Congo está sendo “martirizado” devido a seus recursos naturais. Vaticano desafiará EUA e China?

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03 Fevereiro 2023

O menor Estado do mundo, o Vaticano, poderia efetivamente pressionar as duas principais superpotências do mundo, a China e os Estados Unidos, durante a visita de três dias do Papa Francisco à República Democrática do Congo?

O comentário é de Christopher White, publicado em National Catholic Reporter, 31-01-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Sim – é o que se espera – de acordo com algumas das lideranças católicas do país, que também são especialistas e defensoras do meio ambiente.

“Há uma corrida entre a China e os Estados Unidos devido a recursos naturais cruciais como o lítio, o cobalto e o cobre, disse o padre jesuíta congolês Jacques Nzumbu. “Para vencer a concorrência, você precisa desses minerais. E o Congo está sofrendo devido a essa concorrência.”

Os recursos naturais do Congo são quase inigualáveis no mundo, com seus minerais estratégicos essenciais para a transição para a energia verde no Norte global. As florestas da Bacia do Congo são conhecidas como o segundo maior pulmão do planeta, depois da Amazônia, e, junto com seu sumidouro de carbono – o maior do mundo –, são vistas como essenciais para o combate às mudanças climáticas.

Apesar de tais tesouros, o Congo é um dos países mais pobres do mundo, onde mais de 77% da população vive abaixo da linha internacional da pobreza. Nas últimas três décadas, cerca de 10 milhões de congoleses morreram devido a guerras e conflitos armados em curso, inclusive devido aos minérios do país.

“Por trás desses minérios em conflito, estão homens e mulheres de negócios, e multinacionais que lucram com a guerra”, disse Nzumbu ao Earthbeat. “E, por trás dessas multinacionais e interesses econômicos, existe o bem-estar do Norte global às custas da população e das comunidades locais.”

É aqui que entra em cena o Papa Francisco, cuja visita ao Congo, entre os dias 31 de janeiro e 3 de fevereiro, deve destacar uma série de questões que o país enfrenta.

Segundo Nzumbu, como o meio ambiente tem sido um tema central de seu papado de uma década, Francisco deveria “denunciar o sacrifício e o martírio do Congo devido a seus recursos naturais”.

“O papa pode alertar o mundo para essa situação, que só deve aumentar o sofrimento e as guerras na República Democrática do Congo, varrendo a verdadeira paz”, acrescentou.

Nzumbu observou que, além da exploração mineral, o abastecimento de petróleo e as florestas do país estão se esgotando e que a comunidade internacional muitas vezes ignora as leis e os regulamentos minerais locais, que, segundo ele, privam as comunidades locais dos meios de sobrevivência necessários.

“O Congo tem que produzir cada vez mais sem respeitar os direitos humanos”, afirmou. Empresas globais vão ao Congo para comprar seus minérios, permitindo que o mundo desenvolvido faça a transição para a energia verde por meio de produtos como carros elétricos e baterias de íon-lítio – assim como outras tecnologias avançadas, como a impressão 3D, a robótica e os drones –, enquanto o Congo fracassa em obter quaisquer ganhos com a transição, explicou.

“Estamos provando essas coisas, enquanto, em casa, estamos poluindo e não temos luz”, disse.

Em 2007, a Conferência dos Bispos do Congo formou sua Comissão Episcopal para os Recursos Naturais, conhecida como CERN, para influenciar os legisladores e as políticas relativas aos recursos naturais e aos códigos de mineração, assim como para educar melhor a população em geral sobre a responsabilidade ambiental.

De acordo com Henri Muhiya, secretário executivo da comissão, a “autoridade moral do papa é reconhecida mundialmente”, e ele espera que a mensagem dele aos países que visam aos recursos do Congo seja em prol do “comércio ético e justo”.

“Durante anos, países e multinacionais protegidos por seus países de origem usaram mecanismos injustos para ter acesso aos recursos naturais da República Democrática do Congo”, disse ele ao Earthbeat, descrevendo uma longa história de corrupção, venda de armas, fraudes de mineração e muito mais.

Muhiya lamentou especificamente o fato de que a maioria dos mineradores não está cumprindo o Acordo de Paris de 2015 sobre as mudanças climáticas.

Nzumbu, especialista em minérios de conflito e em tecnologia de energia renovável, disse que uma transição justa para a energia verde exige que o mundo inteiro rejeite a noção “de que os minérios são mais importantes do que os homens e as mulheres do Congo”.

Ele acrescentou que isso requer a adoção de um novo modelo econômico, que coloque a pessoa humana no centro da economia.

Nzumbu disse que a mudança exigirá um maior respeito aos direitos econômicos, sociais e culturais das comunidades locais onde ocorre a mineração, o fim da exportação de minerais brutos quando a comunidade local não se beneficia com isso, e a garantia de que os congoleses também se beneficiem dos lucros e ganhos em termos de baterias e energias renováveis.

“Esse novo conceito também envolve o fato de tirar todas as crianças das minas artesanais, de proteger as mulheres vulneráveis nas minas e de dar às mulheres acesso a cargos de decisão nas empresas de mineração”, acrescentou.

Embora esteja ciente de que uma série de prioridades superam a visita cheia de compromissos de Francisco ao país, ele acredita que “a resistência e a resiliência do povo congolês diante de tal transição devem ser ressaltadas”.

A visita de Francisco, acrescentou, com base em suas encíclicas Laudato si’ e Fratelli tutti, destaca que “a solidariedade universal pode ser uma oportunidade única para ressaltar os impactos e os efeitos dessa transição injusta e desequilibrada, benéfica para o Norte global, mas prejudicial para o Congo, que vive uma amarga desumanização”.

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