16 Dezembro 2025
"A palavra conflito não se tornará o título dos tempos em que vivemos, se não permitirmos que o ódio e a ignorância nos transformem", escreve Andrea Riccardi, fundador da Comunidade de Santo Egídio e ex-ministro italiano, em artigo publicado por Avvenire, 13-12-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
Um livreto publicado postumamente em 1933 pelo biólogo René Quinton, Máximas sobre a Guerra, apreciado por Mussolini, que fez uso dele, tem como frase central: “Guerra é matar, não ser mortos”. Não se trata de propaganda, mas um pensamento supostamente científico sobre a naturalidade entre guerra e humanidade. Aqui encontramos o eco das teorias de Darwin, cuja “luta pela natureza” era inicialmente chamada de “guerra da natureza”. O entrelaçamento entre culto à coragem e antropologia cria uma mistura perigosa. A guerra é o destino da humanidade: está na natureza do ser humano. Foi isso que Anne Frank, com sua sensibilidade refinada e adolescente, suspeitava de outra perspectiva, escondida em Amsterdã enquanto a caçada nazista aos judeus recrudescia. Ela escreve em seu diário: "Há um impulso destrutivo nas pessoas, o impulso de se enfurecer, assassinar e matar e enquanto toda a humanidade, sem exceção, não passar por uma metamorfose, a guerra continuará a devastar o mundo."
A Carta das Nações Unidas e a Constituição Italiana expressam, após a guerra e o Holocausto, a crença de que tal metamorfose é possível, aliás, que já havia em parte ocorrido. E hoje?
Gianluca Sadun Bordoni, em um ensaio recente, constata o fim da Pax Americana da era global, o crescimento do revanchismo russo e a ascensão da China, encerrando assim um período em que a paz era um ideal: "Toda guerra", escreve ele, "tem um começo e um fim, mas a aversão do homem ao homem jamais terminará." Na época atual – observa ele – assistimos a dois fenômenos: "As relações internacionais mostram o retorno à guerra [...] encerrando o breve interlúdio após a Guerra Fria, e as ciências antropológicas nos mostram, irrefutavelmente, que a guerra militarizada é o desenvolvimento de um esquema comportamental enraizado na história natural da espécie."
História, atualidades e antropologia confirmariam que a guerra é uma companheira inevitável da vida. Sadun Bordoni não teoriza o determinismo, mas convida a não alimentar ilusões. O historiador e acadêmico Alessandro Barbero, crítico ferrenho da guerra, escreve: "O jogo da guerra é extremamente difundido, pelo menos entre os seres do sexo masculino. [...] Para um homem, a guerra continua a exercer um certo interesse, não diria primitivo ou visceral, mas certamente muito forte e irresistível."
A realidade é que hoje a guerra aparece como destino e a paz como um parêntese. Não seria a busca pela paz, que se estende ao longo do século XX e encontra verdadeiro reconhecimento após a Segunda Guerra Mundial, talvez uma fraqueza? É uma acusação recorrente: se alguém fala de paz na guerra russo-ucraniana, às vezes é acusado de covardia ou de apoio a Putin.
O Ocidente é frequentemente acusado de covardia. Fez isso Alexander Soljenítsin, não um místico da morte, mas um grande resistente ao totalitarismo soviético que descobriu a liberdade espiritual no gulag. Exilado nos Estados Unidos, ele foi convidado para Harvard em 1978 e, diante de 20.000 pessoas, escolheu falar sobre o declínio da coragem no Ocidente, da perda de força entre as classes governantes e intelectuais: "Um prenúncio do fim". Afinal, os Estados Unidos não haviam conseguido derrotar Hitler sozinhos, mas precisaram de Stalin, "um inimigo muito pior e mais poderoso" – segundo Soljenítsin. O que vão fazer com a liberdade?, perguntava ele a uma plateia que esperava que ele elogiasse os Estados Unidos, que o acolhera com grande empatia. Os Estados Unidos haviam abandonado o Vietnã ao Norte comunista em 1973 com os Acordos de Paris. O Ocidente – segundo Soljenítsin – estava então dominado pelo declínio da coragem.
Palavras fortes. Sim, um declínio da coragem, mas que tipo de coragem em uma situação mundial à beira do abismo?
