A oração de Taizé quer comunicar a alegria da ressurreição e a confiança em Deus. Entrevista especial com os irmãos Christoph e Henrique

“O jovem tem muitos medos, inquietudes e é importante ter confiança de que Deus nos acompanha. O ícone da amizade mostra Cristo ao lado de um santo, como seu amigo; é uma imagem da confiança de que Cristo ressuscitado está ao nosso lado, no caminho. Às vezes, é algo que não vemos, mas é a realidade da fé: cremos que Cristo nos conduz”, afirma o irmão de Taizé

"Lucernário: 'Dá paz ao coração'. Oração ecumênica por uma cultura de paz", na Capela da Unisinos | Foto: Divulgação

Por: Patricia Fachin | Colaboração de Isaque Gomes Correa e Felipe de Assunção Soriano | 07 Mai 2023

A Comunidade de Taizé, criada pelo irmão Roger Schutz na década de 1940, na França, para acolher aos refugiados da Segunda Guerra Mundial, foi criada para ser um “sinal concreto de reconciliação entre cristãos divididos e entre povos separados”. Nesta perspectiva ecumênica, a comunidade é conhecida no mundo inteiro, de maneira particular, pelos retiros realizados com jovens e pelo seu modo de oração, recitada em cantos, em diversos idiomas, por membros de diferentes denominações cristãs, não crentes e seguidores de outras religiões.

Nos cantos, que convidam à confiança no Deus Uno e Trino, a tradição monástica é revivida e atualizada, transmitindo a ressurreição de Cristo como o centro da fé cristã. “A oração de Taizé quer transmitir a alegria da ressurreição, que é o que vivemos quando rezamos juntos: estamos entrando neste mistério da ressurreição de Cristo. Usamos as velas também para expressar isso, mas cada oração é para comemorar a ressurreição”, resume irmão Christoph.

O tema do amor e da confiança, segundo irmão Henrique, também estão presentes na oração de Taizé porque “permite nos confrontar com o medo de um jeito diferente. O medo aparece em vários cantos, mas sempre junto com a confiança: ‘Não tenham medo porque eu estou aqui’, ‘Arrisquemos tudo por amor’, ‘Eu não conheço os teus caminhos, mas sei que tu sabes o caminho para mim’. É uma introspecção; percebemos muitas coisas em nós, uma confiança, uma oferta que confiamos a Deus. Na oração isso é transformado em um passo de confiança”. As orações, intercaladas com momentos de silêncio, explicam, permitem às pessoas fazer três movimentos: entrarem em contato consigo, com Deus e com os outros.

Nesta quarta-feira, 03-05-2023, eles visitaram a Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, onde foram recebidos pelo reitor da universidade, Pe. Sérgio Mariucci, SJ, e participaram do Lucernário: "Dá paz ao coração". Oração ecumênica por uma cultura de paz, na Capela da Unisinos.

A íntegra do evento pode ser vista aqui.

Na entrevista a seguir, concedida pessoalmente ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU na quarta-feira à tarde e, na quinta-feira à tarde, no Centro de Pastoral e Solidariedade da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, os irmãos Christoph e Henrique tratam dos temas essenciais para Taizé: o cultivo da vida interior, a unidade entre os cristãos, e a paz no mundo. Eles refletem sobre os desafios de cultivar uma vida interior em um contexto de medo, sofrimento e ansiedade, especialmente entre os jovens, sobre como as universidades confessionais podem contribuir para a transmissão da fé, e sobre a renovação cotidiana do "sim" a Cristo. “Não se trata de fazer uma opção de vida e dizer que, a partir de agora, se vive como irmão, em uma comunidade. O 'sim', que é um desafio muito maior, é o 'sim' do cotidiano: dizer 'sim', eu quero me tornar o Cristo, eu quero que ele seja o centro da minha vida hoje. Não sou eu quem estou no centro; é ele e eu vou me encontrar nele e cada dia renovar isso”, afirma Henrique.

Os irmãos Christoph e Henrique também compartilham a experiência da vida comunitária da Comunidade de Taizé em Alagoinhas, na Bahia, comentam o propósito das viagens que estão fazendo pela América Latina, visitando igrejas, comunidades e universidades, e destacam a participação da Comunidade no Sínodo sobre a Sinodalidade, a ser realizado neste ano, em Roma.


Irmãos Christoph e Henrique, da Comunidade Taizé, no IHU. (Foto: Stephany Oreli | IHU)

Irmão Henrique é holandês e está na Comunidade de Taizé desde 2011. Nos últimos quatro anos, vive na Comunidade de Taizé em Alagoinhas, na Bahia.

Irmão Christoph é suíço e integra a Comunidade de Taizé desde 1998. Atualmente, vive na França.

Confira a entrevista.

IHU – Quando, como e com qual proposta surgiu a Comunidade de Taizé, na França? O que é distintivo em sua espiritualidade enquanto comunidade cristã?

Irmão Christoph – A comunidade foi fundada pelo irmão Roger, quando ele tinha 25 anos, durante a Segunda Guerra Mundial [em 1940]. Ele foi inspirado pela avó, que, durante a Primeira Guerra Mundial, acolheu refugiados em um contexto perigoso. Ela era casada com um pastor protestante e, depois da guerra, também rezava na Igreja Católica. Isso, no início do século XX, era algo inabitual. A avó dele era vista como santa na família e o impulsionou a dar um passo para ajudar, durante a Segunda Guerra, os refugiados e necessitados, e para buscar a unidade entre os cristãos. Estas são duas coisas essenciais para Taizé: a busca pela paz, no esforço de evitar que haja outras guerras tão terríveis como foi a Segunda Guerra, devastadora na França; e a reconciliação entre os cristãos, no desafio de chegar à unidade. Para o irmão Roger, era importante chegar a uma unidade visível entre os cristãos de diferentes denominações.

Ele também estudou as regras das comunidades monásticas e da vida religiosa, porque se interessava muito pelo tema da vida comunitária, e participou de encontros ecumênicos de jovens, ocorridos antes da fundação de Taizé, em Genebra, na Suíça. À época, havia iniciativas importantes em torno da possibilidade de uma vida comunitária monástica na igreja protestante porque ele vinha da denominação protestante.

