20 Setembro 2025
O presidente dos EUA agora ameaça "retirar as licenças" das grandes redes de televisão após conseguir a suspensão de dois de seus programas. Ao mesmo tempo, ele processa jornais com ações judiciais multibilionárias e manda jornalistas se calarem em coletivas de imprensa.
A informação é de Andrés Gil, publicada por El Salto, 19-09-2025.
Donald Trump não está fazendo a América, como chamam os EUA por lá, mais grandiosa. A América de Trump é cada vez mais regulada e sombria. A suspensão pela ABC, que pertence à Disney, nesta quarta-feira, do programa do comediante Jimmy Kimmel, é o episódio mais recente dos retrocessos na liberdade de expressão nos EUA desde o retorno de Donald Trump à Casa Branca, uma situação que se acelerou desde o assassinato do ativista e comentarista ultraconservador Charlie Kirk, em 10 de setembro.
Assim como aconteceu com o cancelamento do programa de Stephen Colbert pela CBS, a "suspensão por tempo indeterminado" do programa de Kimmel foi precedida de pressões diretas e públicas de Trump, que, ao comemorar a demissão de Colbert, pediu a de Jimmy Kimmel e Jimmy Fallon, mas também do órgão regulador FCC (Comissão Federal de Comunicações).
Porém, não foram apenas ameaças. As ameaças se intensificaram após o anúncio da ABC. Nesta quinta-feira, no voo de volta do Reino Unido, o presidente dos EUA ameaçou retirar as licenças de transmissão das grandes redes de televisão por terem uma linha editorial pouco "trumpista": "Isso também deveria ser discutido em relação às licenças. Quando você tem uma rede, tem programas noturnos e a única coisa que fazem é atacar Trump.... Se você notar, eles não têm um comentarista conservador há anos. A única coisa que fazem é atacar, não podem fazer isso, são um braço do Partido Democrata. Li em algum lugar que as redes estavam 97% contra mim, e ainda assim ganhei as eleições facilmente. Eles só me dão má publicidade ou má imprensa. E estão operando com uma licença. Acho que talvez deveriam revogar a licença deles. Vai depender de Brendan Carr, ele é excepcional, é um patriota, ama nosso país e é um cara duro. Então, veremos".
No caso de Colbert, a FCC, um órgão cada vez mais politizado por causa do presidente nomeado por Trump, Brendan Carr, havia bloqueado uma fusão entre a Paramount, controladora da CBS, e a Skydance. E o que Trump conseguiu foi um acordo extrajudicial de mais de US$ 30 milhões com a CBS para que ela retirasse um processo sobre a edição, no programa "60 Minutos", de uma entrevista de campanha com Kamala Harris. E, além disso, o cancelamento de Colbert. Assim que Trump teve o dinheiro no bolso e a cabeça de Colbert em bandeja, a FCC deu o sinal verde para a fusão entre a Skydance e a Paramount.
No caso de Kimmel, a reação foi ainda mais fulminante. Isso porque a FCC é responsável pela aprovação de movimentos comerciais da Disney, controladora da ABC, mas também das emissoras associadas à ABC, que dão cobertura em todo o país.
BREAKING: The FCC Chairman is threatening immediate action against Jimmy Kimmel, ABC, and Disney for deliberately misleading the public by claiming Charlie Kirk’s assassin was a MAGA Conservative.
— Benny Johnson (@bennyjohnson) September 17, 2025
Chairman Brendan Carr calls Kimmel’s malicious lies are “truly sick” and says they… pic.twitter.com/mGhtGMPReI
De fato, poucas horas antes do anúncio da ABC sobre Kimmel, Carr se dedicou a fazer ameaças no podcast do ativista ultraconservador Benny Johnson sobre possíveis ações contra Jimmy Kimmel, a ABC e a Disney por conta dos comentários do comediante sobre o suposto assassino de Charlie Kirk: "É um problema muito sério para a Disney. Podemos fazer isso de forma amigável ou de forma dura. Essas empresas [Disney e ABC] podem encontrar uma maneira de tomar medidas contra Kimmel, ou a FCC terá trabalho pela frente. Eles têm uma licença concedida por nós, o que implica a obrigação de agir em benefício do interesse público. Há quem peça a demissão de Kimmel. Acredito que, sem dúvida, uma possível suspensão poderia ser considerada neste assunto".
