30 Setembro 2025
"Se o cerne da mensagem cristã é o amor, a caridade e o respeito pela dignidade humana, então torna-se coerente que a Igreja também reconheça e abençoe o amor homossexual, quando este for sincero, fiel e respeitoso", escreve Daniel Borrillo, em artigo publicado por Le Monde, 25-09-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Daniel Borrillo é um jurista argentino, professor da Universidade Paris-Nanterre e pesquisador associado do CNRS. Ele é coautor, com Dominique Colas, de L’Homosexualité de Platon à Foucault.
Eis o artigo.
Pela primeira vez em sua história, a Igreja Católica permitiu que associações cristãs LGBT+ e seus apoiadores cruzassem oficialmente a Porta Santa do Jubileu na Basílica de São Pedro, em Roma, nos dias 6 e 7 de setembro. Esse evento notável, que se insere no contexto do Ano Santo — celebrado a cada 25 anos para oferecer um tempo de graça e perdão — constitui uma etapa significativa na evolução da Igreja em relação à questão homossexual.
A decisão de permitir essa participação expressa a continuidade da abordagem aberta e inclusiva do Papa Francisco em relação às pessoas homossexuais. Uma mudança iniciada em 29 de julho de 2013, durante o voo de volta da Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro, Brasil.
Naquele dia, o papa argentino respondeu a um jornalista que o questionou sobre a "questão do lobby gay" declarando: "Se uma pessoa é homossexual e busca o Senhor e demonstra boa vontade, quem sou eu para julgar?" Com essa simples frase, Francisco questionava uma tradição secular de hostilidade da Igreja em relação às pessoas LGBT+. "
“Condição objetivamente desordenada"
De fato, ao longo dos séculos, a instituição romana considerou a homossexualidade um pecado grave, baseando-se, em particular, nas interpretações literais da história bíblica de Sodoma e Gomorra, nas prescrições de Levítico e nas Epístolas de Paulo.
Segundo o historiador John Boswell (1947-1994), a partir do século XIV, a Europa sucumbiu a um ódio obsessivo pela homossexualidade, percebida como o pior dos pecados capitais. O homossexual era visto como um herege, e o herege, como um homossexual. Maurice Lever (1935-2006) vai além, enfatizando que Roma manteve esse ódio confundindo as duas categorias: "Ao atribuir o rótulo de herege ao homossexual e o rótulo de homossexual ao herege, a Igreja mantinha o ódio a um por meio do ódio ao outro".
Nesse sentido, o Papa Bento XVI, embora de forma mais sutil, se inseria nessa tradição ao definir a homossexualidade como uma "condição objetivamente desordenada". No entanto, ao declarar que a homossexualidade "não é um crime, mas uma condição humana", o Papa Francisco marca uma ruptura com seu antecessor.
Em carta datada de 8 de maio de 2022, enviada ao Padre James Martin, jesuíta estadunidense comprometido com o acolhimento das pessoas LGBT+, Francisco reafirmou: "A Igreja é mãe e acolhe todos os seus filhos!" Ele também alertou: "Uma Igreja 'seletiva', uma Igreja de 'puro sangue', não é a Santa Madre Igreja, mas uma seita".
Essa orientação inclusiva tomou forma em 2023, com a publicação pela Santa Sé da declaração Fiducia Supplicans, que abre caminho para a bênção de "casais em situação irregular", como os divorciados recasados ou os casais do mesmo sexo. Essa evolução indica uma reflexão mais pastoral do que dogmática, centrada na misericórdia e na mensagem de amor universal de Cristo. Não se trata de uma reivindicação categórica da comunidade LGBT+, mas de um incitamento à redescoberta de um cristianismo fundado no acolhimento, no respeito e na compaixão, em vez da condenação.
Uma tradição antiga
Se a inclusão de associações LGBT+ nas celebrações do Jubileu não desestrutura o dogma da Igreja, ainda assim representa uma virada histórica na sua abordagem à questão homossexual. Esse gesto também pode ser percebido como uma forma de reconciliação com uma tradição antiga.
John Boswell, por exemplo, destacou que os primeiros séculos do cristianismo demonstravam atitudes mais matizadas, ou mesmo tolerantes, em relação às relações homossexuais — particularmente por meio do que chama de "amores espirituais" ou "relações entre almas", que eram então consideradas como laços sagrados mais que pecados (Christianisme, tolérance sociale et homosexualité. Les homosexuels en Europe occidentale des débuts de l’ère chrétienne au XIV siècle, Gallimard, 1985 - Alla scoperta dell'amore. Archetipi di amore gay nella storia cristiana, Croce Libreria).
A discreta abertura do Papa Leão XIV coincide com a visão defendida há vários anos pelo teólogo jesuíta James Alison, que prega uma pastoral de reconciliação, baseada numa acolhida calorosa e na verdadeira integração das pessoas homossexuais na comunidade cristã. Para ele, a Igreja deve ser um lugar de cura e de acompanhamento, longe dos rígidos julgamentos morais que vezes demais excluíram (La Foi au-delà du ressentiment. Fragments catholiques et gays, Cerf, 2021 – Fede oltre il rispentimento, Transeuropa edizioni).
“Todos, todos, todos”
Na mesma linha, a Conferência Episcopal Alemã indicou em um relatório de 2015 que “uma atitude fundamentalmente de valorização também deveria ser adotada em relação às pessoas cujo modo de vida não corresponde, ou ainda não, às exigências do Evangelho (...). A pastoral deve estar particularmente atenta à necessidade de uma comunicação aberta, sem preconceitos e não moralizante em relação às pessoas que se consideram cristãs e católicas, mas que, em questões de casamento e família, não vivem ou não podem viver plenamente de acordo com a doutrina da Igreja...”.
No final da audiência privada que lhe foi concedida por Leão XIV em 1º de setembro, o Padre James Martin declarou ter recebido uma mensagem clara dele: o desejo de continuar o impulso de abertura empreendido pelo Papa Francisco em relação às pessoas LGBT+. Embora em sua primeira entrevista, publicada em 18 de setembro, o Papa Leão tenha afirmado seu apego ao casamento heterossexual e à família tradicional, ele reitera o apelo de seu antecessor para acolher “todos, todos, todos”, e não exclui a bênção de casais do mesmo sexo.
O Jubileu poderia, portanto, ser uma oportunidade para reatar o diálogo entre a Igreja e as pessoas homossexuais, reavivando as raízes inclusivas do cristianismo e integrando-as às realidades atuais. Se o cerne da mensagem cristã é o amor, a caridade e o respeito pela dignidade humana, então torna-se coerente que a Igreja também reconheça e abençoe o amor homossexual, quando este for sincero, fiel e respeitoso. Como afirmou D. Francesco Savino, vice-presidente da Conferência Episcopal Italiana, durante a Missa do Jubileu para os peregrinos LGBT+: "É hora de restituir a dignidade a todos, especialmente àqueles a quem foi negada."
Leia mais
- O silêncio ressonante do Papa Leão XIV sobre a peregrinação LGBTQ+. Artigo de Marco Grieco
- O Jubileu LGBTQ+: "Não somos escândalo"
- O Jubileu LGBTQ+ "Vamos restaurar a dignidade negada a todos"
- A revolução silenciosa do Jubileu da comunidade LGBTQ: "Esperamos um novo começo para a Igreja"
- A peregrinação do Jubileu LGBTQ+: muito barulho por nada. Artigo de Luigi Testa
- Católicos LGBTQ+ na Agenda do Jubileu: "Algo está mudando na Igreja"
- Jesuíta Martin: Papa Leão XIV pela abertura em relação aos católicos LGBTQ
- A sucessão do Papa e os LGBT+. Artigo de Luís Corrêa Lima
- Jubileu 2025. Um evento jubilar dedicado à comunidade LGBT+: a ação do Papa Francisco
- Ouvi delegados do Sínodo se opondo a questões LGBTQ. Aqui estão minhas respostas. Artigo de James Martin
- “Eu me acostumei a ser odiado”, diz o defensor dos católicos LGBT James Martin
- "Espero que Leão XIV não reverta as reformas feitas por Francisco", afirma Padre Franz Harant, diretor da Rainbow Pastoral Áustria
- Um sinal de esperança de Leão XIV para os LGBT. Artigo de João Melo
- “Não é uma questão”: o silêncio que adoece – uma resposta à fala do cardeal Fridolin Ambongo. Artigo de João Melo
- A realidade é superior à ideia de família que a Igreja possui. Artigo de João Melo
- Vocação, castidade e discernimento: um olhar sobre jovens LGBTs na vida consagrada. Artigo de João Melo
- Quanto o Papa Leão mudou em relação às questões LGBTQ+?
- “Abençoar os casais homossexuais não é blasfemo, a ternura de Jesus Cristo é para todos”. Entrevista com Victor Manuel Fernandez
- Bênçãos gays 'permanecerão' sob o Papa Leão, diz prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé
- Hollerich: Leão XIV não revogará bênção aos homossexuais
- Lideranças católicas LGBTQA+ reagem à morte do Papa Francisco
- Gênero, queer e teologia. Entrevista com Lucia Vantini