12 Agosto 2025
O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) suspendeu um financiamento de R$ 500 milhões à Três Tentos Agroindustrial após o resgate de 563 trabalhadores submetidos a condições análogas às de escravo no canteiro de obras de uma usina de etanol de milho da companhia, em Porto Alegre do Norte (MT). A operação deflagrada foi o maior resgate do ano.
A reportagem é de Daniela Penha, publicada por Repórter Brasil, 08-08-2025.
A obra contou com o investimento do BNDES e de recursos públicos do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima, o chamado Fundo Clima. Vinculado ao MMA (Ministério do Meio do Ambiente), ele foi criado para apoiar empreendimentos que promovam a redução dos efeitos das mudanças climáticas.
Após questionamento da Repórter Brasil, o banco de fomento informou que notificou a Três Tentos a prestar esclarecimentos sobre o caso e decidiu suspender os recursos “até que as informações sejam apuradas”. O MMA confirmou a suspensão. Confira as notas completas dos órgãos aqui.
A construção da usina para ampliar a capacidade de produção do biocombustível da Três Tentos estava sendo realizada pela TAO Construtora, responsabilizada pelas condições impostas à mão de obra na operação conduzida por MTE (Ministério do Trabalho e Emprego), MPT (Ministério Público do Trabalho) e Polícia Federal. Os trabalhadores dormiam em alojamentos precários, sem água e energia elétrica, com banheiros sujos, quartos superlotados e sem ventilação. Queixas sobre a má qualidade da alimentação também foram registradas.
Revoltados com a situação, os trabalhadores provocaram um incêndio no canteiro de obras da usina.
Além das condições degradantes, a fiscalização apontou a existência de servidão por dívida. Também foram levantados indícios de tráfico de pessoas, com aliciamento de operários em estados das regiões Norte e Nordeste.
O Ministério Público do Trabalho informou que está negociando um TAC (Termo de Ajuste de Conduta) com a empresa.
Em nota à Repórter Brasil, a Três Tentos afirmou que está acompanhando o caso e avaliando “medidas cabíveis”. “Prezamos pela dignidade de todas as pessoas envolvidas em nossas operações, sejam elas diretas ou indiretas. Práticas que violem os direitos humanos e trabalhistas são incompatíveis com os valores da companhia”, diz a nota. Leia a manifestação completa aqui.
Após o anúncio da suspensão do financiamento pelo BNDES, a assessoria de imprensa da Três Tentos foi novamente questionada pela reportagem. Porém, até o fechamento desta matéria, não houve retorno.
Em nota, a TAO afirma que o incêndio foi criminoso e provocado por um “grupo isolado de trabalhadores”, e diz que vem colaborando com as autoridades. Assinado pela direção da empresa, o texto não comenta as condições degradantes apontadas pelas autoridades, como a falta d’água e o uso de água de rio no alojamento, mas diz ter compromisso com o direito dos trabalhadores. “A TAO Construtora repudia veementemente qualquer prática análoga à escravidão ou tráfico de pessoas”. Veja a nota na íntegra aqui.
Quando o contrato com a Três Tentos foi celebrado, em novembro de 2024, o BNDES divulgou o investimento como uma iniciativa para reduzir a emissão de gases de efeito estufa, em diálogo com as políticas climáticas do governo federal.
O financiamento foi feito na modalidade “reembolsável”. O contrato prevê a devolução do valor, a partir de condições de pagamento previamente acordadas com o banco, e tem como objetivos a implantação de uma usina geradora de energia elétrica a partir de biomassa, além da ampliação da capacidade de produção da planta da Três Tentos. De acordo com a própria divulgação do BNDES, a unidade terá capacidade para produzir 935 mil litros de etanol de milho, 587 toneladas de grãos secos de destilaria e 37 toneladas de óleo de milho por dia.
A Três Tentos estima o custo da ampliação da usina em R$ 1,16 bilhão, conforme relatórios divulgados pela empresa. A conclusão da obra está prevista para 2026. A empresa também emitiu títulos verdes no total de R$ 560,7 milhões no mercado financeiro, para serem utilizados no empreendimento.
A Três Tentos conta com 70 unidades distribuídas no Rio Grande do Sul e Mato Grosso, atua na área de insumos, grãos, indústria e soluções financeiras, dentro do setor do agronegócio.
Além do financiamento para a obra no Mato Grosso, a companhia também recebeu R$ 80,3 milhões em financiamento para os empreendimentos no Rio Grande do Sul, em oito contratos diferentes, sendo seis deles firmados em 2012 e dois em 2025, conforme dados acessados pela Repórter Brasil.
Em 2024, a Três Tentos anunciou a venda de debêntures verdes no valor de R$ 560,7 milhões. Os recursos obtidos com a operação, segundo a companhia, também se destinam a custear a obra da usina em Porto Alegre do Norte (MT).
Os debêntures verdes, títulos privados de dívida negociados na bolsa de valores, têm como objetivo financiar projetos com benefícios ambientais, como a redução de emissão de gases de efeito estufa. Assim como em outros títulos de dívida, a empresa emissora se compromete a pagar o valor investido acrescido de juros aos investidores após um determinado período.
No documento de regulamentação dos debêntures, a Três Tentos informa que segue as diretrizes do Green Bonds Principles (GBP) definidas pela International Capital Market Association (ICMA) e seguidas por investidores no mundo todo. Entre os princípios regulamentadores do GBP estão o cumprimento de diretrizes socioambientais e o respeito aos direitos humanos.
O BNDES dispõe de uma Política de Responsabilidade Social, Ambiental e Climática ou PRSAC. Além disso, nos documentos de regulamentação do Fundo Clima, são consideradas questões socioambientais entre os critérios de aplicação do recurso. O Plano Anual de Aplicação de Recursos 2025 e o Relatório Anual de 2024 citam especificamente a prática de trabalho escravo, inclusive como critério de exclusão de clientes e cancelamento de contratos.
O etanol de milho, classificado como ‘energia verde’, é considerado uma alternativa para a diminuição dos combustíveis poluentes. A classificação favorece a obtenção de financiamentos pelos produtores. A procura por energia sustentável tem aumentado a produção de biocombustíveis feitos com o grão. Especialistas alertam, entretanto, para os impactos socioambientais dessa produção no Brasil.
Em 12 safras, a produção de etanol de milho no Centro-Sul saltou de 37 milhões de litros para 8,19 bilhões, de acordo com dados da União da Indústria de Cana‑de‑Açúcar e Bioenergia (Unica). Entre 2024 e 20025, o biocombustível representou 22% do volume total de etanol do Brasil, com a maior produção no estado do Mato Grosso.