Apenas algumas horas depois, veio a suspensão por tempo indeterminado que o representante de Trump na Comissão Federal de Comunicações havia exigido. "Outro meio de comunicação cede à pressão do governo, o que é uma garantia de que a administração continuará a extorquir e retaliar as emissoras e editores que a criticam", respondeu Ari Cohn, da Fundação para os Direitos Individuais e a Expressão, à CNN.
Nesse meio tempo, a Nexstar, um dos maiores grupos de emissoras locais associado à ABC, havia anunciado que dispensaria o programa de Jimmy Kimmel. Há apenas algumas semanas, a Nexstar anunciou um acordo de US$ 6,2 bilhões para adquirir a Tegna, outro grupo que gerencia emissoras locais de várias redes, que está pendente de aprovação regulatória da FCC. Ou seja, de Barr, o alto funcionário que ameaçou a ABC por causa de Kimmel.
Mas esta não foi a primeira vez que Trump pressionou a ABC desde que venceu as eleições em novembro passado.
De fato, em dezembro de 2024, um acordo extrajudicial foi assinado pelo qual a rede de televisão se comprometeu a pagar US$ 15 milhões ao então presidente eleito após ele apresentar um processo por difamação porque um apresentador da rede, George Stephanopoulos, acusou Trump de estuprador, quando a condenação foi por abuso sexual.
Trump, que não perde a oportunidade de atacar publicamente jornalistas e meios de comunicação em cada aparição pública, começou a semana mandando um jornalista australiano se calar e ameaçando perseguir o correspondente da ABC na Casa Branca. "Provavelmente, vamos perseguir pessoas como você, porque você me trata de forma muito injusta e tem muito ódio no seu coração", disse ele ao jornalista da ABC; "você está prejudicando a Austrália, e eles querem se dar bem comigo. Sabe que o seu líder virá me ver muito em breve? Vou falar de você para eles", advertiu ele ao correspondente australiano.
Nesta quinta-feira, ele também confrontou a jornalista da rede pública NPR que viajava no avião presidencial, quando ela perguntou como ele pretendia declarar a Antifa, que não é uma organização, como uma organização terrorista: "Com quem você está?", perguntou ele. "Com a NPR", ela respondeu. "Eles ainda estão aqui?", perguntou Trump, surpreso que a mídia fizesse parte dos jornalistas que viajam com ele, já que cortou o financiamento da NPR drasticamente sob acusações de esquerdismo. "Sim", respondeu a correspondente, que repetiu a pergunta sobre a Antifa, ao que o presidente dos EUA disse: "Eles têm algo a ver com a sua mídia?". A jornalista respondeu: "Não".
Trump não vê limites quando se trata de assediar e ameaçar a mídia que não o elogia constantemente. Seja seus jornalistas individualmente ou suas empresas. Assim, nesta semana, ele também anunciou um processo de US$ 15 bilhões contra o The New York Times, "um dos piores e mais degenerados jornais da história do nosso país, que mentiu sistematicamente sobre seu presidente favorito (EU!), minha família, meu negócio, o movimento MAGA e nossa nação como um todo".
O processo contra o Times vem após outro, também milionário, contra o Wall Street Journal por publicar a saudação de 50º aniversário de Trump a Epstein. Trump pediu, em julho passado, US$ 10 bilhões ao jornal e ao seu editor, Rupert Murdoch, que compareceu nesta quarta-feira ao banquete no palácio de Windsor, organizado pela realeza britânica para a visita de Estado de Trump ao Reino Unido.
