14 Agosto 2025
Incêndios: uma crítica ecossocial do capitalismo inflamável (Verso Libros, 2025) é um livro atemporal, mas não poderia ter sido lançado em um momento mais apropriado, com incêndios e temperaturas saindo do controle, especialmente na região do Mediterrâneo.
A entrevista é de Juan Bordera, publicada por Ctxt, 13-08-2025.
Com um prólogo do sociólogo John Bellamy Foster, o roteirista e cineasta Alejandro Pedregal (Madri, 1977) nos leva a refletir sobre as causas sistêmicas por trás de três trágicos incêndios ocorridos em junho de 2017 em Portugal, Peru e Reino Unido, ao mesmo tempo em que propõe uma crítica profunda ao capitalismo como estrutura de destruição social e ecológica.
Começo perguntando sobre a origem do livro. De onde ele veio?
Interessei-me por esses incêndios no momento em que ocorreram, e acho que o fato de terem ocorrido tão próximos despertou ainda mais interesse. Quando comecei a refletir sobre eles, não estava pensando em escrever um livro. Na verdade, devido à minha formação, na época eu pensava mais na possibilidade de fazer algo como uma espécie de ensaio-documentário, no estilo de algumas obras emblemáticas do Terceiro Cinema e de obras mais recentes de pessoas como Raoul Peck ou Göran Olsson. Eu estava interessado nessa espécie de tríptico que ligava tantos casos e episódios históricos. De certa forma, essa ideia inicial me mobilizou para montar a pesquisa, que passou por diferentes fases e interrupções por motivos nem sempre diretamente relacionados ao projeto. Mas, de qualquer forma, essa pesquisa ocupou mais espaço e, como a possibilidade de criar uma obra audiovisual foi engavetada, a escrita ganhou destaque. Acho que já estava claro naquela época que o trabalho estava caminhando mais para um formato escrito, como este livro, mas essa ideia inicial afetou a forma final que a obra assumiu.
Livro "Incêndios: uma crítica ecossocial do capitalismo inflamável", de Alejandro Pedregal
Incêndios terríveis têm devastado o país nestas semanas. Será que os incêndios estão mudando?
Sem dúvida. Estamos conduzindo um experimento muito perigoso com nossa atmosfera, que está mudando tudo, uma transformação profunda na relação entre clima, terra e fogo. A escala de eventos extremos, sejam incêndios, inundações ou secas, está aumentando, e não de forma linear. Diante dessa situação, que exigiria um esforço coordenado maior, o que encontramos é uma mistura alarmante de ignorância e falta de vontade política. É profundamente preocupante que, diante do excesso de biomassa, do abandono rural e da pressão climática, ouçamos vozes como a do presidente Salvador Illa concluindo que "há florestas demais". Em uma região como o Mediterrâneo, tão severamente afetada pelas mudanças climáticas, onde o mar está aquecendo descontroladamente, as florestas são essenciais: elas sequestram carbono, amortecem as temperaturas graças ao seu baixo albedo e equilibram o metabolismo de todo o seu ambiente de forma multifuncional.
É claro que o aquecimento global, somado à negligência com as políticas públicas de gestão rural e florestal, transformou muitas dessas florestas em verdadeiras bombas-relógio. Mas a solução não pode estar na eliminação da cobertura florestal, mas sim em uma gestão adaptativa com visão de longo prazo. Isso implica rever e intervir na arquitetura florestal, investir em manutenção – controlando a biomassa, por exemplo – e abordar as causas profundas do desequilíbrio rural-urbano. Dada a transformação que estamos vivenciando, a melhor maneira de enfrentar esses eventos extremos não é desmatar florestas para entregar terras ao agronegócio ou à construção civil, mas sim por meio de políticas capazes de cuidar delas e de nós.
Ao abrir o livro, a primeira coisa que você faz é apontar que este não é um livro sobre incêndios no sentido mais estrito, mas sim sobre a lógica destrutiva do capitalismo. Qual o papel do fogo como símbolo?
O fogo serve a um duplo propósito na estruturação do livro. Num plano material, serve para narrar uma série de eventos que expõem como o capitalismo gera condições de catástrofe ecossocial, algo explorado através dos incêndios de Pedrógão Grande, em Portugal, da Galeria Nicolini, em Lima, e da Torre Grenfell, em Londres. Mas o fogo também é proposto como uma metáfora poderosa: representa a lógica expansiva, voraz e amoral do capital, que avança descontroladamente pelo planeta como um "sujeito automático", devastando relações sociais, ecossistemas e modos de vida. Estes não são incêndios naturais nem acidentais: são sintomas de uma combustão sistêmica causada por uma ordem social específica e inflamável. É uma ordem baseada na desapropriação e exploração em escala global para servir à acumulação infinita, que é a base da ideologia do crescimento.
Os três incêndios que abrem cada um dos três capítulos centrais do livro ocorreram em contextos muito diferentes. O que os conecta estruturalmente?
