16 Julho 2025
O artigo é de Guillermo Jesús Kowalski, teólogo e cientista social, mestre em Doutrina Social da Igreja pela Universidade de Salamanca, publicado por Religión Digital, 13-07-2025.
Victor Frankl, um sobrevivente de Auschwitz, ensinou-nos que os seres humanos podem suportar o sofrimento se encontrarem uma razão. Mas o que acontece quando o sistema em que vivemos destrói sistematicamente as razões? O suicídio de padres — e a crise de sentido em tantos outros — não é apenas uma "falha pessoal" na gestão do estresse ou fraqueza individual. É o sintoma de uma estrutura eclesiástica que idolatra o sacrifício do celibato para impressionar (e salvar), ignorando a sua própria desumanidade, que não consegue criticar, apesar de todas as comissões conjuntas sobre pedofilia em muitos países do mundo sugerirem a sua revisão.
O espiritualismo desencarnado colonizou a Igreja: "Se sofres, a culpa é tua; se cais, é porque não rezaste o suficiente". Mas também tem uma versão historicamente oculta: "Se fizeres algo de errado, não o tornes público, porque 'provocas escândalo'". É assim que se vivem há muito tempo os abusos e as vidas duplas. Contudo, Cristo não veio para abençoar sistemas opressores, mas para libertar os oprimidos (Lucas 4:18) e ter misericórdia dos aflitos, incluindo os seus próprios ministros.
A primeira grande mentira desse sistema é o individualismo emocional. Ele transforma o sofrimento em uma falha pessoal, um problema que o indivíduo deve resolver sozinho. Prega uma fé de autoaperfeiçoamento que, em vez de questionar as estruturas do pecado, patologiza e medicaliza o desconforto. Um padre com depressão é enviado para retiros ou terapia, mas ninguém ousa questionar sua solidão forçada, a burocracia esmagadora ou as exigências desumanas do sistema.
A espiritualidade se torna uma abordagem "cada um por si", onde o celibato é glorificado como um feito individual, mas a humanidade mais básica do padre — sua necessidade de amor, amizade, comunicação igualitária e verdadeiro descanso — é negada. Ele é obrigado a ser um "pai espiritual", mas lhe é negado o direito de ser filho (necessitando de cuidado, comunidade e vulnerabilidade) e de ter filhos biológicos, onde tudo o que se tem está em jogo. Deus nos criou como seres em relação (Gn 2:18), mas o sistema clerical promove um isolamento estrutural que transforma a culpa em um fardo individual: "Se você se esgota, é porque não amou o suficiente."
A crise sacerdotal é, em essência, a crise de um sistema que vitimiza seus próprios pastores. O celibato obrigatório, longe de ser um carisma para todos, tornou-se um mecanismo de controle institucional que rompe laços humanos profundos e gera dependência do clero.
Não é um requisito essencial do sacerdócio, como demonstram as Igrejas Católicas Orientais e a própria história da Igreja, mas sua imposição é fonte de vida dupla, hipocrisia e autodestruição. O sacerdote é obrigado a administrar os sacramentos, mas lhe é negado o tempo para ser sacramento, como o samaritano que tocou o homem ferido. A sobrecarga mística — ser santo sem falhar, estar próximo sem amar, ser forte sem reclamar — o sobrecarrega com a hipocrisia, a angústia que leva a decisões fatais ou o profundo sentimento de fracasso que advém da negação da própria humanidade.
A crueldade deste sistema torna-se ainda mais evidente quando tem como alvo os padres que optam por casar, submetendo-os a um ostracismo desumano e negligência que expõe a aberração da disciplina do celibato obrigatório, que procura proteger a todo o custo. O padre está preso no paradoxo de ser admirado pelo seu papel, mas ignorado como pessoa. O celibato, que as pessoas hoje não consideram nem raro nem sagrado, não é um dom para o clero, mas uma corrente que os isola e os submete a uma solidão profunda e não escolhida e a uma incapacidade sistémica de compreender os outros. É natural que os padres sintam uma profunda sensação de fracasso. Os dados são brutais: em países como a França, o suicídio de padres é o dobro da média nacional. O clericalismo tem um preço alto, pago em vidas.
Para curar essas feridas, é urgente que a Igreja ouse salvar seus próprios salvadores. Isso requer, antes de tudo, a denúncia dos ídolos estruturais. É necessário denunciar o clericalismo, que nega a corresponsabilidade laical e sobrecarrega os ministros , e o espiritualismo individualista, que transforma os padres em "empresários espirituais" todo-poderosos que administram suas paróquias como se fossem empresas.
A solução não é apenas oferecer mais apoio, mas mudar o sistema, que hoje não reflete mais a cultura e a sociedade do passado. O sacerdócio deve ser recuperado como uma vocação comunitária, não um esforço solitário, e a obrigação do celibato deve ser reavaliada, como outras Igrejas já estão fazendo. Padres casados, em vez de serem ostracizados, devem ser reintegrados pastoralmente, porque sua experiência é um trunfo para a Igreja e pode ser uma ponte extraordinária entre o clero e os leigos.
A verdadeira cura virá de uma espiritualidade encarnada que não tem medo da vulnerabilidade. Jesus chorou (João 11:35), teve amigos (Lázaro, João) e pediu ajuda (Marcos 14:32-42). Por que seus ministros não podem? É um caminho que exige modelar a fragilidade, como São Paulo, que se gloriava em suas fraquezas (2 Coríntios 12:9), e celebrar a humanidade com misericórdia, em vez de exigir a perfeição de super-heróis angelicais sexualmente imorais. "Não é bom que o homem esteja só... demos-lhe uma companheira" (Gênesis 2:18) é um mandamento de Deus que a estrutura clericalista se recusa a aceitar, acreditando que isso diminui seu "poder". O Evangelho nos chama a viver uma fé que abrace a humanidade em sua plenitude, não um sistema que exija sacrifícios desumanos.
Em conclusão, o suicídio sacerdotal é um grito profético que denuncia um sistema que crucifica seus próprios pastores. Não se trata de "mais resiliência" ou de um exército de psicólogos para cuidar deles, mas de menos opressão sistêmica. A solução não é "mais oração" isoladamente, mas mais comunidade e menos misoginia. Precisamos de uma fé que não idolatre o sofrimento, mas combata suas causas. "Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a sua vida pelos seus amigos" (João 15,13), mas ninguém deve perdê-la por causa de um sistema desumano. É hora de a Igreja abraçar a humanidade, não sufocá-la, para que seus ministros possam dar a vida e não perdê-la.