Irmão Henrique – Muitas pessoas dizem que gostam da espiritualidade de Taizé e perguntam o que é a espiritualidade de Taizé, mas nós não falamos muito sobre a espiritualidade de Taizé. É claro que há uma maneira de viver, de rezar, de estarmos juntos, que talvez chame a atenção. Mas tudo isso é uma maneira de estar juntos e de viver. Não somos um grupo nem um movimento nem uma igreja, como alguns pensam, mas uma comunidade de vida; somos pessoas que fizeram um compromisso de vida, de celibato, de simplicidade, de obediência e, através da nossa vida comunitária, tentamos ser um pequeno sinal da unidade, a partir da parábola da comunhão. Tentamos mostrar que já podemos viver a unidade e a reconciliação entre nós, entre pessoas de várias denominações cristãs, porque o que nos une é mais forte do que o que nos separa e isso nos abre para os outros. Na acolhida das pessoas, mas também na liturgia, sempre buscamos criar um espaço acolhedor aos que chegam e para os jovens que nos visitam. A experiência de ser acolhido marca muitas pessoas que passam em Taizé e em nossas casas em outros lugares.

IHU – Os irmãos são vinculados a quais denominações?

Irmão Christoph – No início, os primeiros irmãos eram da igreja calvinista reformada da Suíça, da França e da Holanda e, depois, ingressaram luteranos da Alemanha. Mais tarde, anglicanos e, no fim dos anos 1960 e início dos 1970, católicos, depois do Concílio Vaticano II. Há também um irmão que é da igreja evangélica, da igreja livre da Suíça, por exemplo, e outro da igreja evangélica livre da Alemanha.

IHU – Por que decidiram se estabelecer no Brasil?

Irmão Henrique – Por causa de uma amizade entre o irmão Roger e Dom Hélder Câmara, durante o Concílio Vaticano II. Foi Dom Hélder quem chamou os irmãos de Taizé para o Brasil e, desde o início, o irmão Roger buscava uma expressão concreta com os mais marginalizados. Os primeiros irmãos se estabeleceram em Olinda, Pernambuco [em 1967], com os beneditinos, depois foram para Vitória, no Espírito Santo. Quando foi criada uma nova diocese em Alagoinhas, na Bahia, [em 1978], eles foram para lá, onde vivemos há mais de 45 anos, na periferia da cidade.

Os primeiros irmãos ajudaram muito a comunidade com mutirões para construir casas, uma escola, e lutaram com as pessoas para que elas pudessem ter acesso à água e à eletricidade. Hoje, vivemos no meio do bairro e, três vezes ao dia, nós paramos tudo, vamos à capela e rezamos. O local é bonito; não é nosso, a diocese nos emprestou, mas nós o mantemos. Temos uma casa de encontros e retiros, onde acolhemos pessoas de várias igrejas que querem fazer retiros e momentos de silêncio.

Nossa casa se chama Mombitaba, que, em tupi-guarani, quer dizer casa de repouso. Também acolhemos pessoas do bairro, crianças, adolescentes e mães, sobretudo, para que, primeiramente, as crianças tenham um local onde brincar, porque este é um direito de cada criança. Organizamos muitas festas para elas terem memórias boas e positivas, pois as pessoas também têm direito a isso. E, desse modo, entramos em uma relação de confiança. Trabalhamos com eles com música, rap, teatro, dança, escrita e cursos profissionalizantes para adolescentes, para despertar o sabor de aprender, o que faz muito bem e dá uma possibilidade prática de ter um emprego. Além disso, se eles estão ocupados, não ficam na rua porque a situação das periferias é a de famílias desestruturadas, violência e tráfico. São muitos os desafios nas comunidades.

Comunidade de Taizé em Alagoinhas, BA (Foto: Taizé Brasil)


Comunidade de Taizé em Alagoinhas (Foto: Reprodução Facebook Taizé Brasil)

IHU – Como compreendem e trabalham a unidade na pluralidade, inclusive na liturgia?

Irmão Christoph – No início, todos os irmãos eram protestantes e alguns eram pastores e celebravam a liturgia, isto é, a eucaristia, na forma protestante. Logo depois chegaram os primeiros irmãos católicos, em um momento em que os demais irmãos haviam se aproximado da Igreja Católica, mantendo relações com os bispos. À época, o bispo Diocese de Autun, onde se encontra Taizé, estava de acordo que os irmãos protestantes pudessem participar da eucaristia católica. Então os irmãos protestantes deixaram de celebrar a eucaristia protestante e só se celebrava a católica para não separar a comunidade porque esta era a única maneira de ambos receberem juntos a comunhão, uma vez que os irmãos católicos não podem receber a comunhão protestante. Normalmente, os irmãos protestantes não podem receber a comunhão católica, mas o bispo estava de acordo em abrir uma exceção, tendo em vista que o Dicastério para a Promoção da Unidade dos Cristãos também estava de acordo em abrir uma exceção.

Hoje, no fim da oração comunitária, todos aqueles que são batizados, acreditam na presença real de Cristo na eucaristia, e buscam a unidade, são convidados a receber a eucaristia, que é consagrada em uma celebração anterior, que acontece a cada manhã, antes da oração comunitária. Há distribuição de pão bento para aqueles que não são batizados ou não acreditam na presença real de Cristo na eucaristia.

IHU – Vocês têm relações com outras comunidades ecumênicas?

Irmão Christoph – Sim, temos amizade com outras comunidades. Temos uma relação especial com a Comunidade de Grandchamp, na Suíça, que trabalha em uma perspectiva ecumênica, mas é formada por irmãs protestantes que têm a mesma regra de Taizé.

Também temos uma relação, há mais de 50 anos, com as Irmãs de Santo André. Elas atuam na França, ajudando na acolhida, escuta e acompanhamento de mulheres e jovens que visitam Taizé. Elas viveram também vários anos como vizinhas dos irmãos, em Alagoinhas, para ajudar, sobretudo, na acolhida de crianças e adolescentes do nosso bairro, durante as colônias de férias. 

IHU – Por que vocês decidiram fazer parte desta comunidade vocacional e não de outra?

