11 Dezembro 2025
"A leitura desses textos traz à mente o antigo ditado "De Maria, nunquam satis" (De Maria nunca se falará o suficiente), que tem sido leitmotiv recorrente na história da mariologia e legitimou séculos de exuberância na devoção mariana. É importante, portanto, que às muitas vozes que, ao longo da história, se revezaram para dizer algo sobre Maria, tenham se somado agora também aquelas de duas teólogas católicas que não tiveram medo de se confrontar com o pensamento feminista", escreve Marinella Perroni, teóloga, em artigo publicado por Donne Chiesa Mondo, dezembro de 2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
Sedes sapientiae é um dos títulos atribuídos à Virgem Maria nas Ladainhas Marianas, que por muitos séculos expressaram a devoção dos fiéis. Maria não é a Mulher-Sabedoria da Bíblia hebraica, mas ela, representada no trono apresentando seu Filho ao mundo, é o Trono da Sabedoria porque seu ventre foi o trono no qual a Sabedoria se fez carne.
Desse trono, Deus quis que Maria doasse ao mundo Jesus, Sabedoria de Deus, que na Bíblia hebraica diz de si mesmo: "Quando ele preparava os céus, aí estava eu... quando compunha os fundamentos da terra, eu estava com ele, era cada dia as suas delícias, alegrando-me perante ele em todo o tempo" (Provérbios 8,29-31).
A história da devoção mariana mostra que falar da Mãe de Jesus é bem menos simples do que se poderia pensar, pois é fácil confundir o trono da Sabedoria com a própria Sabedoria. Como esclareceu recentemente o Dicastério para a Doutrina da Fé em uma nota doutrinal (Mater Populi Fidelis), na imensa galáxia de pensamentos e palavras que envolve a figura de Maria, a fronteira entre uso e abuso tem sido violada com muita frequência.
Além disso, basta uma olhada na história da mariologia para entender que nem sempre foi fácil encontrar um bom equilíbrio, tanto dentro da reflexão sobre Maria, que, como um rio caudaloso, rapidamente tomou distâncias do texto bíblico, quanto no que diz respeito à própria devoção mariana que, com a mesma rapidez, assumiu formas nem sempre em consonância com os princípios centrais da grande tradição teológica cristã.
Por outro lado, também é preciso dizer que, tanto no pensamento feminista quanto no ecumenismo, foi se impondo uma grande cautela ao longo do último século, e por muito tempo as teólogas católicas tiveram alguma resistência em falar de Maria nos termos clássicos da retórica da exaltação ou da transformação em modelo exemplar — duas categorias que devem ser tratadas com cuidado, mas que são extremamente abusadas na pregação e na literatura mariana.
Por tudo isso, a recente publicação na Itália de livros de duas teólogas dedicados a Maria sugere que, mesmo dentro da Igreja e da cultura italianas, está crescendo o interesse por uma reflexão mariana de qualidade e da qual as mulheres não se resumem apenas a pias destinatárias.
Nas últimas décadas, além disso, o diálogo com as teólogas protestantes evidenciou como, no âmbito da pesquisa teológica e até mesmo naquele da religiosidade mariana, o retorno às Escrituras, o repensamento crítico de temas dominantes da mariologia e também as instâncias do pensamento feminista contribuíram para reconectar as linhas de um pensamento sobre Maria coerente com todo o arcabouço doutrinal católico.
Além disso, as autoras das duas publicações são bastante conhecidas do grande público: Linda Pocher, Filha de Maria Auxiliadora, foi incumbida pelo Papa Francisco da desafiadora responsabilidade de organizar, no último ano, quatro encontros entre o C9, o Conselho de Cardeais criado pelo Papa Francisco para auxiliar o pontífice no governo da Igreja, e algumas teólogas, não só italianas e não só católicas; Teresa Forcades, monja beneditina catalã, médica, teóloga feminista e ativista política que lecionou Teologia da Trindade e Teologia Queer, é frequentemente convidada a palestrar em debates teológicos por toda a Europa e Américas.
