula está sendo sacudido de um lado para outro neste vendaval e encontra dificuldades para reagir e garantir seu objetivo estratégico de buscar a reeleição do presidente no ano que vem. Uma sucessão de pesquisas de opinião ofereceu resultados contraditórios, com uma leve melhoria da aprovação do governo e das intenções de voto em Lula para as eleições de 2026.
No entanto, apesar de ter saído das cordas em que estava desde o início deste ano, Lula ainda tem uma forte rejeição e vê o surgimento de um adversário altamente perigoso na pessoa do governador Tarcísio de Freitas, e enfrenta um Congresso golpista que insiste em buscar anistia para Bolsonaro, a redução da autonomia do judiciário (em particular o STF) e a completa imunidade para os parlamentares.
Se analisamos este quadro a partir da compreensão do quadro maior em que nos encontramos, o das crises ambientais planetárias, a realidade é ainda mais sombria. O eixo que orienta o governo Lula é sua própria sobrevivência no ano que vem, e este objetivo mais limitado oculta o quanto está distante das prioridades de longo (nem tão longo assim) prazo.
As ações do governo desde sua inauguração vêm deixando claro que a problemática ambiental não é sua prioridade, haja visto as decisões de expansão da produção de combustíveis fósseis e a insistência em manter a matriz de consumo energético centrada em gasolina e diesel, buscando baixar os preços destes insumos e a expansão do transporte neles baseado.
O governo se limita a buscar a diminuição dos desmatamentos e o faz de forma precária, sem assumir que as queimadas têm crescido ao mesmo tempo que os desmatamentos diminuem na Amazônia, mas crescem em outros biomas.
O governo Lula, e a grande maioria dos quadros da esquerda, não tem adotado a análise amplamente dominante nos círculos científicos que apontam para os graves riscos globais, nos levando na direção de uma catástrofe anunciada para esta década, e vivem presos no labirinto de buscar a sobrevivência político eleitoral, repetindo políticas públicas apenas mitigadoras da profunda crise social expressa pela gigantesca concentração de renda, que só fez crescer nas últimas décadas.
Na lógica política dominante no governo e na esquerda tudo se resume em um único objetivo: impedir a vitória do bolsonarismo nas eleições. E, sem um projeto de país que enfrente as nossas profundas crises sociais e ambientais, estamos prolongando o itinerário das nossas mazelas históricas sem enfrentar o que se chama na terminologia da esquerda o inimigo principal: o capitalismo.
2.
Estabelecido o contorno histórico do quadro atual, vamos olhar para os elementos mais imediatos da conjuntura.
Em primeiro lugar, o dado novo de maior impacto na nossa política interna foi o tarifaço de Donald Trump sobre as exportações brasileiras para os Estados Unidos. Não há mais nenhuma dúvida sobre o objetivo político desta medida (inocentar Jair Bolsonaro), mas há dúvidas sobre o que Donald Trump espera dos resultados. E é preciso discutir, desde logo, se Trump age em consonância com uma estratégia vinculada aos interesses do capitalismo americano, ou mesmo com os seus interesses geopolíticos.
A imprense americana e internacional, inclusive a especializada em economia, considera que os tarifaços (não só contra o Brasil) não interessam ao capitalismo americano. De modo geral, o impacto esperado do conjunto dos tarifaços é um aumento da inflação para os consumidores americanos.
No que concerne aos produtos brasileiros, mesmo depois da anulação das tarifas para quase 50% em valor das exportações, o impacto maior para os consumidores está concentrado no aumento esperado dos preços do café e do hambúrguer. 40% do total das importações de café verde consumido nos EUA vem do Brasil e uma parte significativa, mas ainda não apresentada, da carne de segunda usada na dieta mais popular do americano, o hambúrguer, também.
Ou seja, a “solidariedade política” de Donald Trump com Jair Bolsonaro terá um impacto sensível no dia a dia dos consumidores. Isto se dá porque se espera uma redução forte, pelo menos 33%, do fornecimento de carne que não pode ser substituída por outros fornecedores pelos mesmos preços. No que toca o café a dificuldade é ainda maior, já que o mercado internacional desta commoditie está em baixa de oferta por razão dos impactos climáticos sobre a produção de outros fornecedores, como o Vietnã.
