Em meio à pandemia de coronavírus, Brasil enfrenta “desertos” de UTIs

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15 Março 2020

Levantamento da Pública mostra que quantidade de leitos de UTI no Brasil segue a média da OMS, mas a distribuição desigual deixa áreas do Norte e Nordeste abaixo do recomendado.

A reportagem é de Anna Beatriz Anjos, Bianca Muniz, Bruno Fonseca e Rafael Oliveira, publicada por Agência Pública, 13-03-2020.

Mais da metade das regiões de saúde do Brasil possui menos de uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) para cada 10 mil pessoas — o mínimo recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Além disso, existem 123 regiões que não possuem sequer um leito de UTI, necessário para atender pacientes em estado grave da doença causada pelo coronavírus (SARS-CoV-2). Segundo informe da Sociedade Brasileira de Infectologia (SIB), a estimativa é de que, a cada 100 pessoas infectadas pelo coronavírus, cerca de cinco precisem de internação em tratamento intensivo. 

A média brasileira, que é de 2,3 leitos de UTI para cada 10 mil habitantes, se enquadra nos limites recomendados pela OMS — de 1 a 3 leitos para a mesma quantidade de pessoas. No entanto, mais de 80% das regiões de saúde no país não atingem esse parâmetro da OMS. A situação é pior no Norte e Nordeste onde a maioria das regiões de saúde está abaixo da média recomendada. Já nos três estados do Sul, a maioria das regiões segue a definição da OMS.

Os dados são resultado de um levantamento exclusivo da Agência Pública com informações de 450 regiões de saúde listadas no Sistema de Apoio à Gestão Estratégica do Ministério da Saúde. As regiões são grupos de municípios, na maior parte das vezes vizinhos e com características sociais e econômicas parecidas, definidos para ajudar a elaborar e executar as ações do governo em saúde. A reportagem contabilizou os leitos do Sistema Único de Saúde (SUS) e também os privados.

 

Em todas as regiões de saúde de Roraima, por exemplo, o número de leitos de UTI por habitante não atinge a média. No Pará, há apenas uma região dentro da média: a área que engloba a capital Belém e os municípios vizinhos de Ananindeua, Marituba, Benevides e Santa Bárbara do Pará. Nesta semana, governadores dos estados do Amapá, Pará, Maranhão, Mato Grosso, Amazonas, Tocantins, Acre e Roraima assinaram uma carta pedindo mais recursos do Governo Federal e a abertura de leitos adicionais de UTI na região.

A desigualdade de oferta de UTIs é um problema para o tratamento do quadro clínico causado pelo coronavírus, já que, nos casos mais graves, é necessária a internação do paciente. “Uma coisa é uma pessoa ir a um posto de saúde em Belo Horizonte, conseguir fazer um teste, ter o diagnóstico positivo e então ser encaminhada a um hospital, onde vai ficar internada e pronto. Outra coisa é isso acontecer no interior do Amazonas”, afirma o economista Pedro Amaral, professor do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e integrante de um grupo de pesquisa que analisa a distribuição espacial da oferta de serviços de saúde no Brasil. “As pessoas [nessas regiões] não têm um risco maior de pegar a doença, mas de morrer pela doença. Se precisarem de uma UTI, talvez não tenha leitos na região delas, porque a disponibilidade é menor. A desigualdade vai pegar no risco de mortalidade.”

Essa situação, sobretudo no Norte e Nordeste, faz com que a população que vive em regiões onde a quantidade de UTIs está abaixo do recomendado precise se deslocar para ter mais chance de internação. “Em momento algum podemos esperar que todos os municípios tenham leitos de UTI, o sistema de saúde nunca pode ser pensado assim. Nas regiões Norte e Nordeste, os leitos tendem a estar concentrados nas capitais ou cidades grandes. Mesmo quando a quantidade total de leitos é suficiente, eles estão mais concentrados, então a população fica mais afastada dessa oferta”, aponta Amaral.

Segundo os dados do Ministério da Saúde, essa é a situação de quem vive em algum dos cinco municípios que integram a região de saúde do rio Madeira, no leste do Amazonas, onde não há sequer um leito de UTI. A população estimada na região é de quase 200 mil pessoas.

A diferença na oferta de atendimento em terapia intensiva não se restringe apenas ao Norte e Nordeste do país. Há diversos “desertos” de leitos de UTI ou com quantidade abaixo da média por todo o Brasil. Em Minas Gerais, quase metade das regiões está abaixo da recomendação da OMS — no norte do estado, há uma série de municípios cuja região não tem nenhuma UTI.

A maior parte das vagas de UTI disponíveis atualmente é do sistema privado: o SUS possui 45% dos leitos, segundo os dados do DataSUS. “O nosso problema principal é a distribuição. Em situações de demanda normal nós já estamos trabalhando no nosso limite. Certamente existem ainda regiões em que há carência. E insisto especificamente na região Norte e Nordeste do país, há necessidade de aumento de leitos de UTI”, afirma Ederlon Rezende, membro do conselho consultivo da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) e diretor do serviço de terapia intensiva do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo. “Se formos considerar a população, temos cerca de dois leitos para cada 10 mil habitantes. A recomendação da OMS para o Ministério da Saúde é que devemos ter de 1 a 3 leitos para cada 10 mil habitantes, portanto, temos um número adequado. O problema é a nossa distribuição social e regional. Nas regiões Norte e Nordeste os poucos leitos disponíveis habitualmente estão nas capitais ou grandes cidades, regiões de difícil acesso, de grande distância”, avalia.

Contudo, Rezende pondera que isso não significa que essas regiões serão mais afetadas pela pandemia do Coronavírus, sobretudo na região Norte. “Especificamente no que diz respeito a essa epidemia, os primeiros indícios são de que talvez essas não sejam as regiões mais afetadas. Provavelmente o epicentro no país será São Paulo, que felizmente tem uma condição melhor. Mas, ainda assim, se a gente falar da realidade de São Paulo, quando há um aumento de demanda desses, certamente nós teremos problemas no SUS”, pondera.

Rezende ressalta que é importante que o Ministério da Saúde considere as desigualdades regionais para a abertura de novos leitos de UTI. “Existem muitos hospitais que estão com leitos prontos para serem abertos, dependendo, por exemplo, de uma verba ou autorização para contratação de pessoal, ou do simples credenciamento o SUS para os leitos entrarem em funcionamento. É importante que isso obedeça uma questão das regiões que estão mais carentes e também as regiões onde a epidemia se faz mais presente”, comenta.

Nesta sexta-feira, 13 de março, o Ministério da Saúde informou que há R$ 5 bilhões em emendas parlamentares que serão liberadas para investimentos no sistema de saúde relacionados à pandemia do coronavírus, incluindo a criação de leitos de UTI, de acordo com a necessidade local. O Ministério também informou que, caso 80% dos leitos de internação destinados a pacientes com coronavírus em determinada região forem ocupados, a pasta sugere que os governos locais considerem a implementação da quarentena na área.

A reportagem questionou o Ministério da Saúde sobre a criação de novas vagas de UTI. A pasta respondeu que prevê a locação de até 2 mil leitos de internação intensiva, cujo custo, caso eles sejam utilizados por seis meses, pode chegar a R$ 660 milhões de reais, sendo R$ 400 milhões para a locação e o valor restante para o custeio.

Como a tramitação ordinária desse tipo de procedimento pode durar 30 dias ou mais, o Ministério também divulgou chamamento público emergencial para a locação de 200 leitos de UTI

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