16 Dezembro 2025
Celibato obrigatório: quando a Igreja sacrifica seus próprios pastores. O celibato, oficialmente apresentado como um carisma, é para a maioria dos sacerdotes uma exigência imposta, forçando-os a enfrentar dia após dia a ausência de afeto, companheirismo e um propósito compartilhado.
O artigo é de José Manuel Vidal, publicado por Religión Digital, 15-12-2025.
Eis o artigo.
Sob a superfície da rotina da vida paroquial, atrás do altar e nas sacristias, arde uma dor surda, antiga e muitas vezes não confessada em muitos padres católicos. É a amarga consequência do celibato obrigatório, uma lei eclesiástica que forçou milhões de sacerdotes, durante séculos, a viver sem amor romântico, sem compartilhar suas vidas com seus próprios filhos, numa solidão que vai além do silêncio e frequentemente se torna uma cruz sem redenção.
O celibato, oficialmente apresentado como um carisma, é para a maioria dos sacerdotes uma exigência imposta, forçando-os a confrontar, dia após dia, a ausência de afeto, companheirismo e um propósito compartilhado. Alguns tentam sublimar seus instintos — os sexuais e os paternos — por meio de um espiritualismo desencarnado: “Se você peca, é porque não é bom o suficiente ou não reza o suficiente”.
Essa pressão muitas vezes os leva a doenças mentais ou emocionais: depressão, crises de fé, alienação existencial. É a armadilha do falso misticismo, a promessa de pureza que termina, na melhor das hipóteses, em exílio interior e, na pior, em autodestruição.
Um grande número de padres (talvez a maioria?) luta contra o celibato, debatendo-se com um dilema moral entre o que são e o que deveriam ser, entre pregar o amor e a impossibilidade de vivenciá-lo em primeira mão. À sua solidão soma-se a erosão de sua posição social e autoridade moral devido ao flagelo do abuso infantil.
Consequentemente, muitos se masturbam frequentemente; outros se envolvem em relacionamentos homossexuais ou heterossexuais consensuais e se entregam a vícios não confessados (pornografia, drogas); outros ainda mergulham no inferno do abuso infantil; e quase todos tentam afogar suas frustrações sexuais na busca incessante por poder em uma carreira sem fim.
O padre diocesano do século XXI não é um monge enclausurado, mas um homem no meio do mundo; ele acompanha famílias, cuida dos doentes, consola os enlutados, ensina crianças e ouve adolescentes. Mas, atrás da porta da sacristia, muitas vezes se encontra sozinho com seus pensamentos, carente de afeto e vivenciando um silêncio que nem sempre é oração, mas frequentemente um vazio.
A sociedade é implacável com as feridas infligidas pelo clero em seus filhos, muito mais do que com os conhecidos "pecados da carne" de padres com adultos, ou com aqueles amores ocultos disfarçados de governantas.
Mas a tragédia é ainda mais profunda. O modelo de formação no seminário continua a priorizar o individualismo mais puro: os sacerdotes são treinados como “solitários existenciais”, enquanto o Evangelho enviou os discípulos de dois em dois para proclamar o Reino.
As equipes presbiterais falharam; a fraternidade sacerdotal é a exceção, não a regra. Em muitos casos, os sacerdotes são colegas, mas não irmãos ou amigos. A crise sacerdotal é, em sua essência, a crise de um sistema eclesial que sacrifica e vitimiza seus próprios pastores.
Talvez a maior falha do padre contemporâneo seja a incapacidade de compartilhar sua vida — e o amor que prega a todos — com uma companheira, a mãe de seus filhos. Essa carência fundamental gera uma profunda solidão que, com muita frequência, leva à frustração, ao desânimo, à profunda tristeza e até ao suicídio. Foi o caso de Matteo Balzano, um jovem padre italiano que tirou a própria vida em julho passado, aos 35 anos.
Essa profunda solidão e ruptura existencial são frequentemente camufladas e ocultadas. Nem sequer são discutidas entre os colegas sacerdotes: "Não deixem que pensem que minha vida de oração ou minha vocação estão vacilando", explica um jovem padre. Portanto, o suicídio de sacerdotes é um grito silencioso contra um sistema desumano, e não meramente uma "falha pessoal" ou um sintoma de pouca resiliência.
Será que a idolatria do celibato como sacrifício heroico serve à instituição? Certamente evita problemas (especialmente financeiros), impressiona os fiéis e reforça o controle da instituição sobre o clero. Lewis A. Coser explicou isso da seguinte forma em As Instituições Vorazes: “Quanto menos vínculos genuínos fora do aparato, maior a dependência interna”. No entanto, a exigência não é nem evangélica nem essencial. Em outras Igrejas Católicas Orientais, os padres podem se casar. Trata-se, portanto, de uma imposição recente que só gerou vidas duplas, hipocrisia e autodestruição.
Livro de Lewis A. Coser. (Foto: Reprodução)
Um sacerdote é treinado e espera-se que seja, acima de tudo, um agente do sagrado, um administrador dos sacramentos, um pastor totalmente dedicado ao povo de Deus. Mas será que lhe é permitido ser um sacramento da humanidade, um irmão, um samaritano que se comove com as feridas dos outros porque também sofreu as suas próprias? A sobrecarga “mística” — ser santo sem vacilar, ser próximo sem amar, ser forte sem se quebrar — destrói-o por dentro, até que ele se torne um fantoche de estruturas que não compreendem nem a carne nem as lágrimas.
O celibato pode ser vivido como uma dádiva (e alguns padres o fazem), mas para muitos outros, torna-se um fardo ao longo dos anos. O risco é que o mandato da Igreja acabe por desgastar aqueles que deveriam ser guias e testemunhas do amor. O sofrimento subjacente busca válvulas de escape: alguns clérigos sucumbem à frustração, outros a vidas duplas — casos extraconjugais, relacionamentos clandestinos, filhos ilegítimos — e alguns até abandonam o ministério ou, nos piores casos, se perdem em comportamentos autodestrutivos. A solidão, não escolhida, mas imposta, instala-se então como falta de sentido, ressentimento ou colapso moral.
O padre conservador Francisco Javier Bronchalo confessa isso inequivocamente em "Religião em Liberdade": "Há um problema estrutural dentro da Igreja com padres que possuem traços de personalidade fortemente narcisistas e são atraídos pelo mesmo sexo. Às vezes, eles ocupam posições de poder em dioceses e ordens religiosas e se organizam em grupos de pressão que se protegem mutuamente. É muito sério. Não são casos isolados. É um padrão." E ele pede que os bispos expurguem suas dioceses de padres gays: "Puxem o fio e deixem cair quem tiver que cair."
É verdade que existem casos (mais do que os reconhecidos publicamente) de ministros que buscam sublimar seus instintos — o instinto sexual, tão natural e poderoso, e a necessidade de afeto, intimidade e pertencimento — dedicando suas vidas ao serviço, à arte e ao trabalho pastoral constante. Mas a “sublimação” não opera milagres além das limitações humanas. Nas longas noites de solidão, a falta de um abraço, de uma palavra gentil ou de um simples contato humano pesa muito. Os padres encontram refúgio em sua vocação, nos estudos, no ativismo paroquial… mas o preço emocional que pagam raramente é discutido.
A solução não reside em mais orações isoladas, nem em um exército de psicólogos remendando as rachaduras. Devemos desmantelar o clericalismo pela raiz, parar de idolatrar o sofrimento e retornar à comunidade, à corresponsabilidade leiga, à amizade e ao acompanhamento genuíno.
Devemos permitir, no mínimo, opções personalizadas, e não imposições desumanas protegidas pelo medo ou pela inércia. O suicídio de um padre, sua extrema solidão, é um grito escandaloso que nos desafia profeticamente: quem salva aqueles que distribuem a salvação?
“Ninguém tem maior amor do que este: dar a vida pelos seus amigos”, diz Jesus (João 15:13). Mas ninguém deveria perder a vida por um sistema insensível à sua humanidade. A Igreja se redimirá se começar por salvar — e não sacrificar — os seus próprios salvadores. É tempo de abraçar a carne, não apenas o dogma. É tempo de pastores vivos e alegres, não de mártires anônimos esquecidos por aqueles que deveriam cuidar deles.
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