Irmão Christoph – Ao concluir meus estudos em arquitetura, senti um chamado à vida comunitária, ao estilo dos mosteiros católicos. Eu estudava arquitetura para tentar construir cidades onde as pessoas pudesses viver uma boa vida e, de alguma maneira, eu tinha o desejo por uma Jerusalém Celeste, por uma cidade em que pudéssemos viver bem entre seres humanos. É o desejo da Igreja vivermos em boas relações, em um lugar onde há beleza, onde floresça a vida comunitária entre as pessoas. A arquitetura era parte de um desejo maior. Creio que o compromisso da Igreja é o de ajudar a termos uma vida mais bonita. Depois de terminar os estudos, entrei em Taizé e abandonei a arquitetura. Durante alguns anos, eu me dediquei a fazer ícones e isso me ajudou a estudar a teologia ortodoxa, que também é bastante bonita.

Sou protestante de origem, mas me sentia mais atraído pela vida na Igreja Católica ou em uma comunidade monástica. Um pastor protestante que ia regularmente a Taizé me levou à comunidade e eu gostei dela porque representava um pouco a resposta à minha busca ecumênica de vivermos juntos, entre católicos e protestantes, e compartilharmos tudo, sem nos importarmos se somos da igreja protestante ou católica. O aspecto ecumênico foi muito importante para mim.

Outro aspecto importante foi a maneira contemporânea do chamado de seguir a Cristo. Irmão Roger não quis copiar o que existia antes, mas, a partir da sua reflexão, chegou à conclusão de que o essencial é que Cristo nos chama a viver em comunidade, seguindo o Evangelho no nosso tempo. Nesse sentido, ele nunca quis instalar algo fixo; sempre buscou ser flexível e não ter coisas que nos limitasse no nosso caminho. A proposta é sempre pensar que este é o momento e o chamado para viver o Evangelho juntos, na tradição monástica, porque há a comunhão dos bens, o celibato, a obediência e a oração, que são coisas da tradição, ao mesmo tempo em que há uma abertura para os desafios do mundo de hoje.

Irmão Henrique – O que é muito bonito, para além da denominação, da cultura, da origem, do país, é o fato de que o caminho de cada um de nós é diferente. Somos 90 irmãos, de 25 países diferentes, com personalidades muito distintas. Eu nunca andei muito na Igreja; fui batizado, meus pais eram de família católica não muito praticantes, mas queriam me transmitir esses valores. Quando eles me deram a liberdade de escolher se eu queria ou não participar da Igreja, eu participei, mas depois preferi não participar mais porque ouvia muitas palavras com as quais não concordava e sentia uma hipocrisia grande. Na minha juventude, questionava bastante coisas e ainda sou um pouco rebelde – o que é bom também.

“O que quer dizer ser rico e o que quer dizer ser pobre?”

Mas duas perguntas me acompanharam muito no tempo em que estudei, viajei e fiz um confronto com a pobreza na Ásia e na Índia. A primeira delas é: “O que quer dizer ser rico e o que quer dizer ser pobre?” Eu via pessoas que não tinham nada com uma capacidade de ter gratidão e partilhar o pouco que tinham e, em mim, uma tendência para o egocentrismo e uma impossibilidade de partilhar. Eu sempre me considerava muito rico, mas, nessas viagens, percebi como eu era pobre.

A outra questão é que eu queria viver, mas sentia que estava vivendo uma vida que era desejada pela sociedade. Eu pensava que iria construir minha vida, fazer coisas boas, mas, ao acordar, aos 65 anos, no dia da minha aposentadoria, iria me perguntar o que eu realmente queria viver. Então, decidi fazer essas perguntas naquele momento e fui com elas para Taizé, sem andar muito na Igreja – eu também não tinha amigos cristãos; os meus amigos eram todos ateus. Mas eu descobri um amor, uma presença de amor muito forte e queria partilhar isso com todo mundo, e isso descolou toda a minha vida. Passei um tempo tentando dizer isso para todo mundo e aí entendi que não é pelas palavras que se faz.

Naquele momento, então, a pergunta se tornou a seguinte: como a minha vida poderia se tornar um ponto de interrogação e um sinal deste amor? Ou seja, como poderia mostrar, com a minha vida, que este amor é verdadeiro e não é verdade somente para mim, mas para todos. Eu fui a Taizé para passar um mês, como voluntário, e acabei ficando lá durante um ano e meio. Aí apareceu dentro de mim a possibilidade de ser eu mesmo uma forma de mostrar isso. Eu tive certeza de que não se tratava da minha ideia porque [o que aconteceu] era contrário a tudo que eu pensava, que eu era e gostava. Era contrário à minha liberdade, à minha família, aos meus amigos, ao desejo de ser pai e construir uma família. Eu estava procurando um sinal de algo que não veio de mim, e eu peguei isso como convite e entrei na comunidade. Recebi algumas confirmações sutis, no caminho, depois.

IHU – Que idade você tinha?

Henrique – 22 anos.

IHU – O que mudou na vida de vocês depois deste processo de conversão e da vivência de uma vida espiritual contínua, centrada na oração e na ação?

Irmão Christoph – Em cada um de nós há o desejo de uma vida plena, bonita e, quando se descobre que é possível viver assim, pela fé, isso nos ajuda a viver esta vida de um modo mais profundo e pleno. É uma verdade. Cristo é a Verdade. O problema de estarmos ligados a coisas superficiais é que não estamos muito conectados com a Verdade em nós mesmos. E quando, de alguma maneira, encontramos a Verdade e, verdadeiramente, como nós próprios somos, temos de nos tornar quem somos, como disse Santo Agostinho. Temos uma verdade em nós, mas, às vezes, não a encontramos. Há uma verdade em nós mesmos e temos que colocá-la junto com a Verdade da visão de Deus para nós. No momento em que a encontramos, entendemos que esse é o nosso caminho e isso nos dá uma paz profunda.

Irmão Henrique – Mudou profundamente o entendimento da minha identidade, que era limitada em certo sentido. Quando olhamos a nós mesmos, pensamos que nos conhecemos bem, nos entendemos bem, mas, muitas vezes, temos um olhar muito negativo do que somos ou devemos ser ou sobre a nossa relação com Deus. O encontro com essa fonte e olhar de amor foi libertador e me trouxe liberdade. Eu não preciso mais nada no meu diálogo com o outro: não preciso me autoconfirmar; há uma liberdade muito grande no olhar do outro. Como eu fiz essa experiência, ela é a coisa mais profunda que posso experimentar na vida, a mais verdadeira, que é especialmente para mim. É como se Deus dissesse: “Você é a pessoa que eu gosto”, mas de um modo muito particular.

A segunda coisa que entendi no mesmo momento é que isso não é para mim; isso é verdade para todos. Mas muitas pessoas não sabem, não têm acesso a ela. Mas [Deus] diz a todos: “Eu te amo de um modo muito particular”. Tentei, durante um tempo, transmitir isso, mas compreendi que não é pelas palavras; é pela vida, pelo testemunho de vida, me transformando em um ponto de interrogação. Mas me deu, sobretudo, uma liberdade de saber que não sou somente meus pensamentos – mesmo que eu possa me convencer dos meus pensamentos. Dentro da gente ainda há muito barulho, pensamentos, tendências para pensamentos negativos, depressivos, mas esse olhar de amor coloca tudo em uma perspectiva diferente e nos dá a liberdade de olhar os outros com amor e aceitar a si mesmo com ternura e amor. Me deu a liberdade de entrar em uma relação diferente com as pessoas.

IHU – Estamos em uma universidade confessional, em que muitos jovens e profissionais não sabem o que é a espiritualidade cristã, uma vida de oração e ação. Como explicariam, para quem não tem familiaridade, o que é esta vida? Como vocês vivem estes dois momentos no cotidiano?

Irmão Christoph – Este é um tema que está presente em Taizé há muito tempo porque, por exemplo, na década de 1960, muitos jovens queriam mudar o mundo, eram rebeldes e contrários às instituições. Muitos foram a Taizé e também queriam sair da Igreja. Mas o irmão Roger começou a dialogar com eles e dizia que há algo muito bonito nesta busca. Eles queriam buscar a justiça social e tinham um desejo de viver melhor, em um mundo de paz. Conseguimos conversar com esses jovens e, dessa maneira, evitar que saíssem da Igreja também. De outro lado, havia jovens que diziam que, para mudar o mundo, nós tínhamos que rezar. Ou seja, havia duas visões: uma, de que só precisamos rezar para mudar o mundo e, outra, de que temos que mudar todo o sistema político para poder, finalmente, mudar o mundo.

A resposta é que temos que buscar as duas coisas: a oração, mas também a ação, porque Deus quer não apenas que rezemos por mudança, mas que sejamos instrumentos da mudança. Ao mesmo tempo, se queremos transformar algo na sociedade, a oração pode ser o lugar onde encontramos a força, a inspiração e a paz interior para logo agir de uma maneira mais coerente. Oração e ação, desde muito tempo, são complementares e ajudam a agirmos inclusive de acordo com a busca do plano de Deus. É importante não deixar de lado nenhuma das duas.

Irmão Henrique – Muitos pensam que nós [da Comunidade de Taizé] temos uma relação especial com Deus. Na verdade, eu não sei rezar. Eu tento. Não somos especialistas espirituais – ao menos não entendo assim. Durante meses eu não sinto a presença de Deus na minha vida, mas a oração é muito importante também para viver essa relação com Deus, mesmo que muitas vezes eu me sinta cego e não entenda muita coisa.

Irmão Roger costumava dizer que, se entendermos uma única palavra, é suficiente; temos que colocá-la em prática. Eu entendi, em um momento da minha vida, a coisa essencial, e queria mostrar isso através de minha própria vida. Claro, depois, isso é um processo porque entramos nessa relação.

Não é diferente do que acontece com qualquer outro jovem: nós estamos buscando e fizemos a opção de buscar juntos. É diferente para cada um. Alguns, às vezes, pensam que para viver assim é preciso uma vocação especial, mas, para mim, é o contrário: sozinho, eu nunca conseguiria viver essa relação e essa profundidade com Deus e com a minha vida. Então, Deus me colocou em uma comunidade que me ajuda a me levantar e a me lembrar disso.

IHU – Como despertar os jovens para o cultivo da vida interior em um contexto em que eles vivem uma vida acelerada, ansiosa, individualista, com medos e sofrimentos de vários tipos? Na universidade, muitos relatam certo esgotamento físico e mental, depressão, problemas psíquicos, preocupações com o futuro, com a carreira profissional. Como o cultivo da vida interior e da espiritualidade cristã pode auxiliar na transformação desta realidade?

Irmão Christoph – Na vida comunitária, as amizades ajudam neste processo. O encontro também é uma forma de beleza: viver juntos, entre amigos, compartilhar. É uma forma de amor que pode circular. Isso é o que abre um horizonte aos jovens no sentido de que vai além do que a sociedade nos diz que é preciso, como ter sucesso na carreira profissional, sucesso na vida amorosa, ter sucesso em tudo. Trata-se de uma forma mais simples de viver, uma vida mais simples, que chega mais ao coração. Isso pode despertar algo no coração dos jovens e creio que em Taizé há algo que funciona dessa maneira.

Irmão Henrique – Há uma necessidade muito grande de testemunho, de colocar em prática o que se está pregando. Não é pelas pregações e palavras bonitas que atrairemos os jovens, mas por um testemunho de vida, através da nossa vida muito simples e pobre em vários sentidos, mostrando que outra maneira de viver é possível. Esse encontro com a simplicidade, por exemplo, mexe com muitos jovens e desperta para algo que vai além. Tem que buscar a sinceridade e sermos autênticos.

IHU – Muitos jovens procuram a Comunidade de Taizé. Que novidade a comunidade oferece à juventude? Que tipo de relatos vocês costumam ouvir dos jovens antes e depois dos encontros espirituais?

Irmão Christoph – Os jovens não são iguais na grande diversidade. Há muitos que vêm a Taizé em busca de um amor profundo e muitas vezes não encontram as respostas. A realidade é bastante mesclada. Muitos estão em busca de sentido, muitos querem ajudar a melhorar o mundo, querem ajudar a sociedade, para que seja um local de paz, de justiça e, hoje, muitos têm preocupação com o tema do cuidado do meio ambiente, que na Europa é um tema muito importante. Esses temas sempre mudam a cada par de anos e os jovens não querem estar envolvidos sempre com os mesmos assuntos. Mas há também alguns jovens que buscam uma vocação na Igreja – os quais são, atualmente, uma minoria.