O capitalismo como sistema tem um caráter global e integral. Portanto, embora distantes no mapa, esses incêndios foram apresentados como conectados pela estrutura histórica do capitalismo. Eles são unidos pela lógica do capital que os engendra e seu antagonismo inerente com a vida. Portanto, cada um desses incêndios expressa diferentes aspectos desse antagonismo: as contradições entre capital e natureza, entre capital e trabalho, e entre capital e reprodução social. Analisar cada um desses incêndios, juntamente com outros episódios históricos, revela uma dimensão diferente do "crime social" da ordem em que vivemos, dominada pela mercantilização, expropriação e exploração globalizadas, todas elas, por sua vez, permeadas pela segregação social, racial e de gênero. Os incêndios no livro, em outras palavras, são sistêmicos.
Assim, o incêndio em Portugal expôs como a lógica mercantil aplicada aos ecossistemas e à terra — que subjaz à fundação histórica dos cercamentos, da divisão rural-urbana e do colonialismo, e cuja expressão mais notável se cristaliza na monocultura — gera paisagens inflamáveis. O caso de Lima mostrou como a superexploração do trabalho e a informalidade estrutural no Sul global, manifestadas em condições de trabalho inseguras e insalubres, são condições constitutivas da ordem imperial de acumulação imposta pela dinâmica expansiva do capital; um sistema global de hierarquias moldado pela drenagem de valor que o Norte impõe ao Sul. Por sua vez, o incêndio da Torre Grenfell exemplificou o declínio da vida cotidiana sob o neoliberalismo, onde até mesmo o lar, como espaço de descanso, alimentação e cuidado, está exposto à ameaça. A atrofia do urbanismo globalizado é condicionada pela crescente migração climática que condena os setores mais vulneráveis, especialmente aqueles de cor e racialização.
No caso de Pedrógão Grande, você fala do eucalipto como símbolo de uma profunda transformação do território. Como esse processo se insere na lógica do capital?
O incêndio em Portugal expõe como algo tão trivial como o eucalipto, quando integrado à dinâmica capitalista de mercantilização universal, transcende sua condição natural para se tornar parte da própria maquinaria do capital.
Sua implementação massiva em Portugal respondeu a um modelo específico de modernização (algo semelhante ao que também ocorreu na Espanha), que via a monocultura como um meio lucrativo para o desenvolvimento industrial, em detrimento das populações rurais, dos ecossistemas, dos solos e da biodiversidade. Sob suas cinzas, o que resta é uma história de cercamentos, expropriações e subordinação do uso da terra às demandas do mercado. Nesse sentido, o incêndio não foi acidental, mas o resultado de uma lógica econômica sócio-histórica específica que transformou as florestas em ativos comercializáveis. É uma forma de acumulação por combustão, poderíamos dizer.
O capítulo sobre Lima se aprofunda no conceito de "superexploração". Por que esse conceito é importante para entender tragédias no ambiente de trabalho como a da Galeria Nicolini?
Porque o que ali ocorreu não foi um acidente, mas a culminância de uma cadeia de aspectos estruturais que o capital impõe à vida, neste caso, por meio do trabalho. Os dois jovens, presos em condições de semiescravidão, morreram por estarem inseridos em um sistema que exige sua vulnerabilidade para funcionar. O trabalho mercantilizado transforma trabalhadores em mercadorias, e a dominação da vida pelo capital esgota as alternativas de vida fora dela, especialmente para as classes mais vulneráveis da periferia. A mal chamada "flexibilização laboral" e o ataque a todos os direitos trabalhistas não são desvios do capitalismo globalizado, mas sim parte constitutiva de seu funcionamento. A superexploração, como argumentou Ruy Mauro Marini, é uma condição estrutural do capitalismo como sistema global, que desenvolve um elo inalienável entre regimes de dominação e dependência que impõem o escoamento de valor.
As cadeias globais de valor exigem que o Sul produza de forma barata e rápida para que o Norte possa consumir a baixo custo. Isso tem sido chamado de "modo de vida imperial"; um modelo que exacerba o acúmulo sistêmico de resíduos, impactando particularmente a ecologia humana das massas trabalhadoras da periferia. Para produzir dessa forma, condições de trabalho predatórias devem ser impostas: segurança e saúde têm um custo que deve ser reduzido a todo custo.
Qual o papel da história colonial nesses processos de precarização contemporânea?
Um papel central. As formas atuais de desapropriação, exclusão e subordinação não podem ser compreendidas sem sua genealogia colonial. Do guano e do nitrato no Peru à expropriação de terras comunais e à segregação urbana, há uma continuidade entre a acumulação colonial de riqueza e sua renovação neoliberal. As fronteiras entre periferia e centro são um reflexo amplificado da divisão entre campo e cidade. Não apenas não desapareceram, como se expandiram devido à lógica expansiva do capital. Além disso, reproduzem-se tanto nos circuitos de comércio global quanto nos bairros marginalizados das grandes metrópoles, onde vivem populações racializadas, migrantes e empobrecidas, como ficou evidente na Torre Grenfell.
