A Igreja está em declínio no Ocidente – e o nacionalismo não é a salvação

Mais Lidos

  • “A destruição das florestas não se deve apenas ao que comemos, mas também ao que vestimos”. Entrevista com Rubens Carvalho

    LER MAIS
  • Povos Indígenas em debate no IHU. Do extermínio à resistência!

    LER MAIS
  • “Quanto sangue palestino deve fluir para lavar a sua culpa pelo Holocausto?”, questiona Varoufakis

    LER MAIS

Revista ihu on-line

Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

Edição: 552

Leia mais

Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

Edição: 551

Leia mais

Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

Edição: 550

Leia mais

19 Julho 2021

 

“O cristianismo é, sem dúvidas, mais penetrável nas sociedades seculares ocidentais quando está alinhado com imigrantes e oprimidos do que quando os valores cristãos são promovidos e legislados desde uma posição de poder. Felizmente, o Papa Francisco já está conduzindo para essa direção de encontro aos pobres e marginalizados, pela sua incansável defesa dos migrantes e refugiados e pelo seus incríveis esforços para construir a paz, especialmente com o mundo muçulmano”, escreve Kamila Valenta, natural de Praga, na República Tcheca, é professora adjunta do Departamento de Estudos Globais da Universidade da Carolina do Norte, EUA, em artigo publicado por America, 15-07-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.

 

Eis o artigo.

 

Eu estava com 17 anos quando escutei o Pai Nosso em público pela primeira vez. Era novembro de 1989, durante a Revolução de Veludo, a qual trouxe liberdade para a Tchecoslováquia Comunista. A multidão de quase 500 mil pessoas cantava enquanto os dissidentes falavam. Mas quando o padre Václav Malý começou a rezar o Pai Nosso, fez-se silêncio.

Depois de duas gerações de supressão religiosa e intensa doutrinação comunista, poucas pessoas poderiam recitar a oração de coração. Muitos nunca tinham a ouvido. Mas todos entenderam que era um momento solene.

O padre Malý, tcheco, que fora preso e perseguido, liderou manifestações pacíficas em Praga com Václav Havel e outros proeminentes dissidentes do movimento anticomunista clandestino. A polícia poderia prender o padre a qualquer momento por rezar em público, mas ele permaneceu calmo.

O dia frio e nevado marcou para muitos o primeiro encontro com a adoração pública, a espiritualidade e a oração. A Igreja Católica que o padre Malý representou era muito diferente da Igreja que eu conhecia. Eu conhecia a Igreja dos livros que passaram pela censura do governo e apresentavam uma interpretação enviesada da história.

A Igreja do padre Malý também parecia diferente das edificações arquitetônicas silenciosas, dos prédios vazios que eu conhecia, mas cujo mistério era muito maior do que eu podia alcançar. Como se saísse das sombras das catedrais, a Igreja Católica chegou viva na humanidade e vulnerabilidade o padre Malý. Ele encorajou e confortou todos, batizados ou não. Ele estava ali por nós, tivéssemos ou não coragem de desafiar os 40 anos de ensino ateu e abertamente contemplado a possibilidade da existência de Deus.

A queda do comunismo levou o mundo para uma nova era de progresso tecnológico sem precedentes, interconexões e aceleração do desenvolvimento político. A Igreja encontra-se agora em lugar similar. Ela pode ser uma força transformadora – política, econômica e espiritualmente – estando ao lado dos impotentes e vulneráveis hoje, como aconteceu durante a queda do comunismo. A Igreja também demonstrou que pode ser uma incrível força de mudança na África e na China. Mas seu alinhamento com os governos da ordem ou nacionalistas é problemático na Hungria e em outros países, onde líderes religiosos, apelando para uma herança nacional cristã, lutam para aprovar leis que trariam suas sociedades secularizadas de volta às suas raízes cristãs. Esta abordagem de cima para baixo não é eficaz ou sustentável em nosso mundo globalizado atual e ignora as tremendas oportunidades de reavivamento e transformação desde o início.

 

O trabalho de base de João Paulo II

Ao longo da história, o cristianismo foi frequentemente espalhado pelas elites, que introduziram-no e mantiveram-no entre seus sujeitos. A conversão do imperador Constantino em 312 a.C. foi o ponto principal da cristianização da Europa; e desde então, o cristianismo usualmente se espalhou através da conversão de governantes, que construíram igrejas, convidaram missionários e estabeleceram leis favoráveis ao Cristianismo. O sistema político das elites sustenta os valores religiosos e a ordem em seus países que definitivamente reafirmaram e codificaram em 1648 os tratados da Paz de Westfália, o quais encerraram 30 anos de conflitos religiosos na Europa, estabelecendo o moderno sistema internacional de estados-nações e deixou clara a distinção entre política doméstica e internacional.

Mas essa distinção tem se tornado confusa nas décadas recentes, quando a informação e ideias viajavam livremente pelas fronteiras. A maioria dos países ocidentais gradualmente aderiu à democracia liberal, liberdade de religião e livre acesso à informação, o controle e a influência religiosa sobre governos e suas populações diminuiu drasticamente, e o principio de “cuiús régio, eius religio” perdeu seu significado.

Gradualmente, as gerações mais jovens se acostumaram a questionar as normas e valores sociais e a enfatizar a experiência espiritual pessoal, em vez de adotar reflexivamente os valores religiosos da autoridade política ou dos pais. Assim, a transmissão da fé de geração em geração não é mais automática; e nossa era atual foi marcada por um declínio significativo nas formas estabelecidas de cristianismo, particularmente em países com uma aliança historicamente forte entre o cristianismo e a autoridade governamental.

João Paulo II compreendeu a oportunidade de estender a mão especialmente para aqueles que estão fora da autoridade governamental. Suas famosas palavras: “Não tenham medo!”, dirigidas a todos os povos oprimidos em regimes comunistas, de alguma forma penetrou até mesmo as censuras autoritárias mais severas e atingiu os corações dos impotentes em toda a Europa Oriental. O impacto deste santo na libertação de todo o continente é reconhecido e bem documentado por proeminentes estudiosos não católicos da Guerra Fria, como o historiador britânico Timothy Garton Ash e o especialista estadunidense em Guerra Fria John Lewis Gaddis, que escreveram: “Quando João Paulo II beijou o chão no Aeroporto de Varsóvia em 2 de junho de 1979, ele deu início ao processo pelo qual o comunismo na Polônia — e, finalmente, em todos os lugares — chegaria ao fim”.

O beijo do papa não foi apenas um gesto simbólico; ele literalmente trabalhou para desmantelar o regime autoritário da Polônia do zero. Ao celebrar a missa na praça pública de Varsóvia e em um estaleiro na cidade portuária de Gdansk, ele pôde se relacionar diretamente com as pessoas comuns, que sofreram mais.

O falecido papa também contribuiu para o caráter excepcionalmente pacífico da maioria das transições democráticas na Europa, promovendo a ideologia da resistência pacífica e fazendo amizade e encorajando os notórios pacificadores dissidentes Lech Walesa e Václav Havel.

 

A luta da Igreja contra o autoritarismo

Mas João Paulo II não limitou sua influência e apoio aos movimentos de base antiautoritários em seu país ou continente natal. Ele também criticou os regimes autoritários de direita latino-americanos. Suas visitas ao Chile, Paraguai e Haiti, e sua atenção particular e encorajamento aos dissidentes oprimidos são frequentemente citados como catalisadores para o eventual fim dos regimes de Pinochet, Stroessner e Duvalier. Um incidente particularmente comovente revelou ao povo chileno que o papa estava inequivocamente do seu lado: quando beijou e abraçou publicamente uma jovem estudante protestante, Carmen Gloria Quintana, que ficou marcada por espancamentos brutais e uma tentativa de incineração pelos soldados do ditador Pinochet.

João Paulo II demonstrou o potencial da Igreja Católica para ser uma força transformadora para desmantelar regimes autoritários quando se engajou com os movimentos populares dos oprimidos. A recente disseminação do cristianismo em muitos países da África, Ásia e Oriente Médio mostra que a conexão com os pobres e marginalizados ainda é crucial.

Essas igrejas vibrantes, em países onde o cristianismo não tem feito parte do establishment político e especialmente em lugares onde os crentes têm que superar enormes obstáculos e perseguições, provam que o cristianismo não precisa de condições políticas favoráveis para florescer. O rápido crescimento das igrejas católicas e protestantes na África subsaariana foi amplamente divulgado. Nigéria, Tanzânia, Uganda e Quênia foram classificados como tendo números recordes de conversões cristãs.

Diferente da Igreja na Europa, a Igreja africana não está tão profundamente entrelaçada com o poder das estruturas políticas estabelecidas historicamente. Muitos podem ver pela primeira vez o trabalho da Igreja vivo no esforço dedicado de vários missionários e organizações como Unbound, Cross-Catholic Outreach e Catholic Relief Services, que trabalham lado a lado com a população local na construção, avanços agrícolas, vacinas, cuidados médicos básicos e educação. O trabalho de evangelização direta por outras instituições de caridade também deu muitos frutos.

Por causa da crescente parceria econômica entre a China e a África, os trabalhadores chineses encontram comunidades cristãs hospitaleiras e vibrantes, o que muitas vezes os leva à conversão, como relatou Christopher Rhodes, da Universidade de Boston, no ano passado para a UnHerd. A empresa americana de consultoria de gestão McKinsey & Company relatou, em 2017, que havia mais de 10 mil empresas operando de propriedade de chineses na África e aproximadamente um milhão de trabalhadores chineses vivendo principalmente na Argélia, Angola, Nigéria, Quênia e Etiópia.

Quando eles retornam à China, eles não apenas trazem sua nova fé com ele, mas também continuam praticando e espalhando através de redes clandestinas, apesar de uma persistente e intensa perseguição do governo. Estima-se que o número de cristãos ativos lá é de 40 a 70 milhões, segundo os institutos de pesquisas, o que já ultrapassaria o número de cristãos praticantes na França e Grã-Bretanha, e se prevê que em 2030 a China será o pais com o maior número de cristãos no mundo, superando o Brasil e os Estados Unidos.

 

Uma Igreja livre do nacionalismo

Para ser uma força verdadeiramente vibrante e transformadora em nosso mundo globalizado, o cristianismo precisa se distanciar não apenas dos poderes dominantes, mas também do nacionalismo e dos sentimentos étnicos, apresentando-se antes de tudo como uma religião de conversão do que um atributo de uma etnia inata ou identidade racial. Conectar o cristianismo ao nacionalismo leva ao aumento do extremismo e reduz a capacidade de ver o potencial de conversão entre pessoas de diferentes afiliações étnicas ou nacionais. A tendência recente de conversão entre os imigrantes está bem documentada no livro de Darren Carlson, "Christianity and Conversion among Migrants" ("Cristianismo e Conversão entre os Migrantes", em tradução livre), em 2020, por exemplo, e seu potencial para crescimento futuro e renovação do cristianismo nas sociedades ocidentais foi subestimado entre os políticos nos Estados Unidos e também na Europa, onde a questão de aceitar refugiados de países não cristãos tem sido particularmente pertinente e onde muitos políticos seguem políticas anti-imigração, defendendo a preservação da cultura cristã.

O primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orban, ele próprio um calvinista convertido do ateísmo, escreveu em 2015 que a aceitação de refugiados muçulmanos deveria ser limitada porque “a Europa e a cultura europeia têm raízes cristãs”. O primeiro-ministro Mateusz Morawiecki da Polônia também argumentou em uma entrevista de 2017 por aceitar apenas refugiados cristãos para “remodelar a Europa e recristianizá-la”.

Matteo Salvini, o ex-ministro do Interior e vice-primeiro-ministro da Itália, usou símbolos católicos como adereços de campanha. Mas ele é conhecido por negar asilo a centenas de refugiados e por recusar o navio de resgate Aquarius da Líbia, com 600 pessoas. Ele justifica suas ações em nome da proteção da herança cristã da Europa.

Esses argumentos são baseados na suposição errônea de que um europeu secularizado está mais perto de se converter a uma fé cristã ativa do que um imigrante muçulmano. O oposto é verdadeiro, e as evidências mostram que os imigrantes muçulmanos estão se convertendo ao cristianismo a taxas muito mais altas do que os europeus nativos. Eles revitalizaram Igrejas em declínio em vários países europeus.

Ambas as instituições de caridade protestantes e católicas em toda a Europa alcançaram os migrantes pobres e sem-teto de zonas de conflito no Oriente Médio, especialmente na Síria e no Iraque. Tendo experimentado uma versão extremista e distorcida do islã, alguns deles já estavam inclinados ao cristianismo, mas não podiam seguir a fé em seu país de origem devido ao risco de morte, mutilação, prisão ou ostracismo social. O bispo George Saliba, de Beirute, Líbano, relatou recentemente à Public Radio International que batizou pessoalmente mais de 100 desses refugiados desde a eclosão da guerra na Síria em 2011. Outros imigrantes encontraram o cristianismo pela primeira vez quando encontraram proteção em igrejas temporariamente convertidas em abrigos improvisados para sem-teto e refugiados. A diretiva do Papa Francisco para que cada paróquia católica na Europa hospedasse pelo menos uma família de refugiados permitiu que muitos imigrantes pobres encontrassem lares hospitaleiros em um ambiente cristão.

Alguns imigrantes e refugiados muçulmanos se convertem voluntariamente ao cristianismo quando procuram asilo, embora não haja vantagens na maioria dos países europeus para isso. Eles se convertem apesar de enfrentarem um risco enorme se seu pedido de asilo for negado. De acordo com o The Guardian, o arcebispo de Viena recebeu mais de 300 pedidos de batismo de adultos no ano de 2016, três quartos dos quais eram refugiados muçulmanos. As Igrejas Protestantes em Hamburgo e Berlim tinham tantos ex-muçulmanos buscando o batismo que reservaram piscinas municipais para celebrar o sacramento.

O pastor Gottfried Martens testemunhou que somente em sua Igreja, a Trinity Church em Berlim, a congregação cresceu de 150 para quase 700 devido a convertidos do islamismo. O reverendo da Catedral de Liverpool, Mohammad Eghtedarian, que é convertido do islã e refugiado do Irã, realiza cultos semanais em Farsi para acomodar o número crescente de cristãos recém-convertidos do Irã e do Afeganistão.

A chanceler Angela Merkel, uma forte defensora de uma maior aceitação dos refugiados muçulmanos na Alemanha, disse que o problema da Europa não é muitos muçulmanos, mas poucos cristãos. A Europa precisa de um cristianismo que seja capaz de compartilhar o espaço político com o islã moderado e outras religiões minoritárias e ainda continuar a ser uma força transformadora que permanece perto dos pobres e marginalizados. A Europa precisa desesperadamente de uma Igreja que abranja igualmente todas as pessoas, independentemente de sua afiliação anterior, seu status social, a cor de sua pele ou se seus ancestrais construíram as catedrais.

Essas tendências, sem dúvidas, mostram que o cristianismo é mais penetrável nas sociedades seculares ocidentais quando está alinhado com imigrantes e oprimidos do que quando os valores cristãos são promovidos e legislados desde uma posição de poder. Felizmente, o Papa Francisco já está conduzindo para essa direção de encontro aos pobres e marginalizados, pela sua incansável defesa dos migrantes e refugiados e pelo seus incríveis esforços para construir a paz, especialmente com o mundo muçulmano.

 

Francisco e a Igreja dos Pobres

Seguindo os passos de São Francisco de Assis, que penetrou nas linhas inimigas durante a quinta cruzada para se engajar em um diálogo de três dias com o sultão Al-Kamil, o papa também estende a mão ao mundo muçulmano. Em fevereiro de 2019, ele celebrou a primeira missa papal na Península Arábica. No entanto, seus atos mais notáveis de liderança cristã são seu envolvimento com os impotentes, como seus esforços para melhorar a situação das tribos empobrecidas e muitas vezes esquecidas da Amazônia e sua defesa implacável dos refugiados que acabam nas costas europeias.

Ele é conhecido por lavar e beijar os pés de imigrantes muçulmanos e por dar as boas-vindas e oferecer um novo lar para famílias de refugiados não-cristãos dentro da residência do Vaticano. Ele não tem medo de criticar abertamente decisões cruéis e desumanas de políticos poderosos, como maus tratos a refugiados, construção de muros de fronteira, separações familiares, pena de morte e políticas que fomentam mais desigualdades econômicas, mas consegue se manter afastado de endossos políticos enquanto ele se recusa a dizer ao seu rebanho americano em qual candidato eles deveriam votar nas eleições presidenciais.

O mundo globalizado precisa encontrar uma Igreja Católica que não esteja enredada com política de poder e nacionalismo e que siga a liderança do Papa Francisco. A Igreja precisa do exemplo de líderes como João Paulo II, que beijou o solo dos países comunistas e os rostos cheios de cicatrizes das vítimas da opressão, e do padre Malý, que arriscou ser preso para orar com uma multidão esmagadoramente ateísta. Para ser uma força verdadeiramente relevante e transformadora, a Igreja Católica do século XXI precisa estar disposta a renunciar ao poder político e enfrentar os sofredores e marginalizados em sua posição humilde e vulnerável.

Abraçando aqueles com uma formação cristã forte, bem como aqueles que ainda não ouviram o Evangelho, a Igreja precisa reconhecer que o maior potencial para o futuro do cristianismo pode estar entre aqueles que praticam sua fé apesar da opressão. Nas sociedades ocidentais, há esperança de que o avivamento venha dos menos poderosos, especialmente os imigrantes e refugiados, que muitas vezes acabam em nossas praias intocados pelas águas do batismo. A fé recém-descoberta daqueles que se convertem e seu poderoso testemunho podem inspirar aqueles que consideram sua religião garantida.

A Igreja Católica da minha infância em Praga foi despojada de todo o seu antigo poder e glória mundana. A contradição entre a beleza estonteante da arte e arquitetura católica em cada canto de Praga e uma falta generalizada de conhecimento até mesmo dos princípios mais básicos do cristianismo durante os tempos comunistas era um absurdo que apenas Franz Kafka teria sido capaz de descrever adequadamente. Altas torres góticas e cúpulas barrocas formam o horizonte da cidade e testemunham a antiga influência política, ideológica e cultural que a Igreja desfrutou ao longo dos séculos de história tcheca. Ainda assim, o papel do clero católico era frequentemente reduzido à manutenção do prédio da igreja e serviço limitado aos idosos e turistas estrangeiros.

Atraído pela beleza serena do interior, pela música de órgão sublime e talvez pelos efeitos espirituais do meu batismo infantil que eu ainda não conhecia, ocasionalmente podia testemunhar missas celebradas em línguas que não conseguia entender e andar em torno de fontes lindamente ornamentadas cheio de água benta, que não pude tocar. Padres silenciosos, que poderiam enfrentar graves repercussões por se envolver com os jovens, nunca reconheceram minha presença enquanto eu tentava juntar os princípios básicos da história do Evangelho, parcialmente preservados em pinturas antigas, inscrições em latim e canções de natal, que não podiam ser cantadas fora de nossas casas.

A oração pública do padre Václav Malý perante meio milhão de pessoas em novembro de 1989 foi, portanto, um acontecimento impressionante e um sinal seguro de mudança. Embora o espírito de liberdade já estivesse no ar, ainda havia temores persistentes de repressão militar, enquanto as gerações mais velhas relembravam suas memórias vivas da invasão brutal pelas tropas do Pacto de Varsóvia que extinguiu o movimento pela liberdade da Primavera de Praga, de 1968, 21 anos antes.

Apesar desses temores bem fundados de uma possível repressão e apesar do fato de que a maioria dos dissidentes e a maioria do público não eram crentes, muitos padres católicos, bem como outros líderes cristãos, abraçaram todos os riscos e vulnerabilidades e se juntaram à multidão humilde e espiritualmente pobre na praça pública. Sob o céu frio e cinzento daqueles dias cruciais, suas orações e encorajamento ajudaram a mudar o curso da história e abriram as portas da liberdade para milhões de pessoas, cujas vidas nunca mais seriam as mesmas.

 

 

Leia mais

Comunicar erro

close

FECHAR

Comunicar erro.

Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:

A Igreja está em declínio no Ocidente – e o nacionalismo não é a salvação - Instituto Humanitas Unisinos - IHU