O retorno do “Clube de Roma”: vamos parar o extermínio do futuro. Artigo de Daniela Padoan

Mais Lidos

  • “A destruição das florestas não se deve apenas ao que comemos, mas também ao que vestimos”. Entrevista com Rubens Carvalho

    LER MAIS
  • Povos Indígenas em debate no IHU. Do extermínio à resistência!

    LER MAIS
  • “Quanto sangue palestino deve fluir para lavar a sua culpa pelo Holocausto?”, questiona Varoufakis

    LER MAIS

Revista ihu on-line

Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

Edição: 552

Leia mais

Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

Edição: 551

Leia mais

Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

Edição: 550

Leia mais

12 Mai 2022

 

Os argumentos apresentados neste artigo são propostos hoje em Milão por Daniela Padoan, escritora, ensaísta, diretora da Associação Laudato Si’, na palestra proferida por ocasião da apresentação do novo relatório do Clube de Roma que se realiza no Palazzo Marino.

 

O artigo é publicado por Avvenire, 10-05-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.

 

Eis o artigo.

 

Como uma surpresa, quase um anacronismo após mais de dois anos de uma pandemia que continua furiosamente a moer vítimas - seis milhões e 250 mil, segundo estimativas oficiais, pelo menos o triplo considerando os mortos em excesso - e uma guerra europeia que nos obrigou a levantar o véu sobre o pesadelo nuclear que havíamos domesticado e quase esquecido, o Clube de Roma faz um balanço dos cinquenta anos que se passaram desde a publicação de seu famoso relatório Os limites do crescimento.

 

O extraordinário esforço de análise ecológica, econômica e política dos sistemas complexos, possibilitado em 1972 pelo modelo World3 do System Dynamics Group do MIT, havia explicado que o progredir de um crescimento exponencial levaria ao colapso de nosso mundo, feito de recursos finitos, superpovoado, poluído e invadido por resíduos, onde a natureza é reduzida a matéria a ser extraída e capitalizada como mercadoria.

 

Este aviso, que inclusive desencadeou o maior debate sobre o futuro da humanidade, caiu em ouvidos surdos. Continuamos a assistir ao aumento das temperaturas globais, ao derretimento das geleiras, à progressiva desertificação e deflorestação do planeta, até nos vermos atacados por um vírus resultante da erosão dos habitats naturais e da expansão das megacidades, e enredados num impensável conflito europeu e global para a tomada de recursos.

 

Talvez seja por isso que o próximo volume a ser publicado Limits and Beyond: 50 years on from The Limits to Growth, what did we learn and what’s next? (Limites e além: 50 anos depois de The Limits to Growth, o que aprendemos e o que vem a seguir?) tem o efeito de um retorno do que foi removido, uma estátua do Comendador que sobe do subsolo para cobrar uma conta, sem que nós consigamos nem mesmo assumir a trágica graça de um Dom João mozartiano ao olhar na cara a realidade que queríamos enganar.

 

Limits and Beyond: 50 years on from The Limits to Growth, what did we learn and what’s next?

 

Os cenários desenvolvidos pelo estudo realizado em 1972 mostravam que, se as políticas globais não fossem radicalmente mudadas, o sistema econômico e a civilização industrial humana entrariam em colapso nas primeiras décadas do século XXI.

 

Perdemos cinquenta anos preciosos. Nossa espécie que, com seus 7,9 bilhões de indivíduos, representa apenas um nove milésimos da biomassa do planeta, conseguiu encher o mundo de manufaturados, a ponto de o reino artificial - feito de concreto, tijolos, asfalto, plástico, carros, celulares, lixo e todos os outros infinitos objetos produzidos pelo homem - desde 2020 ultrapassou o peso total dos organismos criados pela natureza: animais, plantas, fungos, vírus, bactérias. Em pouco mais de cem anos, desde o início do século XX, reduzimos para menos da metade o número de animais que povoavam o planeta.

 

De acordo com a distribuição geral de biomassa, 70% de todas as aves do planeta são agora representadas por frangos. 60% dos mamíferos é representado pela pecuária: palavra que já em sua etimologia contém a redução à pluralidade indistinta de corpos escravizados, nomeados como bois, suínos, ovinos, caprinos, equinos. O que resta de biomassa de mamíferos é composto em 36% por nós humanos e apenas 4% pelos animais silvestres. De acordo com o Relatório de Avaliação Global sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos do Ipbes, pelo menos um milhão de espécies viventes estão em perigo de extinção, de uma estimativa de cerca de 8 milhões de espécies existentes. Esses são os números de um extermínio.