Grenfell demonstrou como, dentro da lógica da acumulação capitalista, existe uma continuidade entre a história colonial e o presente neoliberal, ameaçando até mesmo os espaços que sustentam a vida: moradia, cuidado, descanso, alimentação e lazer. Mostrou também que repensar a reprodução social implica questionar como certos corpos sociais — pobres, migrantes e mulheres — continuam sendo dispensáveis hoje para manter a ordem vigente, inclusive nas cidades globais. Essa continuidade não é anedótica nem acidental.
O livro conclui com uma reflexão esperançosa, que poderia ser resumida como a ideia de que "outro fogo é possível". Como construímos esse fogo emancipatório de que ele fala? Deveríamos "queimar" para evitar a conflagração?
Sim, esse outro fogo é o de uma luta coletiva que já existe nas fissuras do sistema e que nos permite refletir sobre possíveis alternativas. De propostas de restauração metabólica, como a agroecologia, a compromissos com a tomada e redistribuição de terras de comunidades rurais e indígenas e outras experiências ligadas a movimentos de libertação nacional no Sul Global ou feminismos populares, há uma ampla variedade de propostas táticas e estratégicas voltadas para a mudança sistêmica que colocam a vida no centro diante da invasão corporativa do capital. São essas experiências antissistêmicas que estão construindo, com maior ou menor grau de autorreflexividade, uma outra forma de habitar o mundo.
Ao falar desse "outro fogo" no livro, sugiro uma releitura do mito de Prometeu mais próxima de seu original, vinculada a outros mitos orientais, como o védico Matariswan ou o sumério Enki, e afastada do eurocentrismo que domina sua interpretação desde o século XIX, como símbolo de dominação sobre a natureza e do produtivismo inerente ao projeto de modernização capitalista.
Mas esse "outro fogo" também é um chamado à reflexão sobre o papel da ciência como um bem popular a serviço das necessidades humanas, liberto da instrumentalização imposta pelo capital. É aqui que o papel emancipatório do fogo pode servir para repensar, dentro de uma concepção científica "centrada nas pessoas" (como um grupo de cientistas latino-americanos a chamou), uma dialética entre o conhecimento de práticas sociais situadas e o conhecimento sistematizado, formalizado e técnico. E, como tal, esse fogo emancipatório é um fogo verdadeiramente democratizante, não imposto, mas cultivado, transmitido e aceso de baixo para cima, de acordo com a escala humana e os limites planetários.
Mas não para por aí; essa é a base sobre a qual ele faz sua proposta de decrescimento ecossocialista no livro.
De fato, o livro pretende ser um trabalho de intervenção, e a reflexão sobre o decrescimento ecossocialista faz parte dele. Nesse sentido, vale ressaltar que o decrescimento aqui é proposto como parte de uma concepção antissistêmica e, consequentemente, anti-imperialista. A inércia expansiva do capital — que moldou a globalização — nos permite identificar o capitalismo global com o imperialismo. Em contraste, concebo o decrescimento dentro de toda uma constelação de movimentos antissistêmicos, que no Sul estão se desenvolvendo, entre muitos outros, em esferas voltadas à apropriação e redistribuição de terras (como o MST e o MTST, por exemplo) ou em políticas de restauração metabólica, como é o caso da agroecologia e defendida pela Via Campesina. É a unidade de diferentes movimentos antissistêmicos — uma espécie de Internacional Antissistêmica, se preferir — operando em esferas específicas e com potencial de unificação diante da contradição que o capitalismo global representa para a vida e o planeta. É isso que entendo como um compromisso que o decrescimento deve assumir diante da necessidade urgente de mudança social global.
Por essa razão, acredito que o decrescimento deve ser abordado como uma proposta voltada principalmente, como aponta o antropólogo Jason Hickel, para o Norte Global, que é a região com maior impacto ecológico e social no mundo. O Norte Global impõe uma troca ecológica desigual por meio das dinâmicas destrutivas de produção e consumo que dominam graças à sua posição hierárquica na ordem global. Essa perspectiva deve abordar a ligação entre decrescimento e o que tem sido chamado de desconexão — que Hickel extrai das abordagens de Samir Amin. Como parte do movimento de justiça climática, o decrescimento da produção e do consumo ecossocial de alto impacto permitiria ao Sul se "desconectar" da dominância imposta pelas cadeias de suprimentos do capital global. Com isso, a periferia do sistema poderia redirecionar suas estratégias produtivas de forma autônoma e soberana, sem precisar se concentrar em exportações de bens manufaturados altamente poluentes e degradantes para sua sociedade e ecossistemas. Por sua vez, romper com esses regimes de dependência permitiria o desenvolvimento de modelos de cooperação Sul-Sul que facilitariam modelos de desenvolvimento local autossuficientes, focados nas necessidades socioecológicas e priorizando um metabolismo social soberano. Portanto, acredito que o decrescimento é hoje apenas um dos vários movimentos antissistêmicos, com suas falhas e deficiências, mas certamente o mais receptivo às demandas do Sul em comparação com outras posições ambientalistas do Norte.