Os comentaristas econômicos mundo afora registram que na nova administração Donald Trump os lobbies econômicos funcionam no varejo para tentar salvar suas agendas específicas. CEOs de grandes empresas multinacionais americanas vem gastando cada vez mais tempo tentando influenciar o governo, mas seu diálogo está restrito ao terceiro escalão da administração, sem acesso ao real poder de decisão, o pequeno grupo dos amigos do reizinho. Destes contatos, eles recolhem a sensação de que a área técnica do governo está no modo “contenção de danos”, tentando convencer o protoditador a adotar um pouco de bom senso no campo da economia e do mercado. Sem sucesso até agora.
Em outras palavras, Donald Trump não é um agente do imperialismo no sentido clássico, refletindo os interesses das empresas americanas, exceção apenas das “big techs” e das empresas de cartões de crédito. O objetivo adotado por Donald Trump, reequilibrar a balança comercial e trazer de volta as indústrias para o território dos EUA, é um caminho inverso ao adotado pelas empresas americanas e implica em uma desglobalização. Adeus consenso de Washington que abriu o rumo de cinco décadas de internacionalização exacerbada da economia mundial, impondo políticas de abertura de mercados por todo lado.
3.
O que quer Donald Trump ao comprometer a economia americana na contramão dos interesses do grande capital? Alguns dizem que o objetivo de garantir a volta ao poder do energúmeno é obter outras vantagens futuras. Se a estrategia de “salvar Jair Bolsonaro” der certo, o energúmeno ficará totalmente dependente do seu salvador, além de ter sempre sido um admirador subserviente.
Donald Trump exigiria em troca a liberação total das operações das “big techs”, a entrega dos minerais estratégicos (lítio etc.), a instalação de bases militares, saída do BRICS, Fernando de Noronha, o fim do Pix, outras. Pode ser, mas se for isso, o tiro do tarifaço foi no pé, pois a reação política no Brasil foi, até agora, contrária a Donald Trump e ao bolsonarismo.
Ao mirar a sua exigência na extinção dos processos contra Jair Bolsonaro, Donald Trump errou o alvo e usou o instrumento errado. Se o tarifaço visava pressionar o governo brasileiro para livrar Bolsonaro da cadeia, a medida ignorou a independência do judiciário em relação ao executivo. Se a mira estava em uma chantagem sobre os exportadores levando-os a pressionar o STF, ela ignorou a dificuldade das empresas prejudicadas influenciarem a corte suprema.
Analisando a reação no Brasil ao tarifaço, podemos constatar que a grande mídia foi surpreendentemente veemente na defesa da soberania nacional. Isto pode ter inibido a postura do setor dos exportadores mais atingido pelo tarifaço, o agronegócio. Até a véspera da porrada trumpista os próceres do agronegócio, inclusive a bancada ruralista no Congresso e os pecuaristas e empresários dos frigoríficos vinham aplaudindo o presidente americano, apesar de já terem sido afetados pela tarifa imposta em Abril, de 10%.
Tomados de surpresa pelo golpe eles hesitaram em jogar a responsabilidade no colo do Lula. Será que Donald Trump e Bananinha esperavam uma revolta dos atingidos contra o governo? Alguns tentaram fazer isso, indicando a responsabilidade de Lula por “provocar” Donald Trump, ao defender o uso de outras moedas que o dólar nas trocas comerciais internacionais e o fortalecimento do BRICS.
Mas não colou e agora tentam acusar Lula de não ter lambido os tênis de Donald Trump desde a sua posse e tentado “ficar de bem” com o autocrata com uma postura submissa. O problema é que neste quadro de choque econômico, os prejudicados estão apelando para a ajuda do governo e isto os deixa na defensiva.
Mas se a grande mídia sentou o pau em Donald Trump, mesmo fazendo reparos à atuação de Lula em relação ao americano, a opinião pública foi bem menos enfática, a acreditarmos nas pesquisas. O apoio a Lula cresceu e, no que se refere ao tarifaço, foi alto. Entretanto, a resposta à pergunta sobre a avaliação de Donald Trump indicou uma grande dubiedade. É possível que a linguagem usada por Lula e a esquerda, apelando para a defesa da soberania, tenha sido menos entendida pelos perguntados.
É como o famoso episódio do então ministro da economia de FHC, que declarou em microfone aberto que ele não tinha “escrúpulos”. Lembram? “O que é bom nós divulgamos e o que é ruim nós escondemos, não temos escrúpulos”. O povo não sabia o que era “escrúpulo”, e o impacto da declaração foi zero.
