17 Janeiro 2023
"Pachamama, um papa que destrói a Igreja? Porque Francisco ousou e ousa ser apenas um servo do Senhor, um cristão obediente ao Evangelho, um conhecedor da humanidade, um homem que não tem medo dos poderosos. Quanto mais Francisco faz o Evangelho aparecer em sua nudez, mais os poderes adversos dispararão contra ele e contra a igreja que ele serve", escreve o monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado por La Repubblica, 16-01-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
Este são dias em que emergem com muito mais clareza os contrastes, os conflitos e as "guerras" dentro da igreja católica. A morte de Bento XVI, a incauta revelação póstuma de algumas de suas palavras e dos seus sentimentos por parte do secretário particular e a revelação da identidade do autor do documento atribuído ao Cardeal Pell — um verdadeiro grito de alarme sobre a situação da Igreja —, são fatos que abalaram e ainda abalam todos os dias os crentes, que nem sempre entendem um assunto tão conflituoso, mas sofrem com essa situação tão nova para a "gente católica", à mercê das tagarelices das sacristias e das denúncias feitas pela mídia.
O resultado não será o tão temido e imaginado "cisma" de uma parcela dos católicos, porque já não é mais tempo de fundações, mas será um silencioso abandono da Igreja por parte de muitos que se sentem cansados e amargurados por tantas brigas fraternos que se consomem numa esquizofrenia hipócrita: por um lado, uma corrida ao diálogo com os não-católicos, com os crentes de outras religiões, e se realizam cooperações entre igrejas nunca vista na história do cristianismo; do outro lado, há intolerância de quem que, embora católico, compartilha a mesma fé com um estilo diferente.
Aqui a luta, o antagonismo, são ferozes com a deslegitimação recíproca e a impossibilidade de reconhecer a fraternidade que também tem seu fundamento no único batismo.
Numa vida eclesial tão atravessada por polarizações há algo de novo: os ataques, a rejeição, o insulto ao Papa. As críticas ao papa já estavam presentes na Igreja nos últimos tempos, pelo menos desde o pontificado de Paulo VI e depois de seus sucessores, mas as acusações ou eram morais (e isso aconteceu até com o íntegro Papa Montini!), ou eram críticas pelo governo. Com o Papa Francisco ataca-se o que é o seu carisma: confirmar os irmãos na fé, e se chega à deslegitimação e ao insulto.
Por que se chega até a afirmar que ele é um papa herético, um idólatra da deusa pagã
Pachamama, um papa que destrói a Igreja? Porque Francisco ousou e ousa ser apenas um servo do Senhor, um cristão obediente ao Evangelho, um conhecedor da humanidade, um homem que não tem medo dos poderosos. Quanto mais Francisco faz o Evangelho aparecer em sua nudez, mais os poderes adversos dispararão contra ele e contra a igreja que ele serve.
Também o Papa Francisco, como todo homem, tem seus defeitos, seu caráter que pode não agradar, sua forma de governar a Igreja que pode ser criticada, mas para os católicos ele é o sucessor de Pedro, é aquele por quem Jesus garantiu rezar, é o homem frágil e limitado que deve ser julgado apenas pela forma como anuncia o Evangelho e preside à comunhão plural da Igreja. Sabemos isso pelos Evangelhos: aquele que é a "Pedra", ou seja, o fundamento da fé, pode tornar-se um rebento, mas também sabemos que haverá um galo que cantará e o chamará de volta.
Leia mais
- Igreja dividida e idolatria do Papa. Artigo de Enzo Bianchi
- Cardeal Pell ataca Papa Francisco em memorando secreto: “Este pontificado é um desastre”
- O legado do cardeal George Pell: é disso que a Igreja precisa agora?
- Ataque ‘zumbi’ contra Francisco: os papéis do Cardeal Pell criticando o Papa
- Cardeal Pell é o autor do memorando Demos, duramente crítico do pontificado de Francisco
- Memorando sobre o próximo conclave circula entre os cardeais
- O ‘despejo’ de Gänswein: ele terá que deixar o Mater Ecclesiae antes de 1º de fevereiro
- O Papa convoca Gänswein para explicações. O ex-secretário de Ratzinger cada vez mais isolado
- O que está por trás do embate entre o Papa e os tradicionalistas. Artigo de Massimo Franco
- “Chega de violência, direitos iguais para as mulheres”
- “Sou discípulo de Jesus ou discípulo da fofoca, que divide?”, questiona o Papa Francisco no festa do Batismo do Senhor
- Georg Gänswein com o Papa Francisco: “Agora tenho que calar a boca”. A decisão sobre seu futuro
- Um padre pede a Gänswein que interrompa a publicação de suas memórias
- Georg Gänswein, novas revelações: “Francisco não ouviu Ratzinger sobre a questão de gênero”. Bergoglio: “Silêncio e humildade, não acreditem em notícias falsas”
- Depois de Becciu e Zen agora cabe a Gänswein. Uma mudança de curso?
- Igreja: renúncia, heresia ou morte. Iniciou em 2015, o cerco da direita “ratzingeriana” contra Francisco
- A guerra das correntes começou e a sombra de um duplo cisma está aparecendo
- Conflitos internos. Em torno dos restos mortais de Bento XVI, acerto de contas no Vaticano
- O escândalo cresce sobre o secretário de Bento XVI: novas revelações sobre Francisco vazaram logo no dia do funeral
- Quem está por trás de Dom Georg Gänswein
- Georg Gänswein: “Quando Francisco me dispensou fiquei chocado, ele me tornou prefeito pela metade”
- Gänswein: “As palavras de Bento XVI, como sucessor de Pedro, não foram aceitas”
- Oposição ao Papa Francisco está enraizada na rejeição ao Vaticano II. Artigo de Massimo Faggioli
- Opositores do papa: continuem assim
FECHAR
Comunicar erro.
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
A igreja dividida. Artigo de Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU