15 Março 2022
Um novo choque de civilizações, mais que uma guerra. De um lado, o Bem cristão encarnado por Vladimir Putin e pelo patriarca de Moscou e de todas as Rússias, Kirill. Do outro, o Mal dos EUA e da UE, da OTAN e da Ucrânia “nazista”.
O comentário é de Fabrizio D’Esposito, publicado por Il Fatto Quotidiano, 14-03-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
No núcleo duro da direita clerical, antibergogliana e russófila, a invasão da Ucrânia relançou esperanças de uma vitória apocalíptica contra o Satã do Grande Reset, a conspiração que desencadeou a pandemia para enriquecer as multinacionais da vacina. A mensagem mais incontrolável vem do costumeiro D. Carlo Maria Viganò, no vax e fervoroso fã de Trump, não exatamente um campeão do pensamento crítico e complexo. Em uma declaração solene relançada por muitos sites e blogs da rede clerical, o ex-núncio apostólico nos Estados Unidos listou primeiro todas as atrocidades do Ocidente nessas três décadas pós-soviéticas.
Em seguida concluiu: “A crise mundial com a qual se prepara a dissolução da sociedade tradicional envolveu também a Igreja Católica, cuja Hierarquia é refém de cortesãos apóstatas do poder. Houve um tempo em que Pontífices e Prelados enfrentavam os reis sem respeitos humanos, porque sabiam que falavam com a voz de Jesus Cristo, Rei dos reis. A Roma dos Césares e dos Papas está deserta e silenciosa, assim como a Segunda Roma de Constantinopla está silenciosa há séculos. Talvez a Providência tenha estabelecido que seja Moscou, a Terceira Roma, a assumir hoje diante do mundo o papel de Kathecon (no texto original, escrito em grego, ed.), de obstáculo escatológico ao Anticristo”. Ou seja, a Rússia e a Ucrânia, uma vez unidas, “podem hoje ter um papel de época na restauração da civilização cristã, contribuindo para trazer ao mundo um período de paz do qual também a Igreja ressurgirá purificada e renovada em seus Ministros”.
Foi Ivan, o Terrível, em 1547, quem elevou Moscou a Terceira Roma, durante sua coroação como Czar de todas as Rússias: “Duas Roma caíram, mas não Moscou! E não haverá uma quarta Roma!”.
Mas entre os ítalo-putinianos, também despertou entusiasmo o sermão anti-homossexual de Kirill sobre a trama “metafísica” da guerra para a série: o Bem russo e cristão contra o Mal ocidental.
Alessandro Gnocchi, escritor tradicionalista que em 2013 foi suspenso pela Rádio Maria por suas críticas a Francisco escreveu: “Culpada (a Igreja Ortodoxa russa, ndr) por dizer o que cada cristão deveria ter pelo menos a coragem de pensar sobre homossexualismos & afins, de defender a população torturada do Donbass e, este é o maior pecado segundo o Pequeno Inquisidor, de falar de embate metafísico entre aqueles que estão com o Deus Trinitário e aqueles que o combatem”.
Na Itália, o putinismo pró-católico está enraizado há décadas. Um verdadeiro pensamento único. Outro escritor, Rino Cammilleri, observou satisfeito em 2015 na Nuova Bussola Quotidiana: "Putin devolveu grande brilho à tradição religiosa da Santa Rússia, recompensa famílias numerosas, não quer ouvir falar sobre gênero e ideologia LGBT, financia e reconstrói igrejas e mosteiros, ele até censurou o Papa diante de todo o mundo, por ter se distraído no beijo para a Vladimirskaya, o ícone da Mãe de Deus protetora de todas as Rússias”.
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