10 Setembro 2025
"Para 42% dos brasileiros, Bolsonaro é vítima de perseguição por instituições corruptas", escreve Camila Rocha, doutora em ciência política pela USP e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, em artigo publicado por El País, 10-09-2025
Eis o artigo.
Jair Bolsonaro é um dos líderes de extrema direita mais radicais do mundo. Durante a votação do impeachment de 2016 contra a ex-presidente Dilma Rousseff, quando ainda era deputado federal, buscou exaltar o homem que a torturou durante a ditadura militar: "Em memória do Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o terror de Dilma Rousseff, meu voto é sim". Meses antes, ele já havia afirmado que "o erro da ditadura foi torturar, não matar".
Em 1999, em um programa de televisão, Bolsonaro, um capitão aposentado do Exército, afirmou que a mudança no Brasil só seria possível com uma guerra civil e o assassinato do então presidente Fernando Henrique Cardoso.
O julgamento de Jair Bolsonaro e seus aliados deixa claro que tais declarações nunca foram mera bravata.
Desde 2021, o então presidente e seus aliados lançaram inúmeros ataques públicos contra o sistema eleitoral brasileiro. O objetivo era invalidar os resultados das eleições presidenciais de 2022. No entanto, essa tentativa foi bloqueada no Congresso. Duas semanas depois, Bolsonaro declarou que tinha apenas três opções para o futuro: morte, prisão ou vitória.
Durante as eleições, a campanha golpista continuou. Forças policiais foram mobilizadas para impedir que os eleitores de Lula chegassem às urnas. No entanto, essa tentativa também fracassou. Quando a vitória do novo presidente foi finalmente anunciada, as tensões aumentaram.
Com o objetivo de gerar caos social e pressionar comandantes do Exército e da Aeronáutica a aderirem ao golpe, diversos atos terroristas foram perpetrados em todo o país. Entre eles, destacam-se a tentativa de atentado a bomba contra um caminhão-tanque próximo ao aeroporto de Brasília em dezembro de 2022 e a tentativa de assassinato de Lula, do vice-presidente Geraldo Alckmin e do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes.
Sem sucesso, os golpistas fizeram uma última tentativa. Em 8 de janeiro de 2023, com apoio das Forças Armadas e da polícia, além de financiamento corporativo, milhares de pessoas se reuniram em Brasília para protestar. De forma planejada e com a ajuda de efetivos de elite do Exército treinados para realizar missões secretas, a manifestação culminou na invasão e vandalismo da sede dos Três Poderes em Brasília.
Durante toda a campanha do golpe, os envolvidos nunca se preocuparam em esconder as evidências. Muito pelo contrário.
O próprio Jair Bolsonaro foi declarado inelegível para concorrer às eleições de 2030 pelo Tribunal Superior Eleitoral, justamente por ter atacado publicamente o sistema eleitoral brasileiro durante reunião pública com embaixadores estrangeiros. Além disso, um documento contendo um plano de ação visando restringir o funcionamento das instituições democráticas foi encontrado em uma pasta intitulada "Lembranças Importantes" sobre a mesa ocupada por um assessor do General Walter Braga Netto, candidato à vice-presidência em 2022 e co-acusado com Bolsonaro.
A sensação de impunidade entre os militares brasileiros é histórica. Até agora, nenhum militar havia sido punido por civis pelos inúmeros golpes e tentativas de golpe ocorridos ao longo dos 135 anos de governos republicanos. Esta será a primeira vez.
Entretanto, apesar do significado histórico do julgamento, a radicalização persiste no Brasil.
Atualmente, 36% dos brasileiros acreditam que Jair Bolsonaro não participou da tentativa de golpe, e 39% consideram sua prisão domiciliar injusta, número que sobe para 87% entre seus apoiadores.
Para 42% dos brasileiros, Bolsonaro é vítima de perseguição. Para uma parcela significativa de seus apoiadores, ele é o verdadeiro defensor da democracia contra um sistema institucional corrupto e falido. Por isso, seus inimigos tentariam censurá-lo e prendê-lo.
É nesse contexto que, semanas antes do julgamento, 45% dos brasileiros compartilham a crença de que o Brasil vive uma "ditadura judicial". A democracia ainda tem um longo caminho a percorrer.
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