Para o que nos interessa agora, o fato é que o gesto de patriotismo (palavra bem conhecida e pouco utilizada na propaganda lulista e petista) do presidente não teve o efeito arrasador para Donald Trump e o bolsonarismo que se podia esperar, sobretudo pela atitude da grande mídia. E passado o período de emergência e garantidos os apoios financeiros do governo para as empresas prejudicadas, o agronegócio pode muito bem voltar a responsabilizar Lula pelo tarifaço.
4.
Em uma segunda rodada de pressão sobre o Brasil, Donald Trump aplicou (ilegalmente) a lei Magnitsky atingindo Alexandre de Moraes, e suspendeu os vistos para os EUA de outros sete ministros do STF. A aplicação da lei Magnitsky gerou um outro problema, mais grave do que os eventuais prejuízos de suas excelências: as ameaças contra os bancos brasileiros com filiais nos EUA, se não aplicarem as medidas previstas contra Moraes.
Tudo se complicou com a decisão do ministro Flávio Dino impedindo que os bancos aqui sediados apliquem as medidas previstas. O resultado pode ser tenebroso se Donald Trump punir os bancos com a suspensão da licença para operar nos EUA. Tudo isto botou a Faria Lima em alvoroço, levando o setor financeiro a se juntar aos exportadores prejudicados na busca de uma solução.
A postura do governo Lula frente à agressão de Donald Trump foi bastante equilibrada e corajosa. Assumiu a defesa da soberania nacional e apoiou a independência do judiciário. Apesar de algumas bravatas discursivas de Lula, dirigidas para o público simpatizante, as medidas concretas do governo foram moderadas e conciliadoras, buscando um diálogo com o governo de Donald Trump.
Era de se esperar a reação americana, que ignorou as tentativas de diálogo, mas funcionou para o público interno, sobretudo colocando Geraldo Alkmin e Fernando Haddad à frente dos entendimentos com os setores prejudicados entre os nossos exportadores. A decisão de criar um fundo de compensação para as empresas mais atingidas foi vital para calar ou envergonhar a claque bolsonarista entre os empresários do agronegócio. Mas o governo tem muito mais dificuldades em barrar o Congresso, onde as iniciativas do bolsonarismo representam uma ameaça maior para conseguir o que Donald Trump está exigindo: livrar Jair Bolsonaro da cadeia e colocá-lo de volta no jogo político para 2026.
Ocorre que toda esta pressão segue centrada em derrotar o STF, que teria que se submeter ao desejo de Donald Trump em arrepio total das nossas leis e anulando todo o processo contra os golpistas. O erro de alvo do movimento trumpista e bolsonarista se aprofunda. Donald Trump teria mais sucesso em dobrar a posição do STF em uma tática indireta, centrada em seu melhor aliado no Brasil, o Congresso Nacional. Ao agir através do tarifaço Trump e os bolsonaristas que o apoiam deram margem a uma reação que não estava no script.
5.
A pressão de Donald Trump contra o STF não teve a rejeição que se esperava nas pesquisas de opinião. Mais do que o próprio tarifaço, as sanções contra Moraes e outros ministros do supremo foram muito mais abusivas do ponto de vista da nossa soberania, mas isto não foi entendido pela opinião emitida nas pesquisas.
De um modo geral, todo o desgaste do enfrentamento do Brasil com Trump não alterou significativamente o quadro de apoio ao energúmeno. Lula subiu alguns pontos na sua perspectiva de enfrentamento com o bolsonarismo, mas não só Bolsonaro continua com um apoio de 37%, mesmo estando proibido de se candidatar e prestes a ser condenado por tentativa de golpe, como outros expoentes desta corja, como Tarcísio de Freitas, já estão se colocando cada vez mais próximos de Lula. E a oposição à anistia caiu de 63% para 55% em um ano.
Neste quadro pré-eleitoral é preciso analisar o comportamento do Congresso Nacional, o grande fator interno da nossa crise permanente.
Se o STF se consolida como um bastião da resistência patriótica e esteio do Estado de Direito, o Congresso Nacional vem se consolidando como o maior aliado do golpismo bolsonarista. Os lobbies do agronegócio e da Faria Lima ainda não escancararam a sua ansiedade em se submeter a Trump, salvando o energúmeno da cadeia, mas a direita amplamente majoritária no Congresso, capitaneada pela tropa de choque bolsonarista, vem impondo, inclusive na marra, a agenda da anistia.
