25 Setembro 2025
A iniciativa "Em Defesa da Democracia, Combatendo o Extremismo" está realizando sua terceira sessão na sede das Nações Unidas, com o apoio de 50 ganhadores do Prêmio Nobel: "Em um momento de polarização política e instabilidade global, com a democracia ameaçada em muitas áreas, nós, os ganhadores do Prêmio Nobel abaixo assinados, afirmamos a importância da democracia e do multilateralismo".
A informação é de Andrés Gil, publicada por El Salto, 24-09-2025.
Faz pouco mais de 24 horas que Donald Trump compareceu às Nações Unidas com seu discurso contra o multilateralismo, contra um mundo governado por regras e contra a negação das mudanças climáticas. Faz apenas 12 horas que ele reagiu com raiva ao retorno de Jimmy Kimmel à ABC.
Os ecos de um discurso tão característico de um presidente dos EUA e tão inapropriado para uma instituição fundada em uma Carta de Direitos Humanos ainda ressoam nos corredores e câmaras da ONU.
Neste contexto, e em solo americano, onde a delegação palestina não conseguiu pisar, cerca de vinte países, juntamente com 50 vencedores do Prêmio Nobel, apelaram à defesa da democracia num dos locais onde ela corre mais riscos, no âmbito da iniciativa "Em Defesa da Democracia, Combatendo o Extremismo", planeada há semanas.
O primeiro-ministro Pedro Sánchez, optando por não fazer o discurso planejado em favor de outros, falou no fim da reunião para recapitular os compromissos que o grupo havia assumido para o futuro, com foco na colaboração entre os vários membros da iniciativa: "Temos tarefas pendentes; precisamos de mais mulheres participando das discussões". Ele também mencionou desafios: "Combater a desigualdade e engajar os jovens diante do extremismo".
O presidente chileno, Gabriel Boric, abriu a sessão exortando "as forças progressistas a não desistirem. Peço que acreditem em si mesmas. Alguns gostam de humilhar os que têm menos, porque com dinheiro ou força podem prevalecer. No fim, a razão sempre triunfa, mas isso só é possível se o fizermos juntos. Se aprendemos alguma coisa, é que ninguém se salva sozinho".
Nesse sentido, Boric reconheceu "o que Lula está fazendo" e também "a dignidade da Europa que Sánchez personificou, uma esquerda que defende os direitos humanos onde quer que estejam. São pequenos sinais de esperança que, unidos, podem ser uma luz maior".
Boric lembrou que as violações à democracia agora "não são mais realizadas por meio de golpes como no século XX; ao contrário, elas vão tomando conta das instituições, desacreditando quem pensa diferente, e nós, democratas, precisamos nos levantar. As disputas políticas são necessárias. Precisamos falar positivamente, transmitir as ideias em que acreditamos, porque o progressismo traz mais paz social quando governa, faz o país crescer, defende os direitos humanos e a liberdade de expressão onde quer que esteja".
O presidente brasileiro Lula da Silva explicou que "a democracia está em jogo para o futuro da humanidade" e relembrou como ingressou na política por meio de sua experiência de vida como metalúrgico: "Por acaso, entrei para o sindicato e criei um partido político. Parecia impossível para um trabalhador se tornar presidente da política brasileira".
Lula desafiou a população: "O que vocês fazem durante o dia para fortalecer a democracia? Se não nos manifestarmos, não nos organizamos, e se não nos organizarmos, a democracia se perde. O que está acontecendo é por incompetência nossa? O que estamos deixando de fazer? É fácil fazer um discurso de esquerda, mas quando você começa a governar, a resposta é agradar o mercado".
O presidente uruguaio, Yamandú Orsi, destacou que líderes de esquerda frequentemente se obcecam com "o PIB, o equilíbrio de poder, a posição internacional"; mas o que importa é "se as pessoas estão mais ou menos felizes". Não creio que se trate apenas do PIB ou de indicadores geopolíticos. Será que o nosso povo entende que a democracia resolve problemas? O que espera da política? Deixamos que nos tirem a bandeira da liberdade, e os slogans do século XIX devem ser reavaliados; as revoluções latino-americanas continuam tão relevantes, ou até mais, do que antes. Não faz sentido passar por esta vida como escravos do trabalho constante sem ter tempo para fazer as coisas que antropologicamente deveríamos fazer para sermos felizes. O objetivo da felicidade humana".