 

Enquanto devoramos como cupins cada espaço, cada diversidade, cada vida não codificada, ainda nos dizem - em essência - que não há outro sistema econômico possível além daquele que fez com que, desde o início da pandemia, o patrimônio dos dez maiores bilionários do mundo aumentasse de US$ 540 bilhões no total, principalmente na indústria e na produção de fármacos; e agora é a vez do setor bélico.

 

Enquanto isso, em 7 de dezembro de 2020, a água, o mais vital dos bens comuns, foi cotada na Bolsa de Valores de Chicago por iniciativa do poderoso fundo de investimento especulativo global Black-Rock. Estamos diante, desprovidos de instrumentos normativos e sancionatórios, da progressiva devastação do nosso mundo. Os autores de Limits and Beyond afirmam a necessidade de uma ação global concertada para administrar os bens comuns da Terra. "Se queremos resolver problemas globais, devemos implementar mecanismos globais de tomada de decisão e instituições globais que funcionem", escreve Ugo Bardi no relatório. “Infelizmente, pouco ou nenhum progresso foi feito nesse sentido. Não que nos falte instituições, talvez as tenhamos em demasia. É que essas instituições têm pouco ou nenhum poder sobre os governos nacionais.”

 

Ao prosseguirmos com a leitura do relatório, lamentamos a falta de encontro com o magistério do Papa Francisco, que em seu pontificado não deixou de expressar a necessidade de uma governança global capaz de proteger a justiça social e a justiça ambiental. Em 2019, dirigindo-se aos participantes do XX Congresso Mundial da Associação Internacional de Direito Penal, após ter afirmado que "alguns setores econômicos exercem mais poder do que os próprios Estados" e que a prevalência do mercado "coloca em risco as instituições democráticas e o próprio desenvolvimento da humanidade", o Papa pediu ao mundo jurídico uma ação comum destinada a criar um sistema supranacional eficaz de prevenção e sanção contra "delitos que têm a gravidade de crimes contra a humanidade, quando levam à fome, à miséria, à migração forçada e à morte por doenças evitáveis, ao desastres ambientais e ao etnocídio dos povos indígenas. Uma das frequentes omissões do direito penal, consequência da seletividade sancionatória, é a pouca ou nenhuma atenção que recebem os crimes dos mais poderosos, em especial a macrodelinquência das corporações. Não estou exagerando com essas palavras. O capital financeiro global está na origem de crimes graves não apenas contra a propriedade, mas também contra as pessoas e o meio ambiente. Trata-se de crime organizado responsável, entre outras coisas, pelo sobre endividamento dos Estados e pela pilhagem dos recursos naturais do nosso planeta”.

 

Palavras duras, em consonância com o que escreve Carlos Alvarez Pereira, vice-presidente do Clube de Roma, em Limits and Beyond: “O capital está cada vez mais desvinculado das realidades sociais e biofísicas, e ao mesmo tempo aspira a controlá-las todas para obter rendimentos. Em 2022, os livros contábeis das empresas e dos fundos de investimento, públicos e privados, ainda mostram um enorme valor monetário ligado aos combustíveis fósseis, enquanto a África está fortemente endividada com o mundo 'desenvolvido': uma trágica ironia, após séculos de colonização e escravidão. Este é o elefante presente em cada sala onde o futuro da humanidade é discutido: as avaliações do capital nos livros contábeis refletem a distribuição passada e presente do poder dentro e entre as sociedades, em vez do legado para as gerações futuras”.

 

É da copresidente Mamphela Ramphele que vêm as palavras mais autocríticas e construtivas sobre a pouca repercussão do relatório do Clube de Roma: falta de atenção à dimensão humana e social na análise dos dados, um olhar excessivamente direcionado para o Ocidente, uma dominância masculina euro-americana, pouco espaço para a Ásia e a América Latina.

 

Assim, nas reuniões anuais, está se consolidando uma modalidade de intercâmbio com jovens e uma maior inclusão de mulheres e pessoas de todo o mundo, com especial atenção aos povos indígenas, guardiões de uma sabedoria que perdemos.

 

“A ideia do que significa ser humano é reformulada em todo o mundo, especialmente pelos jovens que veem os riscos postos pelos estilos de vida competitivos e baseados no consumo excessivo. Os jovens, como seus antigos ancestrais, estão rejeitando a primazia conferida aos bens materiais. Eles estão privilegiando a relacionalidade como um valor central de definição do que significa ser humano. Ubuntu - o 'Eu sou porque Você é' – está desafiando o individualismo, a cultura do Eu que desencadeou e sustenta as emergências planetárias sobre nós”.

 

Leia mais

 

Comunicar erro

close

FECHAR

Comunicar erro.

Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:

O retorno do “Clube de Roma”: vamos parar o extermínio do futuro. Artigo de Daniela Padoan - Instituto Humanitas Unisinos - IHU