Nós é que queremos convidá-los a uma reflexão porque os jovens fazem uma experiência de Igreja em Taizé, que consiste em rezar e compartilhar a vida. Costumamos dizer que, se eles gostaram da vida em Taizé, podem encontrar grupos e movimentos que já existem ou paróquias onde vivem e dar continuidade a essa vida – é a essa continuidade que nós os convidamos. Mas há muitos – e isso é característico em Taizé – que se comprometem na sociedade, através da profissão, da carreira, dos estudos, e buscam em Taizé um momento de reflexão porque o silêncio e a conversa sobre coisas importantes da vida, seja com outros jovens ou através do acompanhamento com os irmãos, os ajudam a seguir em frente na reflexão sobre como podem contribuir para um mundo melhor.

Também organizamos momentos de reflexão com pessoas que assumem alguma responsabilidade na sociedade e que são pessoas que podem inspirá-los a também tomar decisões corajosas para contribuir para a mudança do mundo. Essa é a dinâmica que propomos. Mas, na vida dos jovens, este é um processo e nós não sabemos exatamente como ele se desenvolve depois. Também propomos momentos de silêncio, algo que acontece entre os jovens e Deus ou entre os jovens e outros jovens; não somos somente nós que intervimos.

Outro aspecto que gostaria de destacar é a beleza. A Igreja quer ser um lugar bonito porque a beleza ajuda a entrar na contemplação e isso nem sempre é mencionado, mas faz parte do processo.

Irmão Henrique – Os motivos pelos quais as pessoas vão a Taizé são muito diferentes. Eu fui a primeira vez, com um grupo escolar, porque era a única forma de poder passar as férias com a minha namorada, uma vez que os pais não costumam deixar um filho de 15 anos passar férias em outro país. Esse foi o motivo. O motivo nem sempre é o mais importante, mas, sim, a experiência da vida comunitária, da partilha, que abre o horizonte porque o jovem tem contato com pessoas de países diferentes, tipos de pessoas diferentes e muitos fazem a experiência de poder ser si mesmo. Não precisam se apresentar com máscaras; podem ser como são e são acolhidos como são.

Para muitos jovens, essa é uma experiência muito importante, que não é, para muitos deles, nem diretamente uma experiência religiosa ou uma experiência de Deus, mas é uma experiência que abre a porta para isso. Muitos talvez façam uma experiência de poder confiar em si mesmos e receber a confiança em relação ao que pensam e acham que vale a pena em suas vidas; dão um passo nessa direção. É uma experiência de uma semana de vida comunitária, de partilha e de serviço também, de silêncio e um pouco de reflexão, para crescer na confiança. Tentamos criar esse espaço de encontro com nós mesmos, com Deus e com os outros.

IHU – Qual é a importância do silêncio para estes três momentos da vida de uma pessoa: o encontro consigo mesma, com Deus e com os outros?

Irmão Christoph – As orações que realizamos em Taizé, três vezes ao dia, são para levar ao silêncio, que está no meio da oração. Os cantos nos ajudam a passar da cabeça ao coração. A repetição de uma frase pouco a pouco vai sendo interiorizada porque a repetimos, através do canto, muitas vezes. Então, não se trata de lidar tanto com a cabeça, com o pensamento, mas com o coração. Isso prepara ao silêncio.

Há vários tipos de silêncio: o silêncio que é ausência de presença, e o silêncio que é presença, que é habitado junto com alguém, que é Deus. Esta é a questão: como favorecer a vivência de uma interioridade no sentido de não estar presente somente com a cabeça, mas, no presente, com a presença do Espírito em nós. Para isso, a oração é essencial, assim como esses momentos de oração com todo o grupo, de oração comum. Disso, logo se encontra o que nos ajuda: a simplicidade. Tudo fica mais simples: a comida é mais simples, há menos internet e atividades que nos distraem. De outro lado, o contato humano, através da conversa com os outros, é algo que nos ajuda a ser mais presentes, a vivermos mais o momento presente e estarmos mais atentos. Inclusive a natureza pode nos ajudar porque é um lugar bonito que nos ajuda a estar atentos sobre a importância de nos conectar com nós mesmos, com Deus e com os outros.

Irmão Henrique – O silêncio cria um espaço de encontro. Sempre queremos respostas e palavras de consolo, até para nós mesmos, mas nossos pensamentos nos jogam para todos os lados. O silêncio nem sempre acalma esses pensamentos que estão dentro de nós, mas nos faz descer, isto é, nos conduz a este movimento para dentro, nos faz entrar em um espaço de encontro com nós mesmos, que somos mais do que os nossos pensamentos. Nesse movimento, também descobrimos que não é preciso preencher tudo com palavras porque, na nossa relação com Deus, também este silêncio cria o espaço de encontrar e acolher o olhar de amor que ele tem sobre nós. Ele nos acolhe com tudo o que somos e com tudo o que vive dentro de nós, e nos ama e nos chama.

O silêncio, no diálogo e no encontro com os outros, é muito importante, porque o silêncio cria uma disponibilidade de acolher realmente o outro. O silêncio cria um espaço de encontro nessas três dimensões que você mencionou [o encontro consigo, com Deus e com o outro].

IHU – O Papa Francisco fala, assim como Bento XVI costumava falar, do cristianismo como uma religião da atração e não do proselitismo, que atrai pela verdade do Evangelho, mas também pela beleza expressa na liturgia, na Igreja, nos ícones, na arte, na vivência cotidiana do silêncio e da espiritualidade cristã, que consiste em oração e ação. Como essa riqueza se manifesta nos encontros realizados em Taizé e como as universidades confessionais podem contribuir para transmitir tudo isso?

Irmão Henrique – Em Taizé, através das palestras realizadas, tentamos abrir o horizonte para essas várias maneiras de entrar na vida porque Deus é o Deus da vida. A oração, os cantos, o silêncio na liturgia, a relação com o outro e com a natureza, a arte e a expressão do que é belo, o compromisso social, ou seja, tudo que nos leva a nos tornar mais humanos no sentido de sermos mais aberto ao outro e a não vivermos só para nós mesmos, aparece nas palestras. Assim como o tema da justiça social, da atenção pelos desfavorecidos, da ética, da relação entre ciência e , de como reconciliá-las e entendê-las. Nas universidades, esses são temas muito importantes. Ou seja, como a fé e a ciência dialogam, se complementam e não são contraditórias. É preciso abrir espaço, também na universidade, para pessoas que trabalham esses temas e têm um compromisso social, para que possam compartilhar suas experiências.

