O clericalismo põe o foco no carreirismo, não no ministério

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03 Junho 2016

A primeira vez que vi o novo pastor de uma paróquia vizinha, ele estava vestindo uma camiseta e calça jeans, parado perto de um latão de lixo.

Era início do mês de novembro de 2012, pouco depois que o furacão Sandy atravessou as praias de Nova York e Nova Jersey. O centro paroquial estava uma bagunça. O novo pastor chamou alguns de seus amigos para virem ajudar a juntar os destroços.

Eu já tinha ouvido falar dele, o novo padre que assumiu uma comunidade perto da praia.

Ouvi que ele havia tido uma função na chancelaria da diocese e outras coisas mais.

Supus que ele pertencia ao “clube” clerical: o grupo fechado de homens de batina, aficionados por charutos e por uísque escocês. Mas ali estava ele, agachado juntando aquilo que eram paredes e chão destruídos. Naquele dia, este padre não me pareceu terrivelmente clerical.

O comentário é de Phyllis Zagano, pesquisadora na Hofstra University, em Hempstead, Nova York, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 01-06-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.

Sim, podemos dizer: temos aí uma história interessante. Porém o clericalismo é real. E, sim, eu sei que o clericalismo conta com idas a restaurantes chiques, com setores VIPs em eventos esportivos bem como tem presença em cruzeiros para o Caribe. Com jantares caros, os membros deste clube trocam suas fichas e ouvem fofocas. Tudo aí tem a ver com carreirismo, e nada com o ministério.

Fico me perguntando se não é isso o que faz muitos bons padres diocesanos abandonarem o sacerdócio. O pior de tudo é a politicagem em busca do poder e do prestígio. As conversas geralmente giram em torno de quem vai ter mais destaque e onde: no jantar, na cerimônia, no evento... Muitos saem. Alguns se casam, alguns outros se juntam às ordens religiosas.

Fico me perguntando também se não é por este motivo que muitos seminaristas desistem dos estudos na Igreja. Um deles me contou sobre o seu “ano ministerial” numa paróquia, quando viu padres lançarem bolos de dinheiro vivo sobre uma mesa quando a poucas quadras viviam famílias em barracos de madeira com plásticos colados sobre janelas quebradas. Este amigo deixou o seminário também.

O Papa Francisco quer pastores que tenham o cheiro das ovelhas. Ele se coloca contra o clericalismo, e eu acho que o faz de forma correta. Não houve um certo cardeal que transformou três apartamentos em Roma num único aposento? Sim, Santo Padre, o resto do mundo se pergunta também de onde ele tirou este dinheiro. É de se perguntar também sobre os bispos cujos impostos residenciais custam milhões, sobre as roupas caras que usam, etc.

Claro, podemos argumentar no outro sentido: se o bispo diocesano for o vice-presidente de uma grande empresa subsidiária, multinacional, chamada Igreja Católica, então por que não poderia desfrutar de seu cargo? É aí onde reside o problema. O bispo se encontra com muita gente importante, é melhor chegar na hora e bem alinhado para o jantar ou encontro. Mas, mesmo assim, será que é para tanto?

Às vezes o próprio cargo alimenta a centralidade narcisista que há em toda a paisagem clerical. Como acontece com todas as coisas, precisa-se de um equilíbrio.

E deixe-me dizer aqui também: é preciso um equilíbrio para se pôr a juntar destroços após um furacão. Não importa o que diziam dele antes, o novo padre sofreu juntamente com milhares de outras pessoas quando as águas arruinaram suas casas, propriedades, vidas e tudo o mais.

Quando o furacão Sandy atingiu a região, barretes e batinas transformaram-se em simples objetos. Ele trocou a missa diária para o turno da tarde e informou isto no salão paroquial, onde aí o piso estava cheio de roupas, fraldas, brinquedos, alimentos doados, coisas necessárias para reconstruir as vidas nos lares que sofreram com a tragédia. Depois da missa, voluntários prepararam uma refeição quente para todos os presentes no local.

O novo padre estava entre estas pessoas, e não vestia batina. Ele cheirava ao rebanho. Ele talvez estava até com o cheiro do latão de lixo.

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