O argumento ainda não é livrar Jair Bolsonaro para nos livrarmos das ameaças de Donald Trump, isto pegaria muito mal. Fala-se, sem qualquer vergonha, em “pacificar o país” (argumento do Centrão) ou corrigir os “desmandos do STF” (argumento dos bolsonaristas do PL).
As motivações dos deputados do Centrão não se resumem a livrar Bolsonaro da cadeia, mas implicam em mais um capítulo de uma queda de braço com o STF, sobretudo pelas exigências do ministro Flávio Dino em relação à transparência das emendas parlamentares e as investigações de irregularidades pela Polícia Federal que ameaçam mais de uma centena de deputados, até agora. Em paralelo com a agenda da anistia, tanto o Senado como a Câmara se moveram para minar a investigação de malfeitos pelos parlamentares ou para reduzir as penas no caso de condenações.
O fracasso da votação do “PL da impunidade” deveu-se ao histérico açodamento dos deputados querendo blindar completamente seus mandatos. O monstrengo ficou inviável e os mais hábeis entre os políticos acabaram esvaziando o processo e encaminhando uma nova rodada de negociações para voltar a colocar o PL em votação, aparando arestas que levariam à sua anulação pelo STF.
O que está em curso, tendo como pano de fundo o entrevero com Trump e a queda de braço com o STF sobre as emendas, é um novo golpe, desta vez do Congresso contra os outros poderes. Já vimos como o Congresso vem se apropriando de espaços decisórios que são de responsabilidade do executivo, transformando este último em executor manietado e diminuído, uma espécie de parlamentarismo bastardo onde o Congresso pode tudo, mas não assume as responsabilidades de seus atos frente ao eleitorado.
Este processo deve ter seu curso ainda mais acentuado se a manobra da anistia de Bolsonaro funcionar. O acerto do Centrão, via Arthur Lira, é livrar o energúmeno da cadeia, mas deixá-lo inelegível para o pleito de 2026 pela decisão do TSE aplicando a lei da Ficha Limpa. União Brasil e Progressistas, agora reunidos em uma frente parlamentar com 109 deputados e apoiados pelos Republicanos e, provavelmente, pelo PSD estão em claro processo de colocar Tarcísio de Freitas como candidato da direita e extrema direita para presidente, contra a reeleição de Lula.
Falta ainda afinar as violas com o PL e com a família Bolsonaro. Este último passo foi uma exigência do próprio pré-candidato, temeroso de ter que disputar com alguém da família nas próximas eleições. Ao que tudo indica, as visitas recentes de Tarcísio de Freitas, Waldemar Costa Lima e Arthur Lira ao energúmeno aplainaram o caminho e os aliados deram a partida na campanha anunciando a saída de seus filiados de postos no governo Lula. Tarcísio de Freitas ainda prometeu indultar Jair Bolsonaro como primeiro ato de seu governo, caso ele não tenha sido anistiado até lá.
A aposta de Tarcísio de Freitas e do Centrão tem um senão: Bolsonaro não tem o hábito de cumprir com os acordos que faz e trai seus aliados sem qualquer pejo. Se a anistia negociada pelo Centrão não contemplar a possibilidade de sua candidatura para 2026 ele pode abrir uma nova campanha (inclusive com o suporte de Donald Trump) para reverter a decisão do STE.
Em todas estas manobras falta apenas “combinar com os russos”, no caso o onipresente STF. Moraes já sinalizou que tanto anistia como indulto em casos de crimes contra a democracia não são aplicáveis. Os próceres das várias quadrilhas da direita, extrema direita ou meros oportunistas fisiológicos, abrigadas no Congresso exprimiram a esperança de que o STF não ousaria se opor a uma ampla maioria no Congresso, mas isto é apenas um “wishfull thinking” (tomar seus desejos pela realidade).
6.
O que vai acontecer quando, como todo mundo espera, Jair Bolsonaro et caterva forem condenados? A chantagem pode aumentar ainda mais com novas medidas de Donald Trump agredindo a nossa economia (fala-se de generalizar de novo as tarifas e aumentá-las para 100%), suspendendo o uso de satélites americanos por entes públicos ou privados brasileiros, aplicação da Lei Magnitsky contra outros membros do STF ou do governo brasileiro, suspendendo as licenças dos bancos brasileiros com filiais nos EUA, entre outras.