Ambas se inspiram na diretriz decisiva do Concílio Vaticano II, que havia se recusado a dedicar um documento separado a Maria, preferindo reservar o capítulo final da Constituição Dogmática sobre a Igreja, Lumen Gentium, para a reflexão mariana.
Assim, ela pretendia reafirmar aquilo que desde o início a fé da Igreja estabeleceu como fundamento de toda mariologia e devoção mariana, ou seja, que do mistério da Encarnação são protagonistas unicamente o Pai e o Filho.
Também evidenciava que o impacto da figura de Maria na vida da comunidade eclesial residia principalmente em seu papel simbólico em relação à própria Igreja.
Além disso, ambas reconhecem que, como observa Forcades, "a figura de Maria ocupa um lugar difícil tanto no cristianismo progressista em geral quanto na teologia feminista em particular", e, como Pocher reitera, foi a reflexão das teólogas feministas que desmascarou a tendência da mariologia tradicional, desenvolvida quase exclusivamente por homens celibatários, de idealizar a imagem de Maria por um lado e, do outro, subordinar as mulheres concretas dentro da Igreja. Curiosamente, embora compartilhando essa mesma perspectiva, as duas teólogas seguem caminhos totalmente distintos.
Em particular, Linda Pocher, em sua obra Maria di Nazaret. Una biografia teologica (EDB), propõe ao leitor seguir o mesmo itinerário de Maria, aquele que o Concílio chamou, com uma expressão bastante sugestiva, de "peregrinatio fidei", uma peregrinação de fé que liberta Maria da fixidez inalcançável em que a havia blindado um secular conúbio entre dogmatismo e artes figurativas, pois a restitui à sua história pré e pós-pascoal.
Uma história marcada, desde o momento da concepção até a sua Dormição e Assunção ao céu, pela disponibilidade da jovem de Nazaré, criada entre pobreza, opressão e fé, em acompanhar os diversos momentos da manifestação de seu Filho.
Não sem dificuldade, visto que, desde a gravidez e ao longo da conturbada vida pública de seu filho, culminando em uma injusta crucificação, Maria teve que compartilhar aquele filho com um projeto divino rico em promessas, mas também em dores, e tornou-se um ícone da comunidade de fiéis no Ressuscitado precisamente porque, pela fé e na fé, foi capaz de acolher o invisível.
Por essa razão, para Pocher, a dela é uma “biografia teológica”, uma história que pode ser lida e sobretudo contada respeitando “uma característica fundamental da narrativa bíblica”, que “embora narrando os eventos do único Deus e do seu Unigênito, se fragmenta em uma multidão de histórias: tantas histórias quantos são os seus filhos (cf. Hb 2,10)”.
Por sua vez, Teresa Forcades declara que, para ela, refletir sobre Maria significou reconstruir a sua própria biografia teológica, não aquela de Maria. Em seu livro Queer Mary. Il futuro dell’esperienza cristiana (Castelvecchi), ela reúne três ensaios que, para ela, representam as três etapas que marcaram a entrada de Maria em seu horizonte de teóloga feminista e a levaram a identificar na teologia mariana uma encruzilhada, que se tornou incontornável no século XXI para recuperar os traços autênticos da experiência cristã.
Pode parecer surpreendente, talvez, mas a primeira etapa é a releitura “dos quatro dogmas marianos que apresentam a figura de Maria como ponto de referência e catalisador de uma experiência cristã à altura dos desafios do século XXI”. Partindo de uma análise corajosa da discrepância entre o valor teológico da figura de Maria e sua presença na praxe eclesial e na espiritualidade dos fiéis, Forcades chega a propor que Maria poderia nos ajudar a "mergulhar mais fundo em nossa plena humanidade e descobrir um chamado à queerness que não exclui ninguém".
A leitura desses textos traz à mente o antigo ditado "De Maria, nunquam satis" (De Maria nunca se falará o suficiente), que tem sido leitmotiv recorrente na história da mariologia e legitimou séculos de exuberância na devoção mariana. É importante, portanto, que às muitas vozes que, ao longo da história, se revezaram para dizer algo sobre Maria, tenham se somado agora também aquelas de duas teólogas católicas que não tiveram medo de se confrontar com o pensamento feminista.
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