Irmão Christoph – Em Taizé isso é muito importante, pois muitos vêm com pouca fé e descobrem a fé, mas é preciso também a oração e facilitamos a oração. Nos cantos, as pessoas estão descobrindo algo – além do compromisso de construir a paz e a justiça no mundo –, isto é, muitos se sentem amados e isso desperta a uma reflexão sobre como ser artesão da paz no mundo. Alguns também descobrem um pouco mais sobre o sentido da vida, de viver o amor na realidade. Com isso, podem se conectar melhor consigo mesmos. Mas, a forma como cada um descobre a Deus, neste processo, é um mistério para todos nós.

IHU – Muitos conhecem a Comunidade de Taizé através dos cantos. Quais são os temas dos cantos e qual é a importância deles na oração?

Irmão Christoph – Os cantos devem ajudar a encontrarmos o silêncio interior, a favorecer a interioridade. Eles são uma oração que se repete, como o rosário, que nos faz passar da frase ao conteúdo da frase, que entra mais no coração. Isso pode nos ajudar na conexão com nós mesmos e encontrar esse silêncio interior. O silêncio é um grande desafio porque ele pode ser uma ausência de comunicação. Mas este silêncio não é a ausência de comunicação; é comunicação através do silêncio. Não é fácil fazer isso, inclusive para nós, que somos irmãos e, às vezes, estamos pensando em várias coisas, e não chegamos a viver esse silêncio de estar atentos à presença de Deus. Mas os cantos ajudam a entrar nesse silêncio e podem ajudar, durante o próprio canto, a encontrar Deus através do canto repetitivo.

Escolher a frase do canto também é importante porque são frases que têm um sentido para a vida espiritual. São do Evangelho, da Bíblia, de algum salmo, de algum santo da Igreja, e isso pode nos ajudar a encontrar, na oração, o que a frase diz.

O tema da confiança aparece muito nos cantos, mas também o da ressurreição, que é um conteúdo muito importante do que queremos transmitir – e também de cada oração cristã porque a ressurreição é o centro da fé. A oração de Taizé quer transmitir a alegria da ressurreição, que é o que vivemos quando rezamos juntos: estamos entrando neste mistério da ressurreição de Cristo. Usamos as velas também para expressá-lo, mas cada oração é para comemorar a ressurreição.

Irmão Henrique – Os cantos que as pessoas conhecem hoje como cantos de Taizé são fruto da busca de como ajudar a acolher os jovens que vinham nos visitar. Acolher não significava apenas arrumar um espaço no qual eles podiam ficar, ou pensar um programa a ser feito durante o dia. Significava também, na liturgia, nos momentos de oração, ver como eles poderiam participar e como poderíamos tornar acessível a eles um espaço de oração. Foi assim que os primeiros cantos começaram a se desenvolver. O compositor Jacques Berthie (1923-1994) ajudou muito nesse processo e escreveu vários cantos, assim como outros irmãos também os compõem. Em Taizé, cantamos cada canto em uma língua diferente, dependendo da origem dos jovens. A proposta é criar, na liturgia, um ambiente acolhedor que os permita entrar em oração.

O tema do amor aparece muito, assim como o da confiança, que permite nos confrontar com o medo de uma maneira diferente. O medo aparece em vários cantos, mas sempre junto com a confiança: “Não tenham medo porque eu estou aqui”, “Arrisquemos tudo por amor”, “Eu não conheço os teus caminhos, mas sei que tu sabes o caminho para mim”. É uma introspecção; percebemos muitas coisas em nós nestes momentos, uma confiança, uma oferta que confiamos a Deus. Na oração, isso é transformado em um passo de confiança.

Irmão Christoph – A confiança era o tema central do irmão Roger. Ele queria falar da fé, mas usava a palavra confiança porque era mais acessível. Além disso, a confiança tem o aspecto da confiança entre as pessoas, e pode ser, até certo ponto, uma confiança na vida porque muitos jovens têm medo da vida, e é necessário transmitir confiança para continuar no caminho da vida. O jovem tem muitos medos, inquietudes, e é importante ter confiança de que Deus nos acompanha. O ícone da amizade mostra Cristo ao lado de um santo, como seu amigo; é uma imagem da confiança de que Cristo ressuscitado está ao nosso lado, no caminho. Às vezes é algo que não vemos, mas é a realidade da fé: cremos que Cristo nos conduz.

IHU – A dimensão da confiança com todo o coração, com sinceridade, é uma das mais difíceis porque se entregar ao completo abandono de Deus e confiar na sua providência requer muito desenvolvimento espiritual e graça.

Irmão Christoph – Para muitos jovens este é um grande desafio porque eles querem ser muito autênticos, verdadeiros consigo mesmos, e a confiança significa aceitar, ou seja, é um risco. Se alguém tem medo de se arriscar, não tem verdadeiramente a fé porque tem algumas dúvidas. Isto também é um mistério: por que podemos questionar todas as coisas, se existe Deus?

Em algum momento também temos que confiar na Igreja e na tradição da fé da Igreja; não podemos questionar tudo até o final. Este é um mistério. A questão é como ajudar o jovem a ter confiança e a fazer o passo necessário para a fé.

IHU – Muitos jovens não conhecem a Igreja, a recusam e só conseguem ver o seu pecado. O próprio Papa Francisco tem dito que o maior mal da Igreja é o mundanismo espiritual, isto é, uma Igreja que não age segundo os critérios do Evangelho. Como vocês interpretam e reagem a essa declaração e como, a partir da espiritualidade, é possível contribuir para a reversão desse caminho dentro da Igreja?