"Existe um manual antiprensa neste momento... Se olharmos para países como Turquia, Hungria e Índia, esses países têm eleições, mas também se esforçam para reprimir a oposição ao regime", disse a CEO do NYT, Meredith Kopit Levien, em uma conferência do Financial Times: "Como esse manual antiprensa se manifestou nesses lugares? Com assédio a jornalistas e descredibilização do jornalismo independente. E se parece com o que estamos vendo aqui. O New York Times não será intimidado por isso".
Em contrapartida, Trump não perde a ocasião de elogiar jornalistas alinhados, como quando em junho passado aplaudiu Monica Paige, correspondente da TPUSA, a mídia de Charlie Kirk, por perguntar sobre o fechamento de fronteiras. Tanto Paige quanto Kirk mostraram publicamente seu orgulho por receber o selo de aprovação de Trump. "I like you [eu gosto de você]", disse Trump a Paige.
Our White House correspondent asked a "very good question" on May's historic border numbers according to President Trump 🔥🔥
— Charlie Kirk (@charliekirk11) June 18, 2025
TRUMP: "I like you, who are you with?"
A: "Turning Point USA, sir."
TRUMP: "Well they're very good, Turning Point, Charlie. See that's what I call a… pic.twitter.com/g2wqxKej4m
Trump também é tomado pela impaciência e pela compulsão de estar no centro de todos os debates. Assim, nesta quinta-feira, de madrugada, quis opinar publicamente sobre a suspensão de Kimmel. E, ao aplaudir a decisão, voltou a pedir a demissão dos dois comediantes que ainda estão no ar, na NBC, neste caso: Jimmy Fallon, a quem já mencionou na demissão de Colbert, e Seth Meyers.
"No geral, os ataques às nossas instituições de mídia não têm precedentes na história moderna dos Estados Unidos", afirma Victor Pickard, professor de política de mídia da Universidade da Pensilvânia, no The New York Times. "Não consigo pensar em nenhum paralelo".
Trump está ameaçando a liberdade de expressão nos EUA com uma ofensiva que persegue vozes e opiniões críticas, as quais ele tem conseguido silenciar por meio da pressão sobre as empresas delas: seja com órgãos reguladores ou com processos multibilionários nos tribunais.
Leia mais
- Trump desencadeia perseguição contra metade do país. Artigo de Andrés Gil
- Charlie Kirk, o símbolo cristão do trumpismo. Artigo de Carlos Manuel Álvarez
- O assassinato de Charlie Kirk coloca os Estados Unidos diante do espelho de sua fratura
- Trump intensifica perseguição política após assassinato de Charlie Kirk e anuncia que “muita gente de esquerda está sendo investigada”
- O assassinato de Kirk e a perversa alternativa do Ocidente. Artigo de Giuseppe Savagnone
- Expurgos contra aqueles que não condenam o assassinato de Kirk: autoridades e turistas estrangeiros na mira
- Trump pode usar morte de Charlie Kirk 'para mostrar que a América está sitiada', alerta especialista
- Trump promete responder ao assassinato de seu aliado Charlie Kirk "dando uma surra nos lunáticos da 'esquerda radical'”
- O assassinato do ativista de Trump, Charlie Kirk, levanta o espectro da violência política nos Estados Unidos
- Quem é Charlie Kirk, o ativista ultraconservador assassinado em Utah que mobilizou eleitores jovens?
- Trump e a base de Maga aumentam as tensões: "Terroristas democratas"
- Os ultra-apoiadores de Trump estão incentivando uma "guerra" na esquerda após o assassinato de Charlie Kirk
- Guerras, desastres climáticos e tecnomilionários: 2025 inaugura uma nova ordem mundial
- MAGA: como o tiro de Trump sai pela culatra. Artigo de Timothy Hopper