O presidente colombiano, Gustavo Petro, por sua vez, refletiu sobre o discurso de Trump na terça-feira: "Lembrei-me de um escritor antigo do século XX, Georg Lukács, um húngaro. Em 1954, ele escreveu "O Ataque à Razão", onde descreve como evoluiu na sociedade um modo de pensar que levou Hitler ao poder graças aos liberais da República de Weimar". Em seguida, comparou aquele momento histórico com os Estados Unidos em 2025: "Se a sociedade americana caminhar em direção ao irracionalismo, não em direção à ciência, mas em direção a um ataque à razão, estaremos à beira de uma barbárie generalizada. As propostas totalitárias têm se baseado no medo e na mentira. A mentira e a verdade são hoje um campo de batalha. Devemos armar a verdade e colocar a ciência e a razão ao lado da irracionalidade".
O economista Joseph Stiglitz, representando os 43 ganhadores do Prêmio Nobel que assinaram a carta de apoio à iniciativa, disse: “Vivemos tempos sombrios, e sua iniciativa é um raio de esperança, necessário depois do discurso de ontem [de Trump]. Democracia e liberdade não estão à venda”.
O manifesto do Nobel afirma que “em tempos de polarização política e instabilidade global, com a democracia ameaçada em muitas áreas, nós, os laureados com o Nobel abaixo assinados, afirmamos a importância da democracia e do multilateralismo e, consequentemente, escrevemos em apoio à iniciativa de 20 países para promover a democracia por meio do fortalecimento das instituições, do combate à desigualdade de renda e do ecossistema de informações online”.
“Apoiamos a ênfase na importância de informações e notícias de qualidade para informar o público, promover a participação cidadã construtiva e fomentar a democracia”, afirmam. “De fato, a liberdade de expressão é um direito humano reconhecido internacionalmente. Estamos particularmente preocupados com os efeitos negativos sobre a liberdade de imprensa, a liberdade de expressão e a liberdade acadêmica que ocorreram em muitos países, bem como com os processos por difamação contra jornalistas em todo o mundo; bem como com o imenso poder de amplificação da desinformação que foi transferido para plataformas tecnológicas e, agora, para empresas de IA generativa”.
Nesse sentido, o presidente do Conselho Europeu, o socialista António Costa, também participou da iniciativa: “A democracia é de todos e exige todos os democratas. Progressistas, mas também conservadores. Exige que ambos os lados se reconheçam como parte do mesmo campo democrático. O maior risco hoje não é apenas o ataque de extremistas, mas também o deslizamento de partidos moderados para posições autoritárias. Portanto, a democracia deve ser um compromisso compartilhado, para além de quaisquer fronteiras ideológicas. Defender a democracia significa mantê-la viva, aberta e renovável; significa compreender que ela pertence a todos e é inseparável do progresso humano”.
Segundo Sánchez, a próxima edição do fórum será realizada em Madri, em 2026. "Vamos nos esforçar para estar à altura da tarefa", declarou Sánchez na cerimônia de encerramento do evento, onde concordaram em estabelecer uma rede de think tanks "democráticos e progressistas" e também em colaborar para uma governança tecnológica "que sirva às pessoas".
Leia mais
- O tapa de Trump: "A ONU agora é inútil e a Europa é uma vergonha"
- "Existem pessoas terríveis que influenciam Trump como se ele fosse uma criança". Entrevista com Richard Ford
- “Trump quer ser um ditador”. Entrevista com Joseph E. Stiglitz
- “A ultradireita opera como se fosse um estado de exceção dentro da democracia”. Entrevista com Jorge Alemán
- O “admirável mundo novo” da extrema-direita: a falsa rebeldia e transgressão discursiva nas redes sociais. Entrevista especial com Thomás Zicman de Barros
- A direita festiva é global e a esquerda perdeu a ousadia. Artigo de Thomás Zicman de Barros
- A extrema-direita como ameaça para a governança mundial. Artigo de Monica Herz e Giancarlo Summa
- “O discurso da extrema-direita se torna apetitoso para quem vê o mundo desabar sob os seus pés”. Entrevista com Ignacio Ramonet
- No Capitalismo Indigno, raiz da extrema-direita. Artigo de Fabrício Maciel
- Extrema-direita: 50 tons de cinza e um desejo de transgressão. Artigo de Joseph Confavreux e Ellen Salvi
- Loiras, nacionalistas e anti-migrantes: a estratégia das novas lideranças femininas da ultradireita europeia
- “Milei é um populista de extrema direita, um louco ideológico”. Entrevista com Federico Finchelstein
- O que unifica a nova direita populista é o ressentimento, diz professor alemão
- Do globalismo ao neofascismo. Artigo de Wolfgang Streeck
- “A extrema-direita reivindica o realismo da ‘crueldade’ do mundo”. Entrevista especial com Moysés Pinto Neto
- As plataformas digitais estão na ponta de lança do projeto da extrema-direita: a privatização de tudo. Entrevista especial com Letícia Cesarino