Irmão Christoph – Creio que isto é algo muito importante e está em sintonia com o que disse o irmão Roger: é mais importante buscar compreender os outros do que buscar sermos compreendidos. Às vezes, nós queremos ser compreendidos e fazemos todo um esforço para isso porque temos uma falta de amor. Creio que muitas vezes é isso o que acontece quando muitos buscam uma carreira de sucesso na Igreja, porque temos que nos confirmar. Mas o amor não é isto. O amor é tentar ajudar primeiro o outro, o que custa porque é um sofrimento. Temos que aceitar esta cruz, que é perder uma parte da nossa vida para ajudar o outro.

O mundanismo também pode se manifestar de forma mais sútil e tomar uma forma de humildade que não é justa porque pode ser uma humildade artificial, que é uma maneira de afirmar-se. Aí, novamente, falamos de simplicidade, de uma simplicidade de estar na Verdade. Humildade é um tema muito importante na tradição monástica desde sempre e em todo o cristianismo e, nesse sentido, sempre temos que voltar a esta questão em nós mesmos porque nunca chegamos completamente a essa humildade. Temos que sempre voltar e buscar viver essa humildade; e esse é um desafio constante; nunca vamos alcançar a humildade totalmente.

Irmão Henrique – Ser sinceros e não ter medo de mostrar que somos pobres. A sinceridade e a simplicidade na forma de se expressar e viver é muito importante. Nós não temos uma relação especial com Deus; cada um tem essa relação. Isso nos alimenta, nos faz renovar o "sim" cotidiano. Não se trata de fazer uma opção de vida e dizer que, a partir de agora, se vive como irmão, em uma comunidade. Dizer este “sim”, para mim, não foi difícil – e a minha decisão não foi muito racional. Mas o "sim", que é um desafio muito maior, é o "sim" do cotidiano: dizer "sim", eu quero me tornar o Cristo, eu quero que ele seja o centro da minha vida hoje. Não sou eu quem estou no centro; é ele e eu vou me encontrar nele e cada dia renovar isso.

Nós tentamos fazer isso na vida comunitária, que nos ajuda, mas não temos as respostas para todos os desafios do mundo. Nós não somos mestres espirituais, mas homens de escuta. Todos os irmãos na comunidade tentam transmitir isso. Então, antes de falar, é preciso escutar. Eu me sentiria mais à vontade em ouvir a sua história do que contar a nossa. Nós não convidamos muitos jovens para a ir Taizé, dizendo para irem fazer uma experiência maravilhosa lá, mas estamos abertos para quem quiser.

Agora, como essa espiritualidade se transmite para os outros, isso não nos pertence. A maneira como Deus fala para cada um é muito diferente. Esperamos despertar em cada um a sede que existe. Para mim, foi muito importante entender que a religião não é uma resposta para todas as nossas perguntas. A vida seguindo Jesus entra em um caminho de confiança. E confiança quer dizer que você não tem certeza. É a aventura da fé. Ele nos chama com nossas dúvidas, com a nossa pouca fé e isso aparece na Bíblia toda. Os discípulos, muitas vezes, não entenderam nada. E por que ele escolheu essas pessoas e não as que não tinham dúvidas? Ele nos pergunta: “Você acredita que eu posso te curar?” E respondo: “Eu acredito, mas venha ajudar a parte em mim que não acredita”. Por que isso aparece na Bíblia? Porque ele nos chama assim. É uma aventura de confiança, de caminho, passo por passo.

Temos essa promessa, as palavras dele e nós percebemos isso dentro de nós porque abre uma vida diferente, uma vida plena. Então, temos que dizer "sim" a essa confiança e a essa vida que desejamos seguir, mas isso não é uma resposta a todas as nossas perguntas e dúvidas. Ao contrário, isso leva a muito mais perguntas.

Na Holanda, visitando meus amigos, percebi que eles têm muita curiosidade e críticas contra a Igreja. Me perguntaram muitas coisas e, às vezes, eu dizia que compartilhava as mesmas questões e não sabia como respondê-las. Um dos meus amigos ficou muito tocado por isso. Disse que nunca ouviu um cristão dizer que não sabia determinadas coisas. Mas isso porque muitas pessoas usam a religião para ter uma resposta pronta, mas não é assim. A Igreja é um lugar para buscar, para procurar.

IHU – Por que decidiram fazer esta visita às universidades e aos centros de juventude?

Irmão Christoph – Depois da pandemia, retomamos as visitas que já fazíamos antes da pandemia. A última visita que fizemos na América Latina foi em 2018, na Colômbia, Uruguai e Argentina. Durante três anos, em função da pandemia, foi difícil viajar, mas vemos que é necessário retomar as visitas por várias razões. Uma delas é porque há grupos que utilizam os cantos de Taizé, mas não sabem como a comunidade vive, e há uma certa conexão entre os cantos de Taizé e a vida comunitária ecumênica. Então, visitamos esses grupos para falar como vivemos, para explicar que não somos um movimento. Esses grupos funcionam sem a nossa organização, então, encontramos essas pessoas para expressar que estamos unidos a elas de alguma maneira.

Outra razão é porque em Taizé queremos viver uma experiência de Igreja universal e estamos unidos com a Igreja na América Latina, na Ásia, África, Oriente Médio, Europa, e rezamos pelas situações desses países e, às vezes, gostamos de visitar as comunidades para conhecer melhor a realidade e escutar o que as pessoas dizem e também para criar círculos de amizade.

Outro aspecto é convidar as pessoas a irem a Taizé ou fazermos projetos em alguns países, com orações mais grandes ou pequenos encontros. Para isso é necessário ter pessoas com quem possamos colaborar e, para essa colaboração, é necessário falar presencialmente, para nos conhecer melhor, para poder colaborar também a partir de Taizé. Neste contexto, o irmão Alois [Loeser] me disse para fazer uma viagem na América do Sul, especialmente nos países em que já tínhamos contato, para reativá-los, como Chile, Bolívia e Brasil. Outro país com o qual pretendemos fazer projetos e novas colaborações com a Igreja é o Peru. Seria necessário visitar todos os países da América do Sul, mas não podemos.

Visitar o Brasil, para mim, foi importante para conhecer a fraternidade na Bahia e passar a Páscoa com eles, que é um momento forte na vida de cada cristão, e também para colaborar nesta viagem que estamos realizando pelo Sul do Brasil. Precisamos estabelecer mais vínculos com a Igreja no Brasil e fazer este diálogo juntos, para colaborarmos juntos entre irmãos que vivem na França e na Bahia.

