03 Abril 2024
Todos os levantamentos mostram como favoritos nas próximas eleições dois candidatos da direita.
A reportagem é de Jaime Bordel Gil, publicada por El Salto, 02-04-2024.
No dia 11 de março, completaram-se dois anos da posse de Gabriel Boric como presidente da República do Chile. Um segundo aniversário amargo que ocorre em um momento em que o país andino parece estar virando inexoravelmente para a direita. Embora a taxa de aprovação do presidente esteja estabilizada em torno de 30%, o apoio que ele obteve no primeiro turno das eleições presidenciais mostra todos os levantamentos como favoritos nas próximas eleições dois candidatos da direita.
Se as previsões das pesquisas se confirmarem, o segundo turno das eleições presidenciais colocaria a prefeita da direitista União Democrata Independente (UDI), Evelyn Matthei, contra o candidato da direita radical José Antonio Kast, que voltaria a disputar o balotaje. Uma situação que reflete a marcante guinada à direita que o país tomou nos últimos anos.
São muitos os fatores que influenciaram essa deriva, mas dois deles são fundamentais para entender a mudança que ocorreu nos últimos anos: a incapacidade do governo Boric de avançar com sua agenda e a profunda crise de segurança em que o país se encontra imerso.
A paralisia legislativa tem sido o principal foco de problemas do governo Boric durante esses dois primeiros anos de mandato. Com um congresso sem maioria, o presidente não só precisa conciliar as diferentes forças que integram seu governo, mas também deve enfrentar um congresso onde a direita e a extrema-direita contam com 68 dos 155 deputados que compõem a câmara. Esse quebra-cabeça difícil impediu o governo de avançar com as principais reformas que pretendiam estruturar seu mandato: a reforma do sistema educacional, do sistema de pensões e o alicerce que deveria financiar tudo: a reforma tributária.
Embora tenham sido implementadas medidas importantes, como a redução da jornada de trabalho de 45 para 40 horas, o aumento do salário-mínimo ou a eliminação da coparticipação no sistema de saúde pública, em áreas tão centrais quanto o sistema tributário ou as pensões, não foi possível chegar a um acordo.
O governo está sujeito a constantes jogos de soma zero. Se ele se mantém firme no conteúdo de suas propostas, ele se choca contra instituições nas quais não tem maioria, mas se reduz excessivamente seus propósitos, corre o risco de perder o apoio dos elementos mais progressistas de sua própria coalizão. O resultado tem sido uma ação governamental errática, onde, apesar de ter conseguido alguns avanços, não foram resolvidos os problemas estruturais do país, como desigualdades em pensões, saúde e educação ou um sistema fiscal fortemente regressivo.
Essa paralisia, além de impedir a resolução dos problemas que o país enfrenta, gera frustração, desencanto e desconfiança, três sentimentos que alimentam a direita e a extrema direita. A incapacidade de implementar grande parte de seu programa político gerou no Chile a sensação de que o governo que veio para mudar tudo é apenas mais um governo, incapaz de resolver as falhas estruturais do sistema e distante dos problemas reais das pessoas. E é desse descontentamento que se nutrem as opções políticas que parecem hoje poder protagonizar uma guinada conservadora no Chile.
O outro fator que mais influenciou na direitização do país é a crise de segurança. Há vários anos, o número de homicídios aumentou e começou a surgir um tipo de criminalidade mais violenta à qual os chilenos não estavam acostumados. Essa mudança de paradigma fez crescer consideravelmente a percepção de insegurança cidadã e a criminalidade se tornou o problema mais importante para os chilenos.
Numerosos especialistas concordam que a preocupação não é resultado de alarmismo e que nos últimos anos a situação piorou consideravelmente. O aumento da presença de gangues criminosas estrangeiras, especialmente em Santiago, fez surgir um tipo de criminalidade, onde segundo o promotor nacional Ángel Valencia, "a violência não é mais usada apenas para garantir o resultado do crime, mas para infundir medo na comunidade".
Esse contexto não favoreceu em nada o governo, cuja resposta tem sido criticada de todos os lados. Por um lado, é acusado de falta de contundência, e por outro, de recorrer aos mesmos métodos repressivos usados por governos anteriores, como os estados de emergência ou impulsionar a presença de militares nas ruas.
O fato é que, como acontece em quase todas as regiões, quando a segurança cidadã domina a agenda política, a direita costuma se beneficiar. Isso aconteceu na eleição dos Conselheiros Constitucionais em maio de 2023, quando o Partido Republicano de Kast foi a primeira força após uma campanha centrada na segurança e na criminalidade, e quase um ano depois a situação continua muito parecida. A diferença é que, após o tropeço de Kast no segundo plebiscito constituinte, quem parece agora capitalizar esse descontentamento é a prefeita conservadora Evelyn Matthei.
A paralisação de um governo que chegou com grandes promessas de mudança somada a um momento político onde os temas que mais preocupam a cidadania favorecem a direita gerou uma situação onde as opções conservadoras parecem ter o vento a seu favor. Ainda há tempo para o término da legislatura, e seria um erro tanto dar por morto Boric e a esquerda chilena quanto dar como certo que os atuais favoritos, Matthei e Kast, serão os que finalmente chegarão a La Moneda. Dois anos antes das eleições presidenciais anteriores, Gabriel Boric não era cogitado como candidato, e o ultradireitista Kast, que disputou o segundo turno contra o atual presidente, não era levado a sério nem pela própria direita, então as coisas ainda podem mudar muito.
No entanto, nesta altura da legislatura, as tendências são evidentes, e enquanto no meio do mandato de Piñera a sociedade girava para a esquerda elegendo uma Convenção Constitucional de claro viés progressista, hoje no Chile o governo não consegue decolar enquanto a direita capitaliza os descontentamentos com o governo.
O governo de Gabriel Boric terá que se recuperar o mais rápido possível se quiser evitar uma derrota avassaladora em 2025. Para isso, não apenas terá que tentar responder à crise de segurança cidadã, mas também revitalizar uma agenda legislativa que permita implementar mudanças em áreas como educação ou pensões. A única maneira de evitar que essa guinada conservadora chegue ao Palácio de La Moneda é deixar um legado pelo qual ser lembrado. Após o fracasso do processo constituinte, este legado não será uma nova constituição. Portanto, ao governo de Boric resta apenas ser aquele que plantou a semente para acabar com a privatização dos sistemas de saúde, pensões e educação. Se não conseguir, a guinada à direita no Chile será praticamente irreversível.
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Chile vira para a direita após dois anos de governo de Gabriel Boric - Instituto Humanitas Unisinos - IHU