O impacto deste recrudescimento da agressão trumpista deve levar os empresários a adotar a postura pusilânime de reclamar a adoção de uma “solução” para o impasse e a pressionar Congresso e STF para achar um modo de capitular. É aí que entra a proposta de anistia proposta na Câmara, uma aberração voltada para livrar, não só Jair Bolsonaro e outros acusados de golpismo, mas todos os investigados ou potencialmente investigados de atos antidemocráticos desde 2019. Versões menos descaradas foram, até agora, rejeitadas em off pelo STF, mas uma versão mais palatável vem sendo negociada por Davi Alcolumbre com membros do supremo.
Livrar Jair Bolsonaro da cadeia será suficiente para que Donald Trump recue e retire suas medidas (tarifaços, etc)? Ou a pressão bolsonarista pela anulação da inelegibilidade de Jair Bolsonaro pelo TSE vai fazer com que Donald Trump mantenha suas agressões?
Como vai se comportar a grande mídia que hoje bate duro em Donald Trump em nome da soberania nacional? A ampliação da pressão empresarial por uma capitulação não deixará de influir nos editoriais de jornais como O Globo, Folha e outros (com possível excessão do Estadão) e nas redes de TV, engrossando o coro pela “pacificação do país”. E podemos esperar um recrudescimento da campanha pela anistia nas redes sociais bolsonaristas que ainda dominam este espaço virtual.
E qual vai ser a posição das Forças Armadas? Dada a relação estreita com as Forças Armadas americanas desde a Segunda guerra mundial e a dependência de equipamentos e satélites disponibilizados por eles, os nossos militares deverão entrar no time dos que vão pedir a dita pacificação. Lembremos que o golpe de Jair Bolsonaro foi barrado por pronunciamentos públicos de generais americanos, mas isto se deu no governo de Joe Biden. Qual o recado que estes militares americanos estarão transmitindo hoje para os nossos generais, em pleno governo de Donald Trump?
Como vai reagir a opinião pública expressa nas pesquisas? Se o movimento de queda na oposição à anistia aos golpistas continuar no ritmo em que vem ocorrendo neste último ano, não é impossível que a maioria embarque em uma posição mais favorável, dada a ampliação da campanha que não deixará de ocorrer.
Se somarmos as pressões do Congresso com as dos empresários (Faria Lima, agronegócio, …), grande mídia, redes sociais bolsonaristas e militares, com os eventuais interesses pessoais dos próprios ministros (alguns estão claramente assustados com a perspectiva de serem atingidos pela Lei Magnitsky) não é impossível que se forme uma maioria estreita no STF pela aprovação de uma anistia, em nome da “pacificação do país”, é claro.
Pelo histórico do comportamento dos ministros até hoje, podemos contar com cinco votos seguros pela anulação de uma anistia: Alexandre de Moraes, Carmem Lúcia, Cristiano Zanin, Flávio Dino e Edson Faquin. Votos seguros contra a anulação incluem os dois patetas bolsonaristas e o já vacilante Luiz Fux. E tanto Gilmar Mendes quanto Dias Tófolli já mostraram em vários momentos que não são confiáveis. A decisão ficaria nas mãos de Luís Roberto Barroso.
Como prevenir este quadro? O ideal seria uma mobilização social, nas ruas e nas redes sociais, mas já temos uma má experiência de atos públicos esvaziados e nas redes a iniciativa continua com os golpistas. O fundo do poço, no Brasil, nunca é o limite para o pior.
É claro que todas estas especulações podem ser varridas do contexto se Trump resolver esquecer o Brasil para se ocupar de questões mais graves da sua tenebrosa administração. Mas o histórico do presidente americano aponta para um comportamente patológico sempre mais agressivo, sobretudo se sentir-se desafiado nas suas vontades. Ele já mostrou total desprezo para as consequências econômicas negativas das suas decisões, seja na perseguição aos imigrantes, seja nos múltiplos tarifaços que distribuiu a torto e a direito pelo mundo afora. A probablilidade de um recrudescimento nas agressões ao Brasil é, infelizmente, siginificativa e nos falta uma ampla unidade no país para o enfrentamento com os estertores da decadente, mas ainda perigosa “maior potência do mundo”.
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