Irmão Henrique – É uma viagem também para descobrir as realidades diferentes das igrejas, da sociedade, da juventude, dos desafios que existem, dos medos, as divisões. Sabemos que o Brasil tem muitas realidades distintas. Também é um momento de escutar as pessoas, de criar laços de amizade e confiança. Rezamos juntos todas as noites em igrejas diferentes e é muito bom criar este espaço, encontrar pessoas com sede de Deus, uma sede de unidade, uma sede de silêncio. Às vezes, é difícil de achar isso, se silenciar, rezar e partilhar juntos. É um prazer muito grande.

Também é uma oportunidade para visitar os lugares, as pessoas que vivem com compromisso em situações difíceis, de muito sofrimento, mas também nas pastorais e universidades, nas escolas, com a juventude que busca transmitir uma luz e uma confiança para a nova geração. Estamos em comunhão com essa busca, tanto com os mais marginalizados, quanto com as pessoas de rua, os migrantes, os dependentes químicos. Visitamos esses lugares, mas também as juventudes que assumem outros compromissos na Igreja e buscam, com muita sinceridade, construir um mundo de justiça e paz, de reconciliação e unidade. Isso renova muito nossa esperança em relação à sociedade brasileira e à Igreja. Essas pessoas fazem coisas “apesar de”: apesar das dificuldades e das lutas que, muitas vezes, são internas e hierárquicas.

IHU – Em que consiste a Mensagem de 2023 para a vida interior, divulgada pela Comunidade de Taizé?

Irmão Christoph – Irmão Roger escrevia, a cada ano, uma mensagem para a reflexão em Taizé e outros lugares do mundo, sobre temas que são importantes para os jovens; queremos ajudar na reflexão dos jovens sobretudo. Nessa mensagem o tema é como construir uma fraternidade universal; é uma continuação do texto do Papa Francisco, Fratelli tutti.

Alguns temas que queremos transmitir aos jovens são habituais: como viver uma vida de oração, como aprofundar a oração. Outro tema importante em Taizé é como relacionar oração e trabalho, ação para a paz e justiça no mundo. Esta mensagem está no contexto do encontro que realizamos em Rostock, na Alemanha, uma região tradicionalmente luterana, perto de onde viveu Dietrich Bonhoeffer. Foi por isso que o irmão Alois escolheu esta frase de Bonhoeffer para o momento: “Orar e fazer o que é justo”.

A proposta é construir a fraternidade criando pontes, dialogando, porque há este diálogo ecumênico, mas as sociedades também precisam de diálogo entre elas. Esta é a mensagem da Fratelli tutti: precisamos aprender a dialogar, conviver e a nos ver, todos, como filhos de Deus; precisamos encontrar formas de convivência para superarmos, juntos, os desafios do nosso mundo. Uma parte da mensagem também trata do ecumenismo, de como podemos reforçar ou revigorar o trabalho para a unidade dos cristãos. A mensagem, portanto, trata da vida interior, da unidade entre os cristãos, e da paz no mundo, que são os temas essenciais em Taizé.

IHU – Hoje, há uma falta de esperança e desespero em relação ao futuro que, muitas vezes, é apresentado como catastrófico em função dos problemas sociais, políticos, das guerras, dos efeitos do novo regime climático. Como resgatar a esperança e vivê-la em um mundo que precisamos construir e transformar?

Irmão Henrique – A angústia e o medo são fundamentos. Não é algo vazio, sem base ou motivos. Existem muitos motivos para as pessoas ficarem ansiosas, com medo. O Papa Francisco gravou uma mensagem para os jovens de Taizé, dizendo que desejava, para todos os jovens, uma doença: a doença da alergia de sofá. Porque o medo tem como efeito a paralisia. Temos problemas enormes, complexos, guerras, sofrimentos, explorações, escravidão, injustiças, o maltrato com a criação.

O jovem olha para isso e diz que, com sua vida, nunca vai poder resolver essas questões e, além disso, vê que há poucas pessoas que realmente são sinais de luz para mudar algo. Então, o resultado é ficar parado. Essa alergia de sofá é importante: não vamos ficar falando de tudo que é difícil, da falta de esperança, sentados no sofá, mas vamos nos levantar e fazer o que podemos. Mesmo que não saibamos como isso poderá tornar o futuro melhor, podemos viver o que entendemos que precisamos viver. Ter a coragem de se levantar e construir a paz lá no lugar onde podemos. Quando nos levantamos, encontramos outras pessoas que partilham o mesmo desejo. O medo, a angústia e a raiva mexem muito conosco. Se pararmos para analisar muitas situações, podemos ficar o dia inteiro chorando com muita sinceridade. Mas quando nos levantamos, essas forças negativas podem se transformar em criatividade e podem se transformar em uma força positiva.

IHU – Desejam acrescentar algo?

Irmão Christoph – Gostaria de dizer que uma coisa importante é o Sínodo da Igreja. Na abertura, no ano passado, o irmão Alois fez a proposta de realizar um encontro ecumênico de jovens durante a preparação do Sínodo, para mostrar que as outras igrejas também estão integradas nesse processo de sinodalidade que a Igreja está buscando. De alguma maneira, isto é algo ecumênico. O tema da sinodalidade, que é como caminhamos juntos na Igreja, inclui também outras denominações cristãs.

O papa aceitou esta proposta e haverá um encontro em Roma, no dia 30-09-2023. À nossa comunidade foi confiada a tarefa de coordenar a preparação da colaboração deste encontro com outras igrejas, movimentos católicos e com o dicastério que prepara o sínodo. Há um site na internet chamado Together | Encontro do Povo de Deus, com informações sobre o evento. Jovens, sobretudo da Europa, estarão em Roma durante três dias. Teremos um dia de oração, em 30 de setembro, com o Papa Francisco, na Praça São Pedro, e também haverá orações em outras cidades do mundo, com aqueles que não puderem ir a Roma. É algo importante porque mostra um pouco como queremos, com projetos concretos, trabalhar pela unidade dos cristãos. Esse Sínodo é importante porque, para os ortodoxos e luteranos, é um problema que a Igreja Católica sempre tenha sido tão hierárquica e, nesse sentido, este é um momento para chegarmos a uma maior unidade entre os cristãos.

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