Vamos olhar de frente a guerra, que devasta a Ucrânia, que transforma Gaza em um monte de ruínas e que mal notamos no Sudão. Como discordar da fulgurante definição de guerra do Papa Francisco? "Toda guerra deixa o mundo pior do que o encontrou. A guerra é um fracasso da política e da humanidade, uma rendição vergonhosa, uma derrota diante das forças do mal."
Aqui fala o testemunho da história, que nos convida a ver a guerra como um fracasso da humanidade. E propõe um método para não ignorar as guerras: o envolvimento pessoal. "Não nos detenhamos em discussões teóricas. [...] Perguntemos às vítimas. Prestemos atenção aos refugiados, àqueles que sofreram as radiações atômicas ou os ataques químicos, às mulheres que perderam seus filhos, às crianças mutiladas ou privadas de sua infância [...] olhemos a realidade através de seus olhos e ouçamos suas histórias com o coração aberto. Assim, seremos capazes de reconhecer o abismo do mal no coração da guerra e não nos perturbaremos com o fato de nos tratarem como ingênuos por termos escolhido a paz”.
A paz de que ainda desfrutamos nos permite solidariedade com aqueles que são agredidos. Mais ainda, ela nos obriga a pensar novamente sobre a paz, para que a guerra não destrua este frágil mundo globalizado, espalhando-se por toda parte. Pensar na paz significa alimentar uma cultura de paz, para que a opinião pública seja livre e atenta, não refém de simplificações. Para que a guerra não nos domine com sua lógica implacável que não se consegue interromper. Por responsabilidade para com aqueles dilacerados pelo conflito. Raciocinar, refletir e comparar diferentes opiniões sobre esse assunto não é perda de tempo, mas sim uma preparação para tempos melhores. Nunca ceder às simplificações amigo/inimigo, que nos desobrigam da necessidade de pensar.
A coragem da paz é a coragem de ser. Em sua última conversa antes de morrer, Erich Fromm respondeu à pergunta sobre as tarefas decisivas para o homem de hoje: "Coragem, a coragem de ver os perigos que o homem tem pela frente e quão perigoso é o caminho que está trilhando." E acrescentou: "Creio que o mais importante é [...] a coragem de dizer que para o homem não há nada mais importante do que o próprio homem e que o maior propósito de sua ação é a sua própria sobrevivência, não apenas biológica, mas espiritual. [...] Se o homem não tiver mais esperança, então ele não terá mais possibilidade de ser."
Giorgio La Pira, apaixonado homem de paz, sentia que estava diante de uma deriva apocalíptica entre a paz e a guerra, mais dramática do que se imaginava. Era 1965. Não tinha acontecido o apocalipse: em vez disso, houve homens e mulheres que escolheram o caminho da convivência e da paz. Os sistemas de guerra e a cultura do conflito humilham a pessoa e seu poder de ser e agir. Mas mesmo a escolha de uma única pessoa tem peso e força. La Pira escreveu: "Devemos ter a coragem de escolher a paz e agir em todos os níveis (internacional e interno: militar, científico, técnico, econômico, social, cultural, político, religioso) de acordo com essa escolha." (...) Um homem, uma mulher, não estão destinados à irrelevância, se tiverem a coragem de escolher e não ser indiferentes. A palavra conflito não se tornará o título dos tempos em que vivemos, se não permitirmos que o ódio e a ignorância nos transformem. Pino Puglisi, que resistiu à máfia com a cara e a coragem e foi assassinado em 1993, disse: "Se cada um fizer algo, muito pode ser feito."
Leia mais
- "Estamos perdendo a memória do horror. Assim, corremos o risco de uma guerra perene". Entrevista com Andrea Riccardi
- Conflitos no mundo: numerosos e complexos
- Nunca tantas guerras
- O silêncio mata em 169 guerras
- As peças ferozes do mosaico. Um mundo de guerras e de silêncio
- Não apenas a Ucrânia, 60 conflitos estão ocorrendo em todo o mundo com milhares de mortes
- A política da guerra e a da paz
- A cegueira da guerra. Artigo de Massimo Recalcati
- Edgar Morin: “A guerra é sempre uma espiral para o abismo”
- Os critérios, as narrativas, e as “guerras hegemônicas”
- Malditas todas as guerras. Parar as guerras, construir a paz
- “A paz não se alcança com armas, as guerras só trazem destruição.” Entrevista com Pietro Parolin, cardeal, secretário de Estado do Vaticano
- Não é breve, este é o século mais longo da história. Artigo de Alberto Negri
- A profecia de Hannah Arendt