O Papa Francisco e os bispos italianos

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01 Março 2022

 

O Papa Francisco repudiou publicamente a Conferência Episcopal Italiana (CEI). Bergoglio desertou o encontro dos bispos e prefeitos do Mediterrâneo, organizado pela CEI, que ele deveria encerrar em Florença no dia 27 de fevereiro, motivando oficialmente a desistência com uma “dor aguda no joelho, para a qual o médico prescreveu um período de maior repouso para a perna”, segundo informou a Sala de Imprensa da Santa Sé.

 

A reportagem é de Francesco Antonio Grana, publicada em Il Fatto Quotidiano, 28-02-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

 

Na realidade, porém, o papa ficou muito irritado com a presença no evento do ex-ministro Marco Minniti, atual presidente da Fundação Med-Or de Leonardo, uma das maiores empresas fabricantes de armas. Uma presença que já levantou os protestos de padres e pacifistas.

 

Daí o claro distanciamento de Francisco em relação ao encontro da CEI, manifestado com três ações eloquentes. A primeira, obviamente, foi a deserção de Bergoglio em relação ao evento. A segunda foi a não designação do cardeal secretário de Estado, Pietro Parolin, como legado papal em Florença, onde ele poderia ter lido o discurso de encerramento do congresso e a homilia da missa final preparados pelo pontífice (como queria a cúpula da CEI). A terceira – e mais clamorosa – foi a ausência no Ângelus de domingo de qualquer referência ao evento.

 

De fato, teria sido mais do que natural que Francisco, durante a oração mariana recitada com os numerosos fiéis – incluindo muitos ucranianos – presentes na Praça de São Pedro, tivesse saudado os participantes do encontro em Florença. Até porque a missa conclusiva do evento havia recém-terminado na Basílica da Santa Cruz, uma celebração que o papa deveria ter presidido e que, em seu lugar, coube ao cardeal presidente da CEI, Gualtiero Bassetti.

 

Além disso, o chefe do Estado italiano, Sergio Mattarella, que havia anunciado a sua participação na missa papal, confirmou a presença apesar da deserção de Francisco. Ao término da celebração, o presidente da República, junto com os purpurados e bispos presentes – incluindo, além de Bassetti, o cardeal arcebispo de Florença, Giuseppe Betori – permaneceram na Basílica da Santa Cruz para acompanhar ao vivo o Ângelus nos telões montados para a ocasião. Todos convencidos de que o papa enviaria a sua saudação. O chefe de Estado, assim, também se envolveu na gafe.

 

Uma imagem que não despercebida a observadores atentos como o historiador do cristianismo Alberto Melloni, que no seu perfil no Twitter comentou: “Quem inspirou mais um tapa do papa à Igreja italiana (ausência em Florença, nada de homilia para a missa com Mattarella, nenhuma menção no Ângelus) queria punir os bispos por terem convidado Minniti ou usar Minniti para punir os bispos?”.

 

E em outro tuíte: “Quem não disse ao chefe de Estado que no Ângelus o papa, que não foi a Florença, nem sequer o saudaria à distância ou lhe agradeceria por ter presenciado a ocasião desejada pelo cardeal Bassetti e por Dario Nardella [prefeito de Florença], fez o papa dar um passo em falso”.

 

Deve-se enfatizar também que a visita a Florença também teria sido uma oportunidade para Francisco se encontrar pela primeira vez com o presidente Mattarella após sua reeleição ao Palácio do Quirinal.

 

Na véspera do evento, Bergoglio havia modificado o programa oficial, já publicado com bastante antecedência, para inserir um encontro face a face com o chefe de Estado antes da missa na Basílica da Santa Cruz. Também teria sido uma oportunidade para uma discussão sobre a crise na Ucrânia e o compromisso de mediação que o papa assumiu ao realizar dois gestos muito significativos: a visita surpresa à Embaixada da Rússia junto à Santa Sé e o telefonema ao presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky.

 

Nos ambientes da CEI, a irritação com o repúdio público por parte de Francisco é no mínimo palpável. Foi um evento organizado com bastante antecedência e muito caro, que naufragou com um desentendimento que ficará na história das relações (já péssimas) entre a CEI e o papa argentino.

 

O cardeal Bassetti há muito tempo sonhava com o encontro de Florença, exatamente dois anos depois do análogo organizado em Bari, como encerramento perfeito do seu mandato de cinco anos à frente da CEI. No dia 7 de abril, o purpurado completará 80 anos, e, no fim de maio, a Assembleia Geral da CEI será chamada a votar uma terna da qual Bergoglio escolherá o novo presidente.

 

Há cinco anos, quando o cardeal Bassetti foi eleito para o primeiro lugar da terna pelos seus coirmãos e posteriormente nomeado para a cúpula da CEI pelo papa, ninguém imaginaria um epílogo assim, com a Igreja italiana novamente distante de Francisco, como já havia ocorrido durante a presidência do cardeal Angelo Bagnasco.

 

Aquela CEI que, há exatamente nove anos, no conclave após a renúncia de Bento XVI, havia se tornado promotora da candidatura do então arcebispo de Milão, cardeal Angelo Scola. E que, uma vez eleito Bergoglio, cometeu uma gafe sensacional e imperdoável com o tristemente famoso telegrama de felicitação ao “Papa Scola”. O sinal eloquente, desde a gênese do pontificado de Francisco, de uma distância intransponível entre a Igreja italiana e o seu primaz. Da qual o incidente de Florença é apenas o episódio mais recente, pelo menos por enquanto, que confirma uma fratura nunca cicatrizada.

 

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