10 Janeiro 2023
Gänswein: “Bento escreveu a Francisco que era necessária uma ‘resistência forte e pública’. Não chegaram outros pedidos específicos de observações”.
A reportagem é de Virginia Piccolillo, publicada por Corriere della Sera, 01-07-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
“Deus encontra-se na humildade e no silêncio”. Ressoa como um gongo no final de round o lembrete do Papa Francisco, nos dias do clamor causado pelas revelações do assistente do Papa Bento XVI, Georg Gänswein, sobre atritos e desentendimentos entre os dois pontífices. E, logo em seguida ao funeral do Papa Ratzinger, ponto de referência da ala mais tradicionalista dos católicos que entrou em fibrilação, faz um alerta para não "criar escândalo”.
Falando aos fiéis na Epifania, Bergoglio pontua: “Adoremos a Deus e não ao nosso eu; adoremos a Deus e não aos falsos ídolos que nos seduzem com o fascínio do prestígio e do poder, com o fascínio das notícias falsas; adoremos a Deus para não nos curvarmos diante das coisas passageiras e das lógicas sedutoras, mas vazias, do mal”.
Impossível não pensar nas palavras de Gänswein que, em seu próximo livro Nient’altro che la Verità (Nada além da Verdade, em tradução livre), lamenta ter ficado "chocado" com a decisão do Papa Francisco de torná-lo um "prefeito pela metade".

Nient'altro che la verità. La mia vita al fianco di Benedetto XVI
A fé, recorda o Papa argentino, é também "sofrimentos que penetram na carne". E acrescenta: “Nesses momentos surgem do nosso coração aquelas perguntas irreprimíveis, que nos abrem à busca de Deus”. E entre estas: “Onde está aquele amor que não passa, que não desvanece, que não se quebra nem mesmo diante das fragilidades, dos fracassos e das traições?”.
O Papa Francisco cita o Papa Bento XVI, explicando que a fé é uma "peregrinação", um "colocar-se em caminho". E ressalta que “a fé não cresce se permanece estática; não podemos encerrá-lo em alguma devoção pessoal ou confiná-lo dentro dos muros das igrejas, mas é preciso levá-la para fora, vivê-la em constante caminho rumo a Deus e aos irmãos”. Quase sugerindo uma resposta ao padre Georg que o acusou em uma entrevista de ter "partido o coração de Ratzinger" com sua interrupção das missas em latim.
Mas o Papa Francisco não se limita a advertências. E como para acabar com as fofocas sobre sua hipotética renúncia (mais simples agora que Ratzinger se foi e que não haveria três papas, dizem aqueles que almejam por isso) ele retoma vigorosamente as rédeas da tomada de decisões. Revoluciona a sua diocese, a de Roma e coloca sob controle o cardeal vigário, Donatis. “Não empreenderá iniciativas importantes ou que ultrapassem a administração ordinária sem antes me referir”, dispõe. A linha é ditada logo no início da Constituição Apostólica. E é um desvio para uma “conversão missionária e pastoral” para “não deixar as coisas como estão”.
“A Igreja perde a sua credibilidade”, adverte, “quando os seus membros, às vezes mesmo aqueles investidos de autoridade ministerial, são motivo de escândalo com seus comportamentos infiéis ao Evangelho”, observa o Papa. Sem citar o caso do jesuíta Marko Rupnik, acusado de abuso por parte de várias religiosas. E espera uma Igreja de Roma que seja "para todas as outras, testemunha de que ninguém deve ser excluído". Com particular empenho “no acolhimento de tantos refugiados e migrantes”. E conclui: “Sonho com uma transformação missionária que envolva integralmente as pessoas e as comunidades, sem se esconder ou buscar conforto na abstração das ideias”.
Mas é nas ideias que se dá o embate entre as “torcidas contrárias”, como as chama o padre Georg. No livro, ele reconstrói as diferentes visões de Francisco e Bento. Em primeiro lugar aquela sobre como lidar com a “propaganda sobre a filosofia de gênero”.
Ratzinger escreveu para Bergoglio. Concordando com o Papa que era necessário "encontrar um equilíbrio entre o respeito pela pessoa e o amor pastoral e a doutrina da fé", advertiu que "a filosofia de gênero ensina que é o indivíduo que se torna homem ou mulher. Não se trata do bem da pessoa homossexual, mas de uma manipulação deliberada do ser”. “Sei que muitos homossexuais se sentem como pretexto para uma guerra ideológica. Portanto, uma resistência forte e pública é necessária”, escreveu Bento XVI.
E Gänswein observa: "Os pedidos específicos de observações não chegaram".
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Georg Gänswein, novas revelações: “Francisco não ouviu Ratzinger sobre a questão de gênero”. Bergoglio: “Silêncio e humildade, não acreditem em notícias falsas” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU