Militarização da Amazônia é "cortina de fumaça" para desmatamento, diz ambientalista

Foto: Vinicius Santos | Força Aérea Brasileira | Flickr CC

08 Julho 2021


Sob Bolsonaro, modelo de fiscalização que freou devastação da floresta foi substituído pela "força bruta" dos militares.

A reportagem é de Murilo Pajolla, publicada por Brasil de Fato, 06-07-2021. A edição é de Rebeca Cavalcante.

No governo de Jair Bolsonaro (sem partido), as Forças Armadas ganharam protagonismo inédito na política de combate ao desmatamento na Floresta Amazônica.

Desde 2019, foram realizadas duas operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) ambientais, chamadas Verde Brasil 1 e 2. A última, que durou quase um ano, terminou em abril, mas a presença militar foi prorrogada em localidades mais devastadas até, pelo menos, 31 de agosto.

Os dados demonstram que a estratégia fracassou, mas o governo federal tem persistido no erro. Nas palavras do ambientalista Marcio Astrini, o esforço militar não passa de uma “cortina de fumaça”. “O exército está sendo usado em prol do Bolsonaro e não em prol da floresta. Ele usa as Forças Armadas para dar uma resposta que não tem efetividade, mas serve para compor a narrativa de que ele está agindo contra o desmatamento”.

Em 2019, a devastação na Amazônia teve o maior aumento proporcional do século: 34%. Em 2020, a área desmatada superou os 10 mil km2, maior número desde 2008. Em dois anos de governo Bolsonaro, a floresta perdeu 21 mil km2, o equivalente a todo o estado de Sergipe. Os dados são do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).

“Não adianta enviar militares para Amazônia, mas enquanto isso conduzir uma política de favorecimento do crime, congelando multas ambientais, liderando exportação ilegal de madeira, auxiliando grileiros de terra e garimpeiros ilegais atuarem em áreas protegidas”, afirma Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.

 

O preço da militarização

 

Com efetivo cinco vezes maior do que o Ibama, operação de Garantia da Lei e da Ordem multou menos do que o órgão ambiental (Foto: Divulgação - Exército Brasileiro)

Não que o poder de fogo dos militares não possa ser peça-chave no combate ao desmatamento. Mas, conforme o especialista, é preciso que a atuação deles esteja subordinada a diretrizes de fiscalização baseadas no conhecimento acumulado de órgãos especializados, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) ou o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

É justamente o contrário do que vem ocorrendo na administração federal. A prerrogativa do combate ao desmatamento vem sendo retirada do Ibama e do ICMBio e centralizada no Conselho Nacional da Amazônia Legal (CNAL), criado e abandonado na década de 90, mas reativado por Bolsonaro. Dirigido pelo vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB), o Conselho é composto exclusivamente por militares, sem representantes de órgãos de monitoramento ou da sociedade civil.

O desmonte do Ibama e do ICMBio e a preferência pela militarização se traduzem em números. Em fevereiro deste ano, Mourão afirmou que a Operação Verde Brasil 2 custou R$ 410 milhões. “Não é uma operação extremamente cara”, declarou à época em entrevista coletiva.

O custo, no entanto, é quase o dobro dos orçamentos somados do Ibama (R$ 135 milhões) e do ICMBio (R$ 73 milhões) aprovados para 2021. Neste ano, vetos presidenciais reduziram o custeio das autarquias em 130 milhões, na comparação com o ano passado.

“As GLOs custam caríssimo, enquanto Ibama e o ICMBio estão sendo boicotados de todas as maneiras, na questão da estrutura orçamentária, na questão de logística, de planejamento e principalmente na questão de perseguição aos funcionários públicos que trabalham nesses órgãos”, pontua Marcio Astrini.

“Além disso, tem quase R$ 3 bilhões parados no Fundo Amazônia. Essa quantia está parada porque existe uma condição para o uso, que é combater o desmatamento. Mas o governo não quer fazer isso e não usa o dinheiro”, completa.

 

Mais efetivo, menos resultados

Para o especialista, o investimento valeria a pena se resultasse na intensificação do combate aos crimes ambientais, mas não é o que mostram os dados disponíveis na plataforma Fakebook.eco, destinada a combater a desinformação ambiental.

Segundo o Ministério da Defesa, a Verde Brasil 2 gerou R$ 1,79 bilhão em multas ambientais entre maio e novembro de 2020. O montante é menor do que a somatória dos autos de infração aplicados apenas pelo Ibama no mesmo período de 2019, que foi de R$ 2,12 bilhões. Vale ressaltar que o efetivo do Ibama era de cerca de 750 fiscais, cinco vezes menor do que os 3400 militares empregados na GLO comandada por Mourão.

“O fiscal do Ibama está sob risco neste governo. Um madeireiro ilegal, um garimpeiro que invade uma terra indígena e solta bombas nos indígenas, um grileiro de terra; esses não correm nenhum risco no governo Bolsonaro. Muito pelo contrário, eles estão recebendo muitos benefícios e trabalham mais confortáveis do que nunca”, denuncia.

 

Desmatamento tem solução

Embora o fracasso na fiscalização ambiental já tenha se tornado uma marca registrada do Brasil, a realidade era outra até pouco tempo atrás. Entre 2004 e 2012, o país conseguiu diminuir o desmatamento em 83%. A receita do sucesso estava no Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDam), abandonado por Jair Bolsonaro.

Além do monitoramento ambiental, o Plano previa o reconhecimento e a regularização fundiária dos territórios ocupados por povos tradicionais e o estímulo a atividades econômicas que não dependam da degradação da floresta.

“É uma receita de bolo que, se seguida à risca, dá resultado. Ao mesmo tempo em que você faz essa repressão ao crime, você precisa colocar no lugar uma economia saudável para a floresta que dê dinheiro para aquela população, dê condições de vida e retire da equação os criminosos e esses mafiosos ambientais”, constata o secretário-executivo do Observatório do Clima.

Para o especialista, a presença militar seria até benéfica, se fosse articulada com a atuação dos grupos especiais de fiscalização do Ibama, polícias militares, Polícia Federal e a Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Sem isso, as operações falham em desarticular os grupos criminosos que coordenam as ações de desmatamento.

“Você pode fazer a batida rotineira e prender o motorista do caminhão, que muitas vezes não sabe nem o que está acontecendo. É uma pessoa numa situação de sobrevivência, ele nem sabe exatamente se está cometendo um crime. A gente precisa pegar os mandantes, os chefes de grilagem de terra que não estão nem na Amazônia. Moram em São Paulo, no Rio de Janeiro, Paraná, Minas Gerais”, afirma Marcio Astrini.

 

Outro lado

O Brasil de Fato procurou a Vice-Presidência e Ministério da Defesa para rebater os argumentos do Observatório do Clima, mas, até a publicação desta reportagem, não havia obtido resposta.

Em matérias veiculadas no site do Ministério da Defesa, o governo afirma que os avisos de desmatamento na região tiveram queda de 19,15% entre agosto e março do biênio 2020/2021, em comparação com o mesmo período de 2019/2020, como resultado da Operação Verde Brasil 2.

"No total, foram mais de 100 mil inspeções, patrulhas navais, terrestres e aéreas. Entre os pontos de destaque, estão a apreensão de 504,6 mil metros cúbicos de madeira, 2.015 embarcações e 899 veículos e tratores", escreveu a comunicação